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domingo, 5 de novembro de 2023

CRÔNICA: ENTRADA PROIBIDA - ADRIANA FALCÃO - COM GABARITO

 Crônica: Entrada Proibida

              Adriana Falcão

        A sala do coração tem muitas janelas e duas portas, a que dá pra dentro e a que dá pra fora. A que dá pra dentro está sempre aberta. A que dá pra fora vive trancada. Espalhadas pela sala, as notícias do jornal de hoje, a bobagem dita ontem, o natal passado, o retrasado, a mula sem cabeça, o banco imobiliário, uma febre, um sarampo, a enchente, o cometa Harley, um São João, um Jeep amarelo, a foto do casamento, o nascimento do filho, o velório da avó, a festa do tetra, a desesperança do mundo, a expectativa do próximo fim de semana e outras tralhas, cada qual lá com sua importância, vão acumulando poeira. Talvez se sintam meio tristes por estarem virando memória, quadro, objeto na estante. Talvez se sintam felizes. Quem sabe?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhvQK6O1IPKXObGE5c4FuXWM1yWocHtqOx-ISDUvNfRoIKnjkbtNAYIi6NjV6wbFI6RyWpf_zNzAaDI7EYhZRaqhoCU7obZZaNc1pV6HaLY0bA6HmNlJl03gbjuAVExcglToYOLRuR-c7TkuX7pbtxYCf4lgNOaAIywDlurSz6wkYSGPp5hQE9fOccMtYw/s1600/CORA%C3%87%C3%83O.png


        O coração tem muitos quartos. No primeiro, logo o da frente, algumas lembranças dormem, umas riem, umas mentem, outras doem. O bolo de aniversário dos seus oito anos, não o dos sete nem o dos nove, o olhar azul da avó quando entrava na ambulância, o primeiro beijo, foi na escada?, a primeira mão que desceu mais um pouquinho, o refrão daquela música que um dia embalou o final do seu namoro e nunca, nunca mais vai tocar no rádio, a primeira vez que, sem ninguém explicar, você juntou o nome à pessoa e a palavra orgasmo (tirada de alguma matéria de revista) legendou seu pensamento, uma cama laqueada com um estrado tão atento que no melhor da história, por piada ou por recato, quase sempre desabava, aquele sapatinho de bebê que só você sabe a cor exata e o exato pompom, o dia da derrota do seu candidato, da sua ingenuidade, da sua felicidade, da sua ignorância, da importância daquela pessoa, daquela outra, e daquela, especialmente, que um dia já foi tanto, tanto, tanto.

        O segundo quarto é meio escuro e faz tempo que não recebe um vento. É ali que estão guardados, em caixas, caixinhas, caixonas, envelopes, sacolas, pelos cantos, uns entulhos e uns tesouros. Quase ninguém entrou nesse quarto, além de você, e mesmo você só entra lá muito de vez em quando. Imagina só que perigo se deparar assim de repente com aquela canção de ninar, um lápis de bandeirinhas mordido na ponta, o apontador verde, o estojo, a máquina de escrever do escritório do seu pai, uma barraca colorida de praia, o botão número três do elevador de um prédio antigo, o nome que você fazia com letras de macarrão ou o formato exato da boca do dono desse nome, a primeira desilusão, o primeiro desapego, a primeira devassa, uma tarde, numa praia, uma certeza insistente, a vontade de que chegue amanhã, vai, amanhã, chega logo, amanhã vai ser uma beleza.

        O terceiro quarto permanece fechado de dia e só se abre, certas noites, em alguns sonhos. Lá estão, entre outras tantas, coisas que não fazem nenhum sentido aparente, pedaços, cheiros, fitas, mofo, uma bacia de lata, um compacto simples, um cinzeiro laranja, uma mentira, uma vergonha, um medo, um choro engolido, detalhes que nem você sabia que existiam ainda, violentos assim, se é que eles ainda existem (o coração às vezes também inventa um pouco).

        O último quarto, no fim do corredor, hoje em dia é só depósito. Um dragão imenso, parado na porta, tenta parecer assustador uma vez que serve de vigia. Ou pensa que serve. Mal sabe ele que foi tirado da fachada de um restaurante chinês, ou, na melhor das hipóteses, de uma página de um livro de arte. Ninguém sabe até hoje o que tem dentro desse quarto, nem você, nem a sua mãe, nem o seu psiquiatra. Enquanto o dragão fica lá convicto de que você morre de medo dele, você continua convencido de que só não entra ali pra não ter o trabalho de matar o coitado.

        No banheiro, antigo e grande, tem uma banheira que já foi oceano de bonecos, uma cortina de plástico, alguns decalques (meio tortos) descascados nos azulejos, um bidé muito importante e uma mania de comer pasta de dente escondido dos outros. Um biscoito que você mordia cuidadosamente pelas bordas para preservar intacta a figura que tinha dentro, (era uma árvore, parece), está guardado na cozinha do coração junto com o cheiro do feijão da sua avó e a esperança de que estivessem fritando batatas.

        O quintal está interditado. É campo minado. É um perigo. Deve ser atávico. Ninguém precisa ter tido um quintal na vida pra saber a alegria e a tristeza que podem causar uma cerca, um portão, uma pedra, uma lagarta. Nunca visite o quintal do seu coração, não corra esse risco, não cometa essa loucura, a não ser em caso de extrema necessidade ou em dias de vento forte, raios, relâmpagos e muitas trovoadas. Se você por acaso der de cara com você lá, brincando, bem contente, a sua vida pode virar uma calamidade.

Entendendo a crônica:

01 – O que a autora descreve como estando na "sala do coração"?

      A sala do coração contém muitas janelas e duas portas, com objetos, lembranças e experiências da vida.

02 – O que a autora descreve nos quartos do coração?

      A autora descreve que o coração tem vários quartos onde memórias, lembranças e experiências estão guardadas, cada uma com suas peculiaridades.

03 – O que está no terceiro quarto do coração, que permanece fechado durante o dia?

      O terceiro quarto contém coisas que não fazem sentido aparente, pedaços, cheiros, fitas, mofo, entre outras memórias obscuras.

04 – Qual é o papel do dragão na porta do último quarto do coração?

      O dragão na porta do último quarto é um elemento de proteção, embora seja apenas decorativo, e a autora sugere que ninguém sabe o que está dentro desse quarto.

05 – O que a autora aconselha sobre visitar o quintal do coração?

      A autora aconselha que o quintal do coração é um lugar perigoso e que as pessoas não devem visitá-lo, a menos que seja absolutamente necessário ou em situações de turbulência emocional.

06 – O que está guardado na cozinha do coração, de acordo com a crônica?

      Na cozinha do coração, a autora menciona que estão guardados um biscoito com uma figura dentro, o cheiro do feijão da avó e a esperança de que estivessem fritando batatas.

07 – O que a crônica sugere sobre as memórias e experiências guardadas no coração?

      A crônica sugere que as memórias e experiências guardadas no coração são variadas, algumas felizes, outras dolorosas, e que cada uma delas possui um espaço específico nos quartos do coração, muitas vezes trancados ou inacessíveis.

 

CONTO(FRAGMENTO): O HOMEM QUE SÓ TINHA CERTEZAS - ADRIANA FALCÃO - COM GABARITO

 Conto(Fragmento): O homem que só tinha certezas

            Adriana Falcão

        Nem o homem feliz de Maiakovsky nem o homem liberto de Paulo Mendes Campos, resolvi imaginar outra improbabilidade. Digamos que aparecesse agora, justo aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, mais exatamente, bem aí na sua frente, um homem que só tivesse certezas.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn03SzJMBZnTrJFukEDp16WWFPSypXwmR7hdx8aP3H3TvAfmuspIhmjUWo4UMx-A99PFU3YuBHieR2cA9kYybiMjpNVqy_RPUSRcg69E1hZciLDPs_CeyJzguzxi-WlAq2qaS6aIYC_ZuEfTBxOW75hcCPcHMi3Dg_i5xie9L4f4ncj7r9i2a68z7Gksk/s1600/S%C3%89RIO.png 


        O homem que só tinha certezas quase nunca usava ponto de interrogação, e em seu vocabulário não constavam as expressões: talvez, quiçá, quem sabe, porventura.

        Parece que foi de nascença. Ele já teria vindo ao mundo assim, com todas as certezas junto, pulou a fase dos por quês e nunca soube o que era curiosidade na vida. Na escola, era uma sensação. Mas não ligava muito pra isso não. E cresceu achando muito natural viver derramando afirmações pela boca. Tinha resposta pra tudo, o homem que só tinha certezas, mas o maior orgulho do homem eram as certezas mais duvidosas que ele tinha. A certeza de que o mais fraco ia vencer, de que as coisas iam melhorar, de que o desenganado ainda teria muitos anos pela frente.

        A notícia espalhou-se rapidamente. Como ele vivia no meio de pessoas, e pessoas vivem cheias de dúvidas, logo começaram a pedir sua opinião para os mais diversos assuntos, os triviais e os de grande importância, e ele, certo de que podia viver muito bem de suas certezas, virou um consultor. Pendurou em sua porta uma placa onde estava escrito “Consultor de tudo” e o negócio foi crescendo aos pouquinhos. Devido ao boca-a-boca favorável de clientes e a um único anúncio no rádio, passou a atender, sem nenhum exagero, milhares de pessoas por dia, até que limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, um minuto e meio por pessoa, o que era mais do que suficiente para uma resposta certa desde que a pergunta não fosse muito longa.

        Chegava gente do país inteiro e depois de outros continentes, pessoas comuns, pessoas ilustres, todas elas indecisas, mas cada pessoa só tinha direito a uma pergunta por consulta, o que as deixava mais indecisas ainda. Certa vez uma moça chegou na dúvida se devia perguntar primeiro sobre o amor ou o trabalho, no que o homem respondeu, sobre o amor, é claro, senão você não vai conseguir trabalhar direito, e deu por encerrada a consulta. O homem que só tinha certezas aconselhou um garoto tímido a tomar quatro cervejas, encorajou um político receoso a aprovar um projeto esquisitíssimo que se destinava a melhorar a vida dos homens, avisou a uma senhora preocupada com os anos que no caso dela nada melhor do que beijos na boca, desentorpeceu um rapaz doente de amor por uma mulher que gostava de outro, convenceu o ministro da fazenda de que ou o dinheiro era pouco, ou eram muitos os homens, ou ele estava louco, ou alguém tinha se enganado nas contas.

        Não demorou muito para se tornar capa de todas as revistas e personagem assíduo dos programas de TV. Para cada pergunta havia uma só resposta certa e era essa que ele dava, invariavelmente, exterminando aos pouquinhos todas as dúvidas que existiam, até que só restou uma dúvida no mundo: será que ele não vai errar nunca? Mas ele nunca errava, e já nem havia mais o que errar, uma vez que não havia mais dúvidas.

        Num mundo que só tinha certezas, o homem que só tinha certezas virou apenas mais um homem no mundo. Melhor assim, ele pensava, ou melhor, tinha certeza.

        Um dia aconteceu um imprevisto, e o homem que só tinha certezas, quem diria, acordou apaixonado. Para se assegurar de que aquela era a mulher certa para ele, formulou cento e vinte perguntas, que ela respondeu sem vacilar, mandou fazer mapas do céu, exames de sangue, contagem de triglicerídeos, planilhas complicadíssimas e finalmente apresentou a moça à sua mãe e ao seu cachorro. Os dois se amaram noites adentro, foram a Barcelona, tiraram fotos juntos, compraram álbuns, porta-retratos, garfos, facas, um escorredor de pratos, tiveram filhos e tal, e, desde então, por alguma razão desconhecida, o homem que só tinha certezas foi perdendo todas elas, uma por uma. No início ainda tentou disfarçar, por via das dúvidas, quem sabe era um mal passageiro? Mas as dúvidas multiplicavam-se como praga (dúvidas se multiplicam?), espalharam-se pelo mundo, e agora, meu Deus? Deus existe? Existe sim. Ou será que não? Ele não estava bem certo.

Adriana Falcão, em “O doido da garrafa” (Ed. Planeta, 2003).

Entendendo o conto:

01 – Onde se passa a história do conto?

      A história se passa no Rio de Janeiro, Brasil.

02 – Qual é a característica mais marcante do homem que só tinha certezas?

      A característica mais marcante desse homem é que ele só tinha certezas, nunca usava pontos de interrogação e não tinha dúvidas.

03 – Como o homem que só tinha certezas se tornou conhecido como consultor?

      Ele pendurou uma placa na porta de sua casa com a inscrição "Consultor de tudo" e começou a atender pessoas que buscavam suas respostas certas.

04 – Qual foi o limite de consultas diárias estabelecido pelo homem que só tinha certezas?

      Ele limitou o número de consultas diárias para quatrocentos e oitenta, com um minuto e meio por pessoa.

05 – O que aconteceu quando o homem que só tinha certezas se apaixonou?

      Ele começou a ter dúvidas, perdeu suas certezas e questionou sua própria convicção.

06 – Qual foi a última dúvida que restou no mundo após o homem que só tinha certezas perder suas certezas?

      A última dúvida que restou no mundo foi se Deus existe, e o homem já não estava mais certo sobre isso.

 

CRÔNICA: SEGUNDA-FEIRA - ADRIANA FALCÃO - COM GABARITO

 Crônica: Segunda-Feira

                 Adriana Falcão

        Toda segunda-feira começa cedo mesmo que se acorde tarde.

        As segundas, aliás, começam quase sempre na véspera, “amanhã já é segunda” (toda noite de domingo traz com ela, além da depressão habitual e do som de uma TV ligada, uma segunda-feira inevitável).

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHbYJMh-AsROinvSgKIjXWaVSu7HLMkkOrRxaQvqFsYRL7qrDPqQOLgY6fPi6OYIF5lh2jXiRNMyUeFHbBgw8nOcvfkh6jlYAlM4TgeCxM0WlW8K4An0xlSQnVNgNcMRVAQbC2yHIPQlHB7wXyIPSIYYyrmj4ty0Rc63yYuursuWWd0z2MWP4ftS-ruSA/s1600/SEGUNDA.jpg
        Toda segunda há uma promessa a ser cumprida, pelo menos uma, muitos ônibus lotados, atrasos motivados pelos mais diversos motivos e um alto índice de enfartes.

        Toda segunda tem a esperança de um telefonema que mude a sua vida, tem um papel pra ser assinado, tem uma prestação pra se botar em dia e tem uma importante decisão a ser tomada.

        Toda segunda tem um pouquinho de primeiro do ano.

        Toda segunda, um cantor de bar fica rouco, um bailarino está exausto, um artista de teatro aproveita sua folga até a próxima quarta e a namorada de um garçom capricha na lavanda.

        Toda segunda, um homem que bebe procura urgentemente uma desculpa.

        Toda segunda tem alguém que parou de beber, tem alguém que parou de fumar, tem alguém começando uma dieta.

        Toda segunda, em um prato, em uma cozinha, tem um resto de bolo de chocolate.

        Toda segunda, as agendas das garotas acumulam novos ingressos de show, notinhas de bar, pétalas de flor, guardanapos de papel, bilhetes de amor e ficam ainda mais gordas.

        Em compensação, as folhinhas, se é que ainda existem folhinhas, vão ficando mais magras.

        Toda segunda tem pelo menos um bom-dia que é dito com alegria por alguém que encontrou o seu amor no final de semana, e pelo menos um que é dito com tristeza por alguém que perdeu o seu, ou porque ele se foi, ou porque o amor perdeu a graça.

        Toda segunda, secretárias com muitas aventuras pra contar deixam os chefes malucos atrás de documentos, relatórios e cronogramas.

        Toda segunda, os desenganados têm mais um domingo pra contar e os infelizes da vida ficam contentes porque têm menos um domingo pela frente.

        Toda segunda, alguém começa uma contagem regressiva.

        Toda segunda, uma expectativa se estabelece.

        Toda segunda, um prazo se esgota.

        Segunda sim, segunda não, já se passou uma quinzena e alguém continua esperando alguma coisa que não chega nunca.

        Toda segunda existe um trabalho chatíssimo pra fazer, a não ser que, sorte a sua, seja feriado.

        Toda segunda é ensolarada, mesmo as mais chuvosas, só para arruinar o humor da humanidade.

        Toda segunda é igual à outra, menos se o seu time ganhou, se o despertador não tocou, se o seu filho nasceu ou se um terremoto destruiu a cidade.

        Toda segunda nasce não sei quantas crianças, umas de parto normal, umas de cesariana, e todas elas, benza Deus, segunda que vem vão completar uma semana.

        Toda segunda faz um ano exato que um fato qualquer aconteceu e para alguma pessoa, por algum motivo, isso tem uma enorme importância.

        Toda segunda é meio lembrança, meio começo, meio cansaço, meio maçante, meio preguiça, meio esperança.

        Toda segunda tem alguma coisa ruim, alguma coisa boa e uma péssima fama.

Texto de Adriana Falcão.

Entendendo a crônica:

01 – Como a autora descreve o início de cada segunda-feira?

      A autora descreve que toda segunda-feira começa cedo, mesmo que alguém acorde tarde, e frequentemente a sensação de que a segunda-feira se aproxima já começa no domingo.

02 – Que tipos de compromissos e atividades são mencionados como parte de uma segunda-feira comum?

      Na crônica, são mencionados compromissos, ônibus lotados, atrasos, telefonemas importantes, papéis a serem assinados, prestações a pagar, decisões a serem tomadas e início de dietas, entre outros.

03 – Como a autora descreve a atmosfera das segundas-feiras?

      A autora descreve a atmosfera das segundas-feiras como tendo um toque de "primeiro do ano," onde as pessoas têm esperança, e algumas tomam decisões, como parar de beber, parar de fumar ou começar uma dieta.

04 – Qual é a relação entre as garotas e suas agendas nas segundas-feiras?

      Nas segundas-feiras, as agendas das garotas ficam mais cheias, acumulando ingressos de show, bilhetes de amor e outras lembranças, tornando-as mais "gordas."

05 – Como as segundas-feiras afetam os desenganados e os infelizes da vida?

      Às segundas-feiras significam um novo domingo para os desenganados, enquanto os infelizes da vida ficam contentes porque têm um domingo a menos pela frente.

06 – O que acontece toda segunda-feira em relação a datas importantes?

      Toda segunda-feira faz um ano exato que algum evento ocorreu, e isso pode ser de grande importância para alguém por algum motivo.

07 – Como a autora descreve a natureza das segundas-feiras?

      A autora descreve que toda segunda-feira é "meio lembrança, meio começo, meio cansaço, meio maçante, meio preguiça, meio esperança" e que ela tem uma péssima fama, sendo considerada um dia difícil por muitos.

 

 

domingo, 29 de outubro de 2023

CRÔNICA: UM DIA DE MÃE - ADRIANA FALCÃO - COM GABARITO

 Crônica: UM DIA DE MÃE

               Adriana Falcão

        Chegou exausta, cheia de sacolas, dor de cabeça, morta de calor, faminta, caótica, e com um firme propósito: tomar um banho e cair na cama. Encontrou uma acalorada discussão a respeito da impossibilidade de se dividir um computador em três (sem despedaçá-lo) e as três crianças aos berros. Todas as luzes da casa estavam acesas. A pressão subiu um pouco.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHNVWWEo7R8WUujTH6INBPEzzdizhrHDXP8VmzXkH6LSREg0lvK6oyZ3CwWDO0OCFjbPA_t0Vab2o_MEYyP3pHBu_Ry6yHALI0p1aHe6E-h2WJAA-IPCssErFC0LZb0pk5lrd43i2LSoYuZBZARSoy4lJAiUV0Rv8EQ1qE7cJZwiGecRG1YEwuogEIC4w/s320/mae-cansada.jpg


        -- Vocês querem fazer o favor de apagar as luzes enquanto eu tomo o meu banho?

        Inútil. Todos os membros da família foram acometidos da síndrome de pensar em outra coisa, mal muito comum entre maridos e filhos durante reclamações, queixas, opiniões, etc.

        Saiu pela casa desligando tudo que estava aceso para o nada: lâmpadas, som, TV, internet...

        -- Por isso que eu liguei pra cá e só deu ocupado o dia inteiro!

        -- O quê?

        Nada. Já tinha desistido de competir com o walkman há muito tempo.

        No quarto da filha mais velha, dezenove blusas, cinco saias e quatro vestidos estavam espalhados em cima da cama para devida apreciação da mesma.

        -- Vai sair?

        -- Desisti. Não tenho roupa.

        A pressão subiu vertiginosamente. Bobagem. Nada que um banho não resolvesse.

        -- Esse jantar não sai hoje não?

        Esquece o banho.

        -- Sopa de novo?

        Calma.

        -- Ergh!

        Respira.

        -- Por que eu não tenho copo?

        Palpitação moderada. Coisa controlável. Foi buscar o copo.

        -- Aproveita que tá na cozinha e frita um ovo pra mim?

        Claro. Fritar ovo inclusive é uma ótima terapia ocupacional pra quem já passou por dois engarrafamentos, banco, pediatra, ginástica, supermercado, uma papelaria entupida de mães comprando material escolar e cinco reuniões de trabalho. Normal.

        -- Você não sabe que eu só gosto de gema mole?

        Teve uma leve síncope nervosa, mas conseguiu se controlar. Afinal, a culpa era dela. Como podia ter cometido um erro tão grave? É óbvio que a mais velha e a do meio gostavam de gema mole, (muito sal para a primeira, pouco para a segunda), a menor preferia ovo mexido, (sal no ponto), o marido não suportava gema... Ou não suportava clara? Quem gostava de omelete? Qual das crianças teve sarampo? Quem foi que quebrou a perna?

        Bateram na porta. Era o porteiro pra avisar que ia faltar água. Ameaça de enfarte. Passou, graças a Deus. Voltou quando alguém espatifou a jarra de suco no chão. (Dessa vez foi de miocárdio.) A menorzinha disse que foi a mais velha. A mais velha disse que foi a do meio. A do meio disse: tudo eu! E se trancou no quarto de onde só saía em último caso, um incêndio ou um telefonema, por exemplo. O telefone tocou.

        -- Alguém pode atender enquanto eu limpo o chão ou limpar o chão enquanto eu atendo?

        Todos os membros da família foram acometidos de um acesso de paralisia generalizada, (espécie de praga que costuma ser causada pela presença da mãe no recinto), acompanhado de mudez instantânea. Acontece. Ela atendeu o telefone, era engano, limpou o chão, voltou para a mesa, a sopa tinha esfriado. Melhor. Comer engorda.

        -- O ar condicionado do meu quarto quebrou.

        -- Você lembrou de comprar o meu livro de inglês?

        -- Não tem geleia não, é?

        -- O cachorro fez xixi na minha colcha.

        -- Por que eu não tenho garfo?

        O telefone tocou de novo. Nova palpitação seguida de falta de ar súbita. Era para a menor.

        -- A Júlia pode dormir aqui hoje?

        Pode.

        -- A mamãe deixou. Desce daqui a dez minutos que a gente passa aí pra te pegar.

        Ligeiro formigamento no braço esquerdo. Angina? Isquemia? Talvez. Saiu de casa com o firme propósito de pegar a Júlia, voltar correndo, ir direto tomar um banho e cair na cama.

        -- Aproveita que vai sair e passa na locadora pra devolver os filmes.

        -- Aproveita que vai passar na locadora e compra o meu remédio na farmácia.

        Casa da Júlia. Locadora. Farmácia. Ia ter que deixar o enfarte e o banho pra mais tarde.

Fonte: Revista Veja Rio. Adriana Falcão.

Entendendo a crônica:

01 – O que a mãe encontra ao chegar em casa no início da crônica?

      A mãe encontra a casa cheia de luzes acesas, crianças aos berros e uma discussão sobre a divisão de um computador.

02 – O que a mãe pede às crianças logo após chegar em casa?

      A mãe pede às crianças para apagarem as luzes enquanto ela toma um banho.

03 – O que acontece quando a mãe tenta competir com o walkman em relação às reclamações da família?

      A família parece ignorar as reclamações da mãe, pois todos estão ocupados pensando em outras coisas, o que a faz desistir de competir com o walkman.

04 – Por que a pressão da mãe sobe vertiginosamente na crônica?

      A pressão da mãe sobe vertiginosamente quando ela percebe que sua filha mais velha tem um grande número de roupas espalhadas pela cama e não sabe o que vestir, o que a frustra ainda mais.

05 – O que acontece com a ideia da mãe de tomar um banho e cair na cama após essa situação?

      A ideia da mãe de tomar um banho e cair na cama é abandonada devido à frustração e ao estresse causados pela situação com as roupas da filha.

06 – Qual é o pedido que causa uma leve síncope nervosa na mãe?

      O pedido para fritar um ovo causa uma leve síncope nervosa na mãe, pois a filha faz uma observação específica sobre a consistência da gema.

07 – O que acontece quando o telefone toca na crônica?

      Quando o telefone toca, todos os membros da família ficam paralisados e em silêncio, e a mãe é forçada a atender o telefone. No entanto, a chamada era um engano, e ela continua suas tarefas domésticas.

 

 

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

CRÔNICA: INSÔNIA - ADRIANA FALCÃO - COM GABARITO

Crônica: INSÔNIA                                 
                 Adriana Falcão

        Considerando que oito horas de sono são o ideal para uma pessoa, quase oito horas de sono devem ser quase o ideal. É lógico. Então, se eu conseguir dormir até a meia-noite e acordar amanhã às sete e vinte, está ótimo. Ou quase ótimo. Vou acordar feliz, bem-disposta, capaz, praticamente recuperada. Se eu dormir até a meia-noite. Ainda tenho cinco minutos. Cinco minutos é tempo de sobra pra uma pessoa pegar no sono, quer ver? Vou pegar no sono em cinco minutos. Boa noite. Estou quase dormindo. Quase. Dormi. Não dormi? Acho que não. Mas vou dormir agora. Senão os pensamentos começam a entrar na minha cabeça e aí, minha filha, nunca mais. Um pensamento puxa outro, que puxa outro, parece até que pensamento tem corda. O negócio é não deixar entrar o primeiro, tá vendo? Foi só começar a pensar em não pensar e quando eu vi já estava pensando em pensamento com corda. E de corda pra acorda é um pulo. E é melhor eu não pensar em acordar senão eu não consigo dormir. E eu preciso estar inteira amanhã. Ou vai ser uma tragédia. Calma, também não é assim. Ainda tenho cinco minutos pra pegar no sono. Se bem que agora já não faltam mais cinco, quantos minutos se passaram até agora? Esquece e dorme. Boa noite. Dormi. Não dormi? Se eu tivesse dormido não estaria pensando se dormi ou não dormi. Estaria dormindo. Isso prova que não dormi ainda. Amanhã vou acordar um lixo. E tenho um dia dificílimo pela frente, com uma lista enorme de coisas pra resolver: vinte minutos de meditação ao acordar, ginástica às oito, reunião às dez em ponto, consertar o carburador do carro, desmarcar o dentista, comprar tinta pra impressora, ligar pro Geraldo, esquece o Geraldo e dorme. Você já trancou a porta, já fechou o gás, já tomou seu banho, já foi à cozinha, já bebeu seu leitinho quente, já pensou em quantas calorias tem um copo de leite, você já se preocupou demais por hoje. Você precisa dormir. Isso. Eu preciso dormir. Então, boa noite. Tem certeza de que eu tranquei a porta? Tranquei, sim. Fechou o gás? Claro. Não lembra? Logo depois do banho. Fechei o gás, fui à cozinha, bebi meu leitinho quente, quantas calorias tem um copo de leite? Eu não devia ter botado açúcar pra depois não ficar culpada. Depois eu fico culpada. Agora eu vou dormir. Já me preocupei demais por hoje, e amanhã, não, eu não vou pensar no que tenho de fazer amanhã. Tenho um dia dificílimo pela frente, com uma lista de coisas pra resolver, e se eu não dormir até meia-noite e meia, uma hora, vou terminar pulando a meditação. É uma opção. Faço ginástica às oito e de lá vou direto pra reunião às dez em ponto no Centro, vou de carro ou vou de táxi? Amanhã você resolve isso. Certo. Eu resolvo isso amanhã. Boa noite. Mas eu já tenho coisas demais pra resolver amanhã, assim não vai dar tempo. Será que não é melhor ir pro Centro de táxi pra poder ir resolvendo outras coisas no caminho? Está resolvido. Amanhã eu resolvo o resto. Boa noite. Se eu conseguir dormir até uma e meia e acordar às nove, já está bom. Pulo a meditação, falto à ginástica, pego um táxi pro Centro e aí só falta resolver o resto da vida. Mas eu tenho o dia inteiro pra resolver tudo. Ligar pro Geraldo, terminar o relatório, passar no supermercado, chamar o homem da televisão, esquece o homem da televisão e dorme. Já deve ser bem mais de uma. Olho o relógio ou não olho? Se eu olhar e for muito tarde, vou ficar nervosa. Mas se eu não olhar vou ficar imaginando que é mais tarde do que é na verdade e fico mais nervosa ainda. Esquece o relógio e dorme. Boa noite. Não vou pensar em amanhã, não vou pensar em hoje, não vou pensar nas horas, não vou pensar em nada. Nadinha. Um nada absoluto. Pensar em nada é pensar em alguma coisa? Olha aí eu pensando de novo. É por isso que não durmo. Durmo, sim. Quer ver? Vou contar carneirinhos. Um carneiro, dois carneiros, três carneiros, quatro carneiros, pronto, agora o quinto carneiro enganchou e não quer entrar no meu pensamento. Vem, carneiro. Por favor. Tá fazendo o que aí fora? Arranjou uma namorada, foi? Então já são mais dois carneiros, ele e a namorada, fora os filhotinhos que eles podem ter, olha só que maravilha, vão ser não sei quantos carneirinhos pra contar. Vou dormir na hora. Venham, carneiros. Um de cada vez. Podem entrar. Esses carneiros estão de implicância comigo. Estou começando a me irritar. Daqui a pouco cometo um carneiricídio. Assim que eles entrarem. O problema é que eles não entram. Esquece os carneiros e dorme. Será que, se eu pensar em capim, os carneiros entram pra comer o capim? Capim. Capim. Carneiro come capim? Esquece o capim e dorme. Já devem ser quase duas e você aí acordada. Amanhã vai estar um lixo. Eu não vou estar um lixo amanhã pela simples razão de que vou dormir agora, quer ver? Boa noite, dormi, não dormi? Ainda não. Mas vou dormir imediatamente. É só não pensar em amanhã porque amanhã eu tenho um dia dificílimo pela frente com uma lista de coisas pra resolver: chamar o homem da televisão, comprar queijo ralado, dar uma passadinha no laboratório pra buscar os exames, descobrir se carneiro come capim, não acredito que já é de madrugada e eu estou aqui pensando em capim, esquece os pensamentos e dorme, vou dormir, você não pode pensar em amanhã, eu não vou pensar em amanhã, não vou mesmo, de jeito nenhum, amanhã eu tenho um dia dificílimo com uma lista de coisas pra resolver: descobrir se carneiro come capim...

Entendendo a crônica:

01 – Qual é a situação retratada no texto?
      A personagem sofre de insônia (falta de sono; incapacidade de dormir adequadamente).

02 – O Conto é uma narrativa curta que apresenta os mesmos elementos do romance: narrador, personagens, enredo, espaço e tempo. Nos textos narrativos em prosa, quem conta a história é o narrador. Se o narrador está em 1ª pessoa (eu / nós) e é o personagem principal, porque a história contada gira em torno dele, dizemos tratar-se de um narrador-protagonista ou narrador-personagem. Se o narrador apenas relata a história, em 3ª pessoa (ele / eles) sem participar dela, é classificado como um narrador-observador ou narrador-onisciente.

a) No caso do conto lido, qual é o tipo de narrador? Comprove com elementos do texto.
      É um narrador-protagonista ou narrador- personagem. “Então, se eu conseguir dormir até a meia-noite e acordar...”

b) Em algumas partes do conto, a narradora tem uma conversa consigo mesma. Transcreva 3 trechos que exemplifiquem isso.
      “... Vou pegar no sono em cinco minutos. Boa noite. Estou quase dormindo.”
      “... Esquece e dorme. Boa noite. Dorme. Não dormi?”
      “... Você precisa dormir. Isso. Eu preciso dormir. Então, boa noite.”

03 – É possível determinar, a partir da leitura do conto, se o personagem é homem ou mulher? Comprove com um trecho do texto.
      Sim, é uma mulher. “Vou acordar feliz, bem disposta, capaz, praticamente recuperada.”

04 – Explique a expressão: "Daqui a pouco cometo um carneiricídio."
      Significa que mataria os carneirinho que estava contando para o sono vir, pois não conseguia dormir.

05 – A partir da leitura do conto, podemos determinar a hora em que a personagem começa a narrativa. Que hora é essa?
      Sim. Era vinte e três horas e quinze minutos, pois ela precisava dormir oito horas e faltava cinco minutos para a meia noite.