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quarta-feira, 12 de outubro de 2022

CARTA A UM ADOLESCENTE - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 CARTA A UM ADOLESCENTE

          Rubem Alves

Você pediu que eu escrevesse sobre a maldade. Foi a primeira vez que uma pessoa me pediu isso. Você foi corajoso porque falar sobre a maldade é falar sobre nós mesmos. A maldade é algo que mora dentro de nós, à espera do momento certo para se apossar do nosso corpo. Ao pedir que eu falasse sobre a maldade você me pediu que o ajudasse a entender o lado escuro de você mesmo.

Para a gente entender a maldade é preciso entender, antes, os dois poderes de que somos feitos. Somos feitos de uma mistura de amor e poder. Amor é um sentimento que nos liga a determinadas coisas, e vai desde o simples gostar até o estar apaixonado. O amor quer abraçar, ficar perto, proteger. Amo meu cachorrinho: quero brincar com ele, tenho saudade dele. Se ele morrer eu vou chorar. Gosto da minha casa. Dói muito – dá raiva – se alguém picha de preto o muro que tinha justo sido pintado de branco. Gosto muito de uma pessoa: pode ser o pai, a mãe, o avô, a namorada. Por causa desse sentimento fico triste vendo que aquela pessoa está triste. O amor faz isso: coloca o outro dentro da gente. O que o outro sente, a gente sente também. Um amigo meu, pedreiro, senhor João, a primeira coisa que fazia quando me visitava em minha casa era salvar, com um peneira, as abelhas que estavam morrendo afogadas na piscina. Ele sofria com as abelhas.
Por isso, muitas pessoas são vegetarianas. Elas não suportam pensar na dor por que passam os bichos para que nós nos lambuzemos com a carne deles. Uma pessoa muito querida, que não é vegetariana, não consegue comer frango ao molho pardo. O molho pardo desse frango se faz com sangue – e ela se lembra de haver visto frangos de pescoço cortado, pendurados num gancho, agonizantes, seu sangue vagarosamente pingando num prato. Agora, sempre que ela vê frango ao molho pardo, ela se lembra do sofrimento daquela ave inocente. Os bichos também sofrem.

O amor nos liga à natureza toda. Eu amo a natureza – os riachos de água limpa, as cachoeiras frias, as matas com suas samambaias, avencas, orquídeas, bananeiras, as borboletas, cigarras, pássaros. Nós humanos, temos olhos deformados – não percebemos a beleza dos seres que são diferentes da gente. Mas todos eles, inclusive os besouros (que alguns chamam de “bisorros”), as rãs, os lagartos, as marias-fedidas, as taturanas, os urubus – todos eles querem viver, sofrem, fazem parte desse nosso mundo e são necessários à sua existência. Todos eles são nossos irmãos – porque todos nós teremos o mesmo fim. Um dia nós voltaremos à terra e, quem sabe, renasceremos como besouro ou galinha…

Aquilo que eu amo eu quero proteger. Proteger o cachorrinho, o muro de casa, a natureza… Às vezes, a gente quer algo anterior ao proteger: a gente crer criar. Você ainda não é pai. Não tem, portanto nenhum filho para proteger. Chegará um dia, entretanto, em que você desejará ter um filho que você ainda não tem. Para isso é preciso que você tenha os poderes de homem – para semear no ventre de uma mulher a semente do filho que você ama, mas ainda não tem. Você deseja ser (ainda não é) administrador de empresa, cozinheiro, médico ou flautista: você ama essas coisas; mas ainda não é. O amor sozinho, não faz milagres. Para ser qualquer dessas coisas você terá que, devargazinho, ir desenvolvendo poderes no seu corpo, poderes que tornarão a forma ou de conhecimentos ou de habilidades.

Quando você tem essas duas coisas juntas o amor e o poder, coisas muito bonitas acontecem. O poder torna possível a existência daquilo que a gente ama: gero um filho, planto um jardim, construo uma casa.
O poder, assim está a serviço da alegria. Pelo poder eu posso contribuir para que o mundo seja melhor. O poder e o amor juntos, estão a serviço da preservação da vida.

Acontece, entretanto que a vida anda devagar. Leva tempo para uma criança ser gerada. Leva tempo para uma árvore crescer. Por vezes, ao plantar uma árvore, a gente sabe que nunca se assentará à sua sombra.
Já a morte anda rápido. Mata-se numa fração de segundo. Basta puxar um gatilho. Ou pisar o bicho. Ou quebrar o ovo. Corta-se uma árvore que levou cem anos para crescer em poucos minutos: se for uma bananeira, basta um golpe de facão.

Você me perguntou sobre a maldade: a maldade é isso – quando as pessoas sentem prazer no ato de destruir, isto é quando as pessoas sentem prazer no exercício puro do poder, sem que esse poder tenha um objetivo de vida. Bondade é o poder usado para a vida. Maldade é o poder usado para a morte.

A adolescência é o momento da vida quando se descobrem as delícias do poder. Criança tem amor mas não tem poder. Ela quer sorvete mas não tem o dinheiro. A mãe segura, põe de castigo, dá palmada. A criança é impotente. Na adolescência o corpo se desenvolve. Fica maior que o corpo da mãe, o corpo do pai. Ganha força. Juntos, então os adolescentes se constituem num exército poderoso. É por isso que os adolescentes gostam de estar juntos: isso lhes dá um sentimento de poder. Há coisas que nunca fariam sozinhos. Mas, em grupo, tudo é permitido. As pessoas mais mansas podem se tornar monstruosas em grupo. No grupo a gente perde o senso da responsabilidade moral.

Como eu já disse, o poder, como fim em sim mesmo, sem um propósito de amor, dá prazer rápido. Quebrar, pichar, arrancar, bater, cortar esmagar, derrubar – todas essas são formas do poder-prazer a serviço da morte. É uma coisa demoníaca.
Por isso, meu amigo, adolescente, quero confessar uma coisa que nunca confessei: “Tenho medo de vocês”. O fascínio que vocês têm pelo poder me assusta. É isso que é maldade: poder sem amor.
Eu queria poder dar para vocês, como herança, o ovo onde moram os meus sonhos, na esperança de que vocês continuassem a chocá-lo, depois da minha partida. Sim, o mundo que eu amo se parece com um ovo: está cheio de vida mas é muito frágil. Dentro dele estão coisas delicadas, fáceis de serem destruídas: plantas, insetos, ninhos, aves, músicas, poemas, memórias, livros, peixes, muros brancos, crianças, velhos, jardins…
Mas eu tenho medo que vocês não resistam à tentação de quebrar o ovo onde eu e o meu mundo moramos. Como é fácil quebrar um ovo! Fácil e irreversível: nunca mais! Assim, por enquanto, o ovo onde moram meus sonhos fica sob a minha guarda. Até encontra os herdeiros que eu espero.

Rubem Alves,
In Correio Popular, Campinas, 24.II.96

https://alforje.wordpress.com/2013/06/05/carta-a-um-adolescente-rubem-alves/

Fonte: Figueiredo, Adriana Giarola Ferraz-Sistema Maxi de Ensino: ensino médio: língua portuguesa 2º ano: cadernos de1 a 4: manual do professor/Adriana Giarola Ferraz Figueiredo, Denise Silveira Silva Barros, Alberto Luís Pugina Silva. 1.ed. São Paulo: Maxiprint Editora,2018. p.15-7.

Entendimento do texto

01. O Texto “Carta a um adolescente” foi escrito a partir de uma condição especial. Que condição é essa? Justifique a sua resposta.

Trata-se de um texto que foi escrito a partir de um pedido, um pedido feito por um adolescente que solicitou que o autor escrevesse sobre o tema maldade. Esse pedido pode ser comprovado já no título do texto, que nos remete a uma carta, uma resposta destinada a um destinatário definido.

02.  É possível perceber, ao longo do texto, que o autor formula a sua argumentação para defender um ponto de vista em relação ao tema abordado, a maldade.

a)   Qual é a estratégia escolhida pelo autor para se posicionar diante desse tema?

Para se posicionar diante do tema maldade, o autor opta por fazer uma reflexão acerca dos “poderes” que, segundo ele, circundam o ser humano, o amor e o poder.

b)   E qual  é a tese do autor a respeito da maldade? Exemplifique a sua resposta com um trecho do texto.

Para o autor, a maldade é uma atitude ruim, que destrói e que condena  o mundo e as pessoas aos caos: “[...] a maldade é isso – quando as pessoas sentem prazer no ato de destruir; isto é quando as pessoas sentem prazer no exercício puro do poder, sem que esse poder tenha um objetivo de vida.[...] Maldade é o poder usado para a morte.”

c)   Em certo momento do texto, o autor confessa que tem medo dos adolescentes. Em que alicerces ele fundamenta esse medo? Explique.

O autor fundamenta o medo que tem dos adolescentes no fato de perceber que estes têm um fascínio muito grande pelo poder. Mais que isso, ele teme que o poder seja usado, pelos adolescentes, desvinculado do amor, que é o grande problema apontado pelo escritor na carta.

03.  Observe os trechos retirados do texto e justifique a presença da crase nos contextos destacados.

a)   “A maldade ´algo que mora dentro de nós, à espera do momento certo para se apossar do nosso corpo”.

Trata-se da crase empregada em locução prepositiva.

b)   “O amor nos liga à natureza toda”.

Trata-se da crase empregada na junção da preposição “a”, pedida pelo verbo “ligar”, + o artigo “a” que acompanha o substantivo “natureza”.

c)   Às vezes, a gente quer algo anterior ao proteger: a gente quer criar”.

Trata-se da crase em uma locução adverbial de tempo.

04. Releia este período: “Um dia nós voltaremos à terra e, quem sabe, renasceremos como besouro ou galinha...”. O uso do acento indicativo da crase, na expressão destacada, está correto? Por quê?

O uso do acento indicativo da crase, na expressão “à terra”, nesse contexto, está adequado, pois aqui não está se referindo à terra em oposição à água ou ao mar, mas sim à terra como um lugar de origem.

 



sábado, 13 de agosto de 2022

CARTA: PARA EILEEN - (FRAGMENTO) - REVISTA PIAUI - COM GABARITO

Carta: para Eileen – Fragmento

Abril de 1937

Hospital, Monflorite

        Querida Eileen,

        Você é realmente uma mulher maravilhosa. [...] Odeio saber que você está resfriada e se sente abatida. Também não deixe que façam você trabalhar demais, e não se preocupe comigo, pois estou muito melhor e espero voltar para o front amanhã ou no dia seguinte. Felizmente o envenenamento em minha mão não se espalhou e agora ela está quase boa, embora, naturalmente, a ferida ainda esteja aberta. Posso usá-la muito bem e pretendo fazer a barba hoje, pela primeira vez em cinco dias. O clima está muito melhor, uma verdadeira primavera na maior parte do tempo, a aparência da terra me faz pensar em nosso jardim e me perguntar se os goiveiros estão florindo. Sim, a resenha de Pollitt foi muito ruim, embora evidentemente boa como publicidade. Suponho que ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM. Não presto muita atenção nas resenhas do Sunday Times, pois, como Gollancz anuncia muito lá, eles não se atrevem a falar mal dos livros dele. Todos foram muito bons comigo enquanto estive no hospital, visitando-me todos os dias etc. Acho que agora o tempo está melhorando e posso passar um mês fora sem ficar doente, e então que teremos descanso, e iremos pescar também, se for possível.

        Muitíssimo obrigado por ter enviado as coisas, querida, mantenha-se bem e feliz. Escreverei novamente em breve.

        Com todo o meu amor

        Eric

Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/materia/espero-sair-comvida-para-escrever/. Acesso em: 15 dez. 2015. (Fragmento).

     Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 332-3.

Entendendo a carta:

01 – Que notícia a carta leva a Eileen sobre a saúde do escritor?

      A notícia de que Eric se recupera bem, pois o envenenamento em sua mão não se espalhou.

02 – Que palavra sugere que Eric (Orwell) não está preocupado com o fato de a ferida em sua mão permanecer aberta? Justifique.

      O uso de naturalmente sugere que ele está ciente de que os ferimentos costumam demorar a cicatrizar e, portanto, não se preocupa com a ferida aberta.

03 – Orwell parece satisfeito com as resenhas de sua obra? Por quê?

      Não muito. A resenha escrita por Pollitt é considerada boa propaganda, embora critique a obra, e as do jornal Sunday Times, ainda que favoráveis, são vistas como respostas ao dinheiro gasto com publicidade pelo editor Gollancz.

04 – Segundo George Orwell, a resenha escrita por Pollitt é, simultaneamente, boa e ruim. Como os advérbios empregados sugerem um equilíbrio entre os dois efeitos?

      O advérbio muito em “muito ruim” reforça o efeito negativo, mas o uso de evidentemente antes de boa, também enfático, mostra que a resenha é vista positivamente pela involuntária propaganda ocasionada.

05 – O advérbio realmente, usado na primeira oração, refere-se a um termo ou à oração inteira? Qual é a função desse advérbio?

      O advérbio refere-se à primeira oração inteira e reforça o elogio a Eileen.

06 – Na frase “Suponho que ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM”, o autor revela maior ou menor certeza em relação ao que está dizendo nesse trecho da carta? Justifique.

      Menor certeza, já que se trata de uma hipótese.

07 – Reescreva o trecho no caderno empregando um advérbio capaz de expressar o mesmo grau de certeza ou incerteza.

      Sugestão: Provavelmente (possivelmente) ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM.

08 – Examine agora este outro trecho: “Felizmente o envenenamento em minha mão não se espalhou [...]”. Reescreva-o duas vezes, deslocando o advérbio felizmente para outras posições possíveis.

      O envenenamento em minha mão felizmente não se espalhou.
O envenenamento em minha mão não se espalhou felizmente.

09 – Por que o uso desse advérbio contribui para o caráter mais subjetivo do enunciado?

      O advérbio felizmente pontua o sentimento do produtor do texto em relação ao conteúdo expresso.

 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

CARTA: CLARA (FRAGMENTO) - SUZANA VARGAS - LIVRO PORTA A PORTA - ROSEANA MURRAY - COM GABARITO

 Carta: Clara (fragmento)

      Rio, mês de março

        Clara, amiga...

     Não é milagre. Decidi escrever pra você só por um motivo: é que hoje não fui à aula, teve greve de ônibus e fiquei por aqui mesmo, olhando para as paredes e ouvindo as reclamações da minha mãe por causa da bagunça que eu faço sempre que estou em casa. Tenho um monte de coisas pra fazer e nenhuma vontade de nada. Tudo o que eu havia planejado foi por água abaixo: encontrar o Dani depois da aula, capoeira, ginástica, etc. etc. etc.

        [...]

        E você? Finalmente pergunto por você! Como vai aí no mato?

        Francamente! Não sei como você aguenta. Já ficou com aquele garoto da última carta? Tem algum gatinho na tua turma? Pô! Escreve pra mim! Olha, eu amo receber cartas e ninguém me escreve...

       Suzana Vargas, publicada no livro Porta a porta, de Roseana Murray e Suzana Vargas. São Paulo: Saraiva. p. 47.

         Fonte: Língua Portuguesa – Português – Apoema – Editora do Brasil – São Paulo, 2018. 1ª edição – 6° ano. p. 21.

Entendendo a carta:

01 – A carta é escrita em que registro: formal ou informal? Justifique sua resposta considerando a situação de comunicação.

      A carta é escrita em registro informal porque é uma correspondência entre duas amigas; a menina escreve de maneira solta, sem formalidade, como se estivesse conversando com a amiga.

02 – O que significa a expressão “foi por água abaixo”?

      Deu errado; não se realizou.

03 – Por que os planos da menina foram por água abaixo?

      Porque ela não pôde ir à aula, por causa da greve de ônibus.

04 – Pronuncie em voz alta as palavras: água, aguenta e ninguém. Em qual delas ocorre um dígrafo, isto é, duas letras representam um só fonema? Destaque o dígrafo.

      Ninguém.

05 – Repare: água, guarda, guaraná. Nesses casos, o u é pronunciado. Qual seria a regra para a pronúncia do u?

      Quando o encontro gu vem seguido de a, pronuncia-se o u.

06 – Observe agora: ninguém, águia, guerra, guitarra. Ocorre dígrafo nessas palavras? Por quê?

      Sim, ocorre dígrafo, porque as letras gu são pronunciadas como um único fonema /g/. Nesses casos, gu vem seguido de e e i.

07 – Compare ninguém e aguenta. Nessas duas palavras ocorre a mesma sequência de letras: gue. Nesses casos, é nossa experiência de falantes da língua portuguesa que nos mostra como pronunciá-las. Explique a afirmativa.

      Embora ocorra a mesma sequência de letras, sabemos, pela nossa experiência de falantes, que em ninguém há um dígrafo e em aguenta o u é um ditongo.

 

 

domingo, 24 de janeiro de 2021

CARTA: ANITA MALFATTI - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Carta: Anita Malfatti


Mário de Andrade

S. Paulo 1-12-1924

        Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono. Fiquei contentíssimo e consegui notícias no Jornal do Comércio e Correio Paulistano. No Estado não posso chegar. Inimigos. Mas soube pela tua mãi que reproduziram a notícia. Ainda bem. Apareceu alguma crítica? Também é tanta gente a concorrer ao Salão!... E teus quadros ficaram bem colocados? Morri de desejo de vê-los. E a estátua do Brecheret? Aquele animal não há meio de me escrever nem uma linha. Estou danado com ele. Por que não pede pra noiva, não? Quem tem uma noivinha boa como me dizem que é a dele, pode pedir a ela que escreva. Depois bota um abraço em baixo e pronto. Vi a fotografia da Porteuse de Parfums. Achei-a lindíssima. Que equilíbrio e que construção! Morri de desejos de vê-la também. Vivo morrendo por causa de vocês. Que amigos assassinos, puxa! Brecheret ao menos mandou fotografias. E tu nem isso! Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotografias in continente sinão me zango de verdade.

      Nós aqui bem. Eu como sempre de cangalha no pescoço. Mal posso me mexer. Antes-de-ontem caí do bonde. Um Horror! Assim: De bunda no trilho. Felizmente há um anjo-da-guarda pros malucos que tomam bonde andando. O caradura me pegou com as pernas e me atirou longe. Rolei no asfalto que nem uma bolinha de papel, disse um que viu. Felizmente não aconteceu nada. Escangalhei roupa, chapéu e botina. No corpo umas arranhaduras. Só que tudo me dói, pescoço, braços, joelhos, costas, tudo. Está sarando, não te assustes.

        Já te falei do baile futurista? Esteve estupendo. Um pintor russo de muito valor que mora agora aqui fez as decorações duma sala. Estupendas, nem imaginas. E esteve divertidíssimo até 6 horas da manhã.

        Não tenho mais nada pra te contar. Ando miquiado e saí de Ariel. São trezentos milréis de menos. Justamente o que te devo e não me esqueço. Dia virá. Espera. Dia virá, minha querida Anita. O “querida” não está aqui pra adoçar a tua espera. Está porque te quero bem. Até logo.

        O mais apertado dos abraços do Mário.

   Marta Rossetti Batista, org. Mário de Andrade – Cartas a Anita Malfatti. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1989.

Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p.131-3.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fpt.wikipedia.org%2Fwiki%2FAnita_Malfatti&psig=AOvVaw18_iIFEz4qlg4p4TBEXork&ust=1611610652312000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMC6y-DDte4CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a carta:

01 – O texto acima é uma carta enviada pelo escritor Mário de Andrade à pintora Anita Malfatti. Onde e quando foi escrita essa carta?

      Em São Paulo, em 1/12/1924.

02 – Muitas das expressões usadas por Mário de Andrade em sua carta à amiga nos soam estranhas. No entanto, ela foi redigida em português, a mesma língua que falamos hoje. Como se explica essa estranheza?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Em mais de setenta anos, a língua – que não é algo rígido e imutável – se transformou: fixou-se de alguma forma a grafia de certas palavras que ainda era oscilante. Certos vocábulos deixaram de ser usados e outros foram incorporados, etc. Acrescentem-se a isso certas maneiras de grafar próprias de Mário de Andrade, que escrevia, por exemplo, mãi, sinão e si, em lugar de mãe, senão e se.

03 – Leia: “Pois si já me contaste que as fotografias foram tiradas, por que se fazer de rogada agora? Manda as fotos in continente sinão me zango de verdade”. Tanto em sua correspondência como em algumas obras, o escritor Mário de Andrade grafou certas palavras da forma como são pronunciadas, e não como estão registradas no dicionário. Identifique no trecho acima as palavras em que isso ocorre.

      Si e sinão (em lugar de se e senão).

04 – Pesquise no dicionário ou converse com pessoas mais velhas para descobrir o significado, no texto, de:

a)   Fazer-se de rogado;

Agir como pessoa que gosta que lhe peçam algo com insistência.

b)   In continente;

Imediatamente.

c)   De cangalha no pescoço;

Trabalhando bastante, sem tempo livre.

d)   Escangalhar;

Estragar.

e)   Estupendo;

Maravilhoso.

f)    Miquiado.

Sem dinheiro.

05 – Mário de Andrade grafou antes-de-ontem (com hifens) e milréis (em uma palavra só). Como essas palavras aparecem registradas hoje nos dicionários?

      Anteontem (ou antes de ontem); mil-réis.

06 – Releia: “Anita do coração, estou pra te escrever faz dias dando-te os parabéns pela tua aceitação no Salão de Outono”.

a)   Que pronome pessoal Mário de Andrade emprega para dirigir-se a sua interlocutora?

Tu.

b)   Como você chegou a essa conclusão?

Pelo emprego do pronome pessoal oblíquo te e do pronome possessivo tua.

07 – A carta de Mário de Andrade transmite certa jovialidade e revela a intimidade que havia entre os interlocutores. Essa impressão é causada pelo emprego de algumas expressões próprias da linguagem informal. Quais são elas?

      Entre outras, “pra”, “aquele animal”, “estou danado”, “puxa!”, “pros”, “que nem”, “pra adoçar a tua espera”.

sábado, 19 de setembro de 2020

CARTA: DE SOLICITAÇÃO - LUCIANA KOJAK - COM GABARITO

Carta: de solicitação

            Luciana Kojak

Goiânia, 1° de abril de 2002

Ilmo. Sr.

Diretor da Agência Central de Correios

Nesta Capital

 

Prezado Senhor

        Venho, por meio desta, solicitar autorização para uma visita dos alunos da 5ª série a essa agência da Empresa de Correios e Telégrafos no próximo dia 18, às 10 horas, a fim de que eles possam conhecer as atividades, o funcionamento e os serviços oferecidos pela agência.

        Esclareço que contatos telefônicos anteriores já foram feitos, e a referida data já deve estar agendada.

 

 

Atenciosamente.

Luciana Kojak

Professora de língua Portuguesa

Colégio Emílio de Menezes.

 

       Fonte: Língua Portuguesa. Linguagens no Século XXI. 5ª série. Heloísa Harue Takazaki. Ed. IBEP. 1ª edição, 2002. p. 36-7.

Entendendo a carta:

01 – Quando essa carta foi escrita?

      Em abril de 2002.

02 – Quem a escreveu?

      A professora de Língua Portuguesa, Luciana Kojak.

03 – Para quem ela foi enviada?

      Para o Diretor da Agência dos Correios de Goiânia.

04 – Qual é o objetivo dessa carta?

      Solicitar autorização para uma visita dos alunos à agência.

05 – A remetente da carta justifica a solicitação? Explique.

      Sim. A visita tem como finalidade dar a conhecer o funcionamento, as atividades e os serviços oferecidos pela agência de Correios.

06 – A linguagem usada é formal ou informal? Justifique.

      Formal. Foi escrita pela professora da escola.

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

CARTA: A MARIA JÚLIA - MARCOS BAGNO - COM GABARITO

Carta: A Maria Júlia

           José Romildo

        Recife, 7 de maio de 1990

        Prezada Maria Júlia,

        Bem que gostaria de ver a cara de surpresa que você deve estar fazendo enquanto lê este meu bilhetinho. Será que você ainda se lembra de mim? Vou ajudar: eu sou aquele pernambucano que falou com você nas férias, lá no Rio de Janeiro, junto da estátua do Cristo Redentor. E então, já se lembrou? A gente conversou durante mais de duas horas. Falamos de muitas coisas, mas, principalmente, de livros. Pois é exatamente por causa de livro que resolvi escrever para você. Hoje de manhã eu decidir dar um pouco d ordem à minha estante, para ver se achava nela algum espaço para uns livros novos que andei comprando. Não sou organizado, sabe, e tenho muita preguiça de colocar os livros em ordem alfabética ou separados por assunto. O resultado é uma confusão dos diabos: história com romance policial, matemática com inglês, álbum de retratos misturado com revista de esportes.

        Pois foi no meio dessa anarquia (como diz minha mãe) que encontrei as Histórias extraordinárias, de Edgar Allan Poe. Ao ver o livro, lembrei logo de você. Quer saber por quê? Você me disse, lá no Rio, que nunca tinha lido uma história policial, e que não tinha o menor interesse por esse tipo de livro. Confesso que, na hora, fiquei muito espantado e pensei assim comigo: “Oxente, como é que alguém diz que gosta de ler e nunca se interessou por histórias policiais?” Eu adoro, simplesmente adoro, uma boa trama (sabe o que é?), um mistério bem misterioso, um segredo bem guardado. Esse livro do Poe (eu acho que a pronúncia é “pôu”) é muito bom, Maria Júlia, mas muito bom mesmo. Como já li e reli mais de dez vezes, achei que podia passar um tempo sem ele. É por isso que estou te mandando o livro. Se você ler e gostar, pode ficar com ele, é um presente. Se ler e não gostar tanto quanto eu, não se aperreie, pode me devolver, foi um empréstimo.

        Na hora de escrever no envelope, pintou a dúvida: eu só sei o teu nome, mas não tenho o teu endereço. Foi aí que me lembrei que você disse que sua mãe trabalha na agência dos Correios de Dores do Indaiá. Espero que minha ideia de escrever para lá tenha funcionado...

        Fico por aqui. Um abraço. Até qualquer dia.

        José Romildo.

BAGNO, M.; RESENDE, S. M. Os nomes do amor. São Paulo: Moderna, 1993, p. 5-6.

       Fonte: Língua Portuguesa. Linguagens no Século XXI. 5ª série. Heloísa Harue Takazaki. Ed. IBEP. 1ª edição, 2002. p. 33-4.

Entendendo a carta:

01 – Quem escreveu a carta? De onde ela foi escrita?

      José Romildo, de Recife. Pernambuco.

02 – Para quem é a carta? Onde mora esse destinatário?

      Para Maria Júlia, da cidade de Dores do Indaiá.

03 – Eles já se conheciam? Explique.

      Sim, encontraram-se uma vez, quando estavam de férias no Rio de Janeiro.

04 – O que levou José Romildo a escrever para ela?

      O fato de ela ter dito que não gostava de histórias policiais. Ele resolveu lhe mandar um livro.

05 – Há palavras ou expressões que você não conhece na carta de José Romildo? Quais?

      Resposta pessoal do aluno.

06 – Que idade você supõe que eles tinham?

      A idade dos dois está, aproximadamente, entre 12 e 18 anos. Isso pode ser comprovado através da linguagem usada (confusão dos diabos, pintou uma dúvida), das referências à escola e aos pais.

07 – Em alguns trechos, José Romildo faz perguntas para Maria Júlia como se ela estivesse conversando diretamente com ele. Em que trechos isso acontece? Copie-os em seu caderno.

      “E então, já se lembrou?”; “Quer saber por quê?”; “Sabe o que é?”

      

 


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

CARTA: AO NETO QUERIDO - FAUSTO CUNHA - COM QUESTÕES GABARITADAS


CARTA: AO NETO QUERIDO
            
           Fausto Cunha

                Planeta 54, Nebulosa de Messier, 6 de junho de 2854.
Meu querido Totte
          Pousar pela primeira vez num planeta desconhecido é sempre uma emoção nova. E no espaço não há duas emoções iguais. Por isso te digo: sai para o espaço! O espaço é a liberdade, o espaço é o mistério, o espaço é o sonho – as três coisas de que o homem mais precisa.
          A liberdade desenvolve o sistema nervoso, melhora o funcionamento do cérebro. Um ser sem liberdade não evolui.
          O homem também precisa do mistério, do sonho, do movimento em busca de coisas novas, de novos espaços, novos contatos, novas situações. Na Terra nem sequer utilizamos 1% de nossa capacidade de pensar. A monotonia é um veneno. Tira toda a nossa criatividade, o cérebro fica adormecido.
        É por isso que nunca vou às cidades. Tenho a impressão de que estou andando no meio de tristes robôs, de gente que não vive, não sonha, não tem mistério nenhum.
         Digo e repito: vai para o espaço, Totte! Vai logo, antes que alguém te agarre e te prenda numa cadeira ou enfie uma pedra de gelo no teu coração!
         Passar toda a vida como um verme, escondido num buraco, quando há todo esse azul esperando por nós!
                                                            Teu avô, que muito te estima,
                                                                                Argo            
(O lobo do espaço. Rio de Janeiro, Cátedra, 1978.)
Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série- MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p.8-11.
Estudo do Texto

01 – O texto é uma carta. Sabemos disso porque nele há marcas características, tais como data, local onde foi escrito, evocação (chamada à pessoa a quem se destina a carta), as despedidas e a assinatura (ou nome de quem escreveu a carta).

a - Onde e quando a carta é escrita?
No Planeta 54, na Nebulosa de Messier, em 6 de junho de 2854.

b – Qual é a evocação que aparece na carta?
“Meu querido Totte”.

c – Qual é o assunto da carta?
O avô fala o que pensa sobre a vida na Terra e no espaço.

d – Como é a despedida na carta?
“Teu avô, que muito te estima”.

e – Quem escreve a carta?
Argo, o avô de Totte.

2) Nessa carta, o capitão Argo tenta convencer Totte a fazer algo que julga ser bom para o menino. De que ele tenta convencer Totte e por quê?
O avô tenta convencer Totte a ir para o espaço. Porque, para ele, a Terra é uma prisão e o ser humano.

3) Para convencer o menino, o autor da carta apresenta alguns motivos que julga importantes. Faça uma lista do que é bom quando se vive no espaço e outra do que é ruim quando se vive na Terra.
Na Terra, não utilizamos 1% de nossa capacidade de pensar, o cérebro fica adormecido: nas cidades, as pessoas são tristes e parecem robôs; a Terra parece uma prisão, as pessoas não têm sentimentos. No espaço: é cheio de emoções novas, há liberdade, há mistério, há lugar para o sonho; a liberdade que se tem no espaço para o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso.

4) Você acha que o capitão Argo conseguirá convencer o neto? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
                                                                                    

domingo, 8 de setembro de 2019

CARTAS DE AMOR - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Cartas de amor
    
        Moacyr Scliar

        Eu era aluno do Júlio de Castilhos e estudava à tarde (as manhãs, naquela época, estavam reservadas às turmas femininas). Um dia cheguei para a aula, coloquei meus livros na carteira e ali estava, bem no fundo, um papel cuidadosamente dobrado. Era uma carta; dirigida não a mim, mas "ao colega da tarde". E era uma carta de amor. De amor não; de paixão. Paixão fogosa, incontida, transbordante, a carta de uma alma sequiosa de afeto. À qual o jovem escritor não teve a menor dificuldade de responder. 
        Iniciou-se assim uma correspondência que se prolongou pelo ano letivo, não se interrompendo nem com as provas, nem com as férias de julho. À medida que o ano ia chegando a seu fim, os arroubos epistolares iam crescendo. Cheguei à conclusão de que precisava conhecer a minha misteriosa correspondente, aquela bela da manhã que me encantava com suas frases. 
        Mas... Seria realmente bela? A julgar pela letra, sim; eu até a imaginava como uma moça esguia, morena, de belos olhos verdes. Contudo, nem mesmo os grandes especialistas em grafologia estão imunes ao erro, e um engano poderia ser trágico. Além disto, eu já tinha uma namorada que não escrevia, mas era igualmente fogosa.
        Optei, portanto, pelo mistério, pelo "nunca te vi, sempre te amei". A minha história de amor continuou somente na fantasia. Que é o melhor lugar para as grandes histórias de amor.

                    Moacyr Scliar. “Cartas de amor”. In: Minha mãe não entende nada. 2. ed. Porto Alegre, L&PM, 1996. p. 85-6.
                                                                   Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 10-11.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Fogoso: Ardente, caloroso.

·        Incontido: Que não pode ser contido.

·        Sequioso: Desejoso, ávido.

·        Arroubo: Arrebatamento, precipitação.

·        Epistolar: Relativo a epístola, carta.

·        Encantar: Enfeitiçar, seduzir.

·        Esguio: Alto e delgado, magro.

·        Grafologia: Análise da personalidade de um indivíduo por meio da sua escrita.

·        Imune: Isento, livre.

·        Fantasia: Imaginação.

02 – Destaque do primeiro período o verbo e a locução adverbial que indicam a distância temporal do narrador em relação ao fato narrado.
      Era; naquela época.

03 – Que sentimentos, manifestados na carta, faziam com que ela não fosse uma simples carta de amor?
      A carta revelava uma paixão fogosa e incontida, transbordante. Sua autora manifestava um grande desejo de afeto.

04 – Que argumento o jovem utilizou para desistir de tentar conhecer a sua misteriosa correspondente?
      Ela poderia não corresponder à sua fantasia. Além disso, ele já tinha namorada.

05 – Na sua opinião, por que o narrador afirma que a fantasia é o melhor lugar para as grandes histórias de amor?
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Na sua opinião, o que é melhor: amar ou estar apaixonado?
      Resposta pessoal do aluno.