Crônica: Nada como a instrução
"Rico
estuda cinco anos mais."
O senhor não me arranja um trocado? Perguntou
o esfarrapado garoto com um olhar súplice. Outro daria o dinheiro ou seguiria
adiante. Não ele. Não perderia aquela oportunidade de ensinar a um indigente
uma lição preciosa:
-- Não, jovem – respondeu –, não vou
lhe dar dinheiro. Vou lhe dar uma coisa melhor do que dinheiro. Vou lhe
transmitir um ensinamento. Olhe para você, olhe para mim. Você é pobre, você
anda descalço, você decerto não tem o que comer. Eu estou bem vestido, moro
bem, como bem. Você deve estar achando que isso é obra do destino. Pois não é.
Sabe qual é a diferença entre nós, filho? O estudo. As estatísticas estão aí:
Pobre estuda cinco anos menos do que o rico.
O menino o olhava, assombrado. Ele
continuou:
-- Pessoas como eu estudaram mais do
que as pessoas de sua gente. Em média, cinco anos mais. Ou seja: passamos cinco
anos a mais em cima dos livros. Cinco anos sem nos divertir, cinco anos
queimando pestanas, cinco anos sofrendo na véspera dos exames. E sabe por quê,
filho? Porque queríamos aprender. Aprender coisas como o teorema de Pitágoras.
Você sabe o que é o teorema de Pitágoras? Não, seguramente você não sabe o que
é o teorema de Pitágoras. Se você soubesse, eu não só lhe daria um trocado, eu
lhe daria muito dinheiro, como homenagem a seu conhecimento. Mas você não sabe
o que é o teorema de Pitágoras, sabe?
-- Não – disse o menino. E virando as
costas foi embora.
Com o que ele ficou muito ofendido. O
rapaz simplesmente não queria saber nada acerca do teorema de Pitágoras. Aliás –
como era mesmo, o tal teorema? Era algo como o quadrado da hipotenusa é igual à
soma dos quadrados dos catetos. Ou: O quadro do cateto é a soma dos quadrados
da hipotenusa. Ou ainda, a hipotenusa dos quadrados é a soma dos catetos
quadrados. Enfim, algo que só aqueles que tem cinco anos a mais de estudo
conhecem.
Moacyr Scliar. O imaginário cotidiano. São
Paulo: Global, 2001. p. 25-6.
Entendendo a crônica:
01 – Moacyr Scliar criou a
crônica “Nada como a instrução” a partir do título de uma matéria jornalística:
“Rico estuda cinco anos mais”.
a)
O que esse fato revela quanto à natureza e ao
material de que é feita a crônica?
Que a crônica é feita de textos jornalísticos e fatos do cotidiano.
b)
Que tipo de problema social a crônica de
Moacyr Scliar aborda?
As diferenças de oportunidade entre ricos e pobres.
02 – Na crônica de Scliar,
um menino pede dinheiro a um homem na rua. Este, em vez de dinheiro, prefere
dar-lhe um ensinamento.
a)
Qual é o ensinamento?
O ensinamento de que as pessoas que estudam mais obtêm mais sucesso
na vida e vivem melhor.
b)
O que o homem ignora sobre a possibilidade de
o garoto seguir seu exemplo?
Ele ignora que a diferença entre ricos e pobres quanto à anos de
estudo não se deve principalmente ao esforço pessoal dos mais ricos, e sim às
dificuldades que os mais pobres têm para concluir os estudos, por falta de
dinheiro ou porque necessitam entrar cedo no mercado de trabalho, etc.
c)
A crônica de Scliar acaba por revelar-se
comum, insólita, crítica ou irônica? Justifique sua resposta.
Revela-se insólita,
por causa de seu final surpreendente; crítica,
porque denuncia as diferenças sociais; Irônica,
porque demonstra que o conhecimento escolar nem sempre é suficiente para que a
pessoa tenha uma visão mais abrangente da realidade.
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