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sexta-feira, 28 de março de 2025

CARTA: DYLAN THOMAS ESCREVE A CAITLIN, SUA MULHER - TRAD. JOSÉ MARCOS MACEDO - FOLHA DE S.PAULO - COM GABARITO

 Carta: Dylan Thomas escreve a Caitlin, sua mulher

Nova York, 7 de maio de 1953

        Oh Caitlin Caitlin Caitlin meu amor meu amor, onde está você & onde estou eu e por que você não escreveu e eu te amo todo segundo de toda hora de todo dia & noite. Eu te amo, Caitlin. Em todos os quartos de hotéis em que eu estive nessas duas semanas, esperei por você o tempo todo. Ela não há de demorar, digo a mim mesmo, infeliz e suarento, a qualquer instante ela entrará no quarto: a mulher mais bela na face da Terra, e ela é minha & eu sou dela, até o fim dos tempos e muito muito depois. Caitlin, eu te amo. Você me esqueceu? Você me odeia? Por que não me escreve? Duas semanas podem parecer pouco tempo, mas para mim tem a idade das montanhas & a profundidade de minha devoção por você. Duas semanas aqui, nesse inferno abrasador e eu não sei de mais nada exceto que eu aguardo você e que você nunca vem. Querida Cat, minha mulher, minha linda Cat. 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhY3_mz1VbITpczf4ktSKIM59sc59RsTUkXuk2A03XuhpW2xjWuAeVlPWyZ9lm5nnCZ5pghbnzKZHpIEAXYlH6009aoIH9n78lnUmYQdHruGna-Py7Hgiw8MAoBY-M88yNszhtMGyqAxs7OSXzMQZQ8IH2CHyoEgWLqZaE7XJ8TgKtvM8lSbRXrlF10V0Q/s1600/download.jpg


E em duas semanas eu viajei por toda essa calamidade, até para o extremo sul: em 14 dias eu fiz 14 preleções & estou gastando o menos possível para poder levar algum dinheiro para casa e para que a gente possa ir para o sol. John Brinnin tem todo um livro sobre uns bons lugares ensolarados & exatamente como chegar lá & exatamente quanto se gasta para morar lá; & o melhor e mais barato me parece Mallorca, onde eu posso, espero, alugar uma casa & ter criados por muito muito pouco. Vou ver se descubro mais sobre o assunto antes de partir. Voltarei no dia 26 de maio, de avião, & lhe direi mais tarde a hora exata da chegada do voo. Você me encontra em Londres? Envio em anexo um cheque de US$ 250 para as contas e o resto. David Higham escreveu & disse que estava lhe mandando algum dinheiro. Será que chegou? Você recebeu minha carta do terrível navio? E a cartinha com o cheque de US$ 100 do Oscar? Eu não sei o que está acontecendo, por que você não escreve. Eu te amo, eu te quero, é um inferno sem você, eu não quero ver nem falar com ninguém, estou perdido sem você. Eu amo seu corpo & sua alma & seus olhos & seu cabelo & sua voz & o jeito que você anda & fala. E é só isso que eu consigo ver agora: você em movimento, numa luz. Eu te amo, Caitlin. Estive na hedionda Washington, estive em Virginia & Carolina do Norte e Pensilvânia & Syracuse & Bennington & Williamstown & Charlottesville; e agora estou de volta a Nova York, por dois dias, no mesmo quarto que dividimos. Isso foi o cúmulo do amor & do terror, porque eu sei que você entrará no quarto & eu escondo minhas pilhas de doces & espero por você como se esperasse pela luz. E então me dou conta de que você não está aqui; você está em Laughame, com o solitário Colm; & então a luz se apaga e eu tenho de vê-la no escuro. Eu te amo. Por favor, se você me ama, escreva-me. Conte-me, querida querida Cat. Não há nada para contar-lhe que você já não saiba: eu estou profundamente apaixonado por você, a única profundidade que eu conheço. Toda dia é uma tortura atroz & toda noite eu me consumo por você. Por favor por favor escreva. Estou suportando esse suplício com você por trás de meus olhos. Você me diz o quanto isso é terrível & eu vejo. Mas eu terei o dinheiro para Mallorca. Procure Mallorca na enciclopédia no Pelican. Você acha que eu não compreendo a mágoa & a solidão; compreendo sim, compreendo a sua & a minha quando não estamos juntos. Em breve estaremos juntos. E, se você quiser, nunca mais não estaremos juntos outra vez. Eu disse que te venerava. E venero; mas também te quero. Deus, as noites são longas & solitárias.

        EU TE AMO. Oh, doce Cat.

Trad. De José Marcos Macedo. Folha de São Paulo, 15 nov. 1998. Mais, p. 5.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 151-152.

Entendendo a carta:

01 – Qual a principal emoção expressa por Dylan Thomas em sua carta para Caitlin?

      A principal emoção expressa é a saudade intensa e o amor profundo que sente por Caitlin.

02 – Por que Dylan Thomas está frustrado e ansioso na carta?

      Ele está frustrado e ansioso porque não recebeu nenhuma carta de Caitlin e sente muita falta dela.

03 – Quais os planos de Dylan Thomas para o futuro do casal?

      Ele planeja levar Caitlin para morar em Mallorca, onde espera alugar uma casa e ter uma vida mais tranquila e ensolarada.

04 – Como Dylan Thomas descreve sua viagem e o trabalho que está realizando?

      Ele descreve sua viagem como um "inferno abrasador" e menciona que fez 14 preleções em 14 dias, trabalhando arduamente para ganhar dinheiro.

05 – Qual a importância do dinheiro mencionado na carta?

      O dinheiro é importante para que Dylan possa pagar as contas e realizar o plano de morar em Mallorca com Caitlin.

06 – Como Dylan Thomas lida com a ausência de Caitlin nos quartos de hotel onde fica?

      Ele imagina que ela entrará a qualquer momento, mas logo se lembra que ela não está lá, o que o deixa ainda mais triste.

07 – Qual a intensidade do amor de Dylan Thomas por Caitlin, segundo suas próprias palavras?

      Ele afirma que a ama "todo segundo de toda hora de todo dia & noite" e que a ama profundamente, com uma profundidade que ele mesmo reconhece ser a única que conhece.

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

CARTA: QUEM É O DONO DA PUREZA DO AR E DO RESPLENDOR DA ÁGUA? - COM GABARITO

 Carta: Quem é o dono da pureza do ar e do resplendor da água?

        "Tudo quanto fere a Terra, fere também os filhos da terra." (Cacique Seattle, 1885)

        Carta do Cacique Seattle, da tribo Duwamish, do Estado de Washington, para o Presidente Franklin Pierce, dos Estados Unidos, em 1855, depois de o governo ter dado a entender que pretendia comprar o território da tribo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZGk0gzR7x_Hv5uPb-R7fRY0vAjIOPzWmGV8CwXoXwZRvO1EpkdjJNYpLKzAmzdLzT8-gJXAmC3V73AZLb70KI-DW_Uwt7Td-ipM0HCTleY21FZALZr8GpfTSW5OX8eMTNuj7akCc_cLBtDfVYiuxE5UAHs1THKLB1ISNCs1XFak-o3aSgFkRP5e2qmrw/s320/chief_seattle_1_widelg.jpg


        O grande chefe de Washington mandou dizer que deseja comprar a nossa terra.  O grande chefe assegurou-nos também de sua amizade e sua benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Porém, vamos pensar em tua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará nossa terra.  O grande chefe em Washington pode confiar no que o chefe Seattle diz, com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na alteração das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas – elas não empalidecem.

        Como podes comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal ideia é-nos estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água. Como podes então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre o nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na consciência do meu povo.

        Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele, um torrão de terra é igual a outro. Porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga, e depois de exauri-la, ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai, sem remorsos de consciência. Rouba a terra dos seus filhos. Nada respeita. Esquece a sepultura dos antepassados e o direito dos filhos. Sua ganância empobrecerá a terra e vai deixar atrás de si os desertos. A vista de tuas cidades é um tormento para os olhos do homem vermelho. Mas talvez isso seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.

        Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem um lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem da primavera ou o tinir das asas de insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é para mim uma afronta contra os ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo, à noite?  Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho da água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho. Porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar – animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao ar fétido.

        Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição. O homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos.   Sou um selvagem e não compreendo que possa ser certo de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias, abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como o fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso do que um bisão que nós, os índios, matamos apenas para sustentar nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem, os homens morreriam de solidão espiritual porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo está relacionado entre si. Tudo que fere a terra, fere também os filhos da terra.

        Os nossos filhos viram seus pais serem humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio, e envenenam seu corpo com alimentos doces e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos nossos últimos dias – eles não são muitos. Mais algumas horas, até mesmo uns invernos, e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nesta terra ou que tem vagueado em pequenos bandos nos bosques, sobrará para chorar sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.

        De uma coisa sabemos que o homem branco talvez venha um dia a descobrir: O nosso Deus é o mesmo Deus! Julgas, talvez, que o podes possuir da mesma maneira como desejas possuir a nossa terra. Mas não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. E causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo seu Criador. O homem branco também vai desaparecer talvez mais depressa do que as outras raças. Continua poluindo tua própria cama, e hás de morrer uma noite, sufocado nos teus próprios dejetos! Depois de abatido o último bisonte e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, e quando as colinas escarpadas se encherem de mulheres a tagarelar – onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará o adeus à andorinha da torre e à caça, o fim da vida e o começo da luta para sobreviver.

        Talvez compreenderíamos o homem branco se conhecêssemos com que ele sonha; se soubéssemos quais as esperanças que transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais as visões do futuro que oferece às suas mentes para que possam formar os desejos para o dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos, temos de escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos, é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os últimos dias conforme desejamos.  Depois do último homem ter partido e a sua lembrança não passar de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueças como era a terra quando dela tomaste posse. E com toda tua força, o teu poder, e todo o teu coração – conserva-a para teus filhos e ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 250-252.

Entendendo a carta:

01 – Qual é o contexto da carta do Cacique Seattle?

      A carta foi escrita em 1855 pelo Cacique Seattle, da tribo Duwamish, para o Presidente Franklin Pierce, dos Estados Unidos, após o governo americano manifestar o desejo de comprar o território da tribo.

02 – Qual é a principal mensagem da carta?

      A principal mensagem da carta é a crítica à forma como o homem branco lida com a natureza e com a terra, contrastando com a visão de mundo dos povos indígenas, que consideram a terra sagrada e parte integrante de suas vidas.

03 – Que elementos da natureza são considerados sagrados pelo povo do Cacique Seattle?

      Para o povo do Cacique Seattle, a terra, o céu, a água, o ar, as árvores, os animais, as folhas, as praias, a neblina, as clareiras e os insetos são sagrados e fazem parte de sua cultura e espiritualidade.

04 – Qual é a crítica do Cacique Seattle ao modo de vida do homem branco?

      O Cacique Seattle critica o modo de vida do homem branco, que considera a terra como um recurso a ser explorado e não como uma irmã. Ele critica a ganância do homem branco, que causa a destruição da natureza e desrespeita os ancestrais e as futuras gerações.

05 – Qual é a visão do Cacique Seattle sobre a relação entre o homem e os animais?

      O Cacique Seattle expressa a importância dos animais para o povo indígena, tanto para a sobrevivência física quanto espiritual. Ele critica a forma como o homem branco mata os animais por esporte ou por ganância, sem se importar com o impacto dessa ação na natureza e na vida dos povos indígenas.

06 – Qual é a preocupação do Cacique Seattle em relação ao futuro de seu povo?

      O Cacique Seattle expressa a tristeza pela perda de terras e pela humilhação sofrida por seu povo. Ele teme que a cultura e as tradições indígenas desapareçam com o tempo, restando apenas lembranças e um sentimento de desesperança.

07 – Qual é a reflexão do Cacique Seattle sobre a espiritualidade do homem branco?

      O Cacique Seattle questiona a espiritualidade do homem branco, que parece não se importar com a pureza do ar e da água, elementos essenciais para a vida. Ele expressa a esperança de que o homem branco possa um dia compreender a conexão entre todas as formas de vida e a importância de preservar a natureza.

08 – Qual é a condição imposta pelo Cacique Seattle caso aceite a proposta de venda das terras?

      O Cacique Seattle impõe a condição de que o homem branco trate os animais como se fossem seus irmãos, demonstrando respeito pela vida e pela natureza.

09 – Qual é a metáfora utilizada pelo Cacique Seattle para expressar a ligação entre o povo indígena e a terra?

      O Cacique Seattle utiliza a metáfora de que a terra é como o bater do coração de uma mãe para um recém-nascido, expressando o amor e a profunda conexão entre o povo indígena e sua terra.

10 – Qual é a mensagem final da carta do Cacique Seattle?

      A mensagem final da carta é um apelo para que o homem branco ame e proteja a terra como o povo indígena a ama e protege, reconhecendo que o mesmo Deus é o criador de todas as raças e que a terra é sagrada para todos.

 

domingo, 12 de maio de 2024

CARTA: CARTA ABERTA À MÃE DOS MEUS IRMÃOS - RITA LISAUSKAS - COM GABARITO

 Carta: Carta aberta à mãe dos meus irmãos

Por Rita Lisauskas – 11/11/2014 | 15h22

Atualização: 24/11/2022 | 14h00

        Você não me conhece, mas deveria. Meu nome é Samuel, tenho 4 anos, e sou irmão dos seus filhos. Eu sou um menino bem legal, viu? Eu adoro brincar com o Lucca de luta e o Rapha adora cuidar de mim. O dia que meus irmãos estão na minha casa é um dia muito feliz. Eu fico esperando pelos fins-de-semana em eles ficam com a gente. E pergunto todos os dias para meu pai e para minha mãe quando eles vão chegar. Eu choro quando eles não aparecem. Eu sinto muita saudade dos meus irmãos, viu? Faz quase um mês que não os vejo. E sinto que meu papai e mamãe também sofrem muito cada vez que não podem estar com eles. Eu queria te pedir, olha, deixa meus irmãos passarem mais tempo lá em casa? Vê-los semana sim e semana não é muito pouco porque a saudade é grande. E quando você não deixa que eles venham no dia que meu pai estava esperando a gente fica muito tempo sem se ver. Eu ganhei uma ambulância de presente no dia das crianças e queria muito mostrar para os meus irmãos amanhã. Mas ouvi meu pai contando para minha mãe que eles não vêm de novo. Eles estavam tristes. Meu pai chorou.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOhI08k4amBxzAZoG70H6iDBfWYCovh-Jdmzn_1VrOADU_3U1q9epVnbtyfa15DE9zMWhEHw9VKxb2RfOYL9jRkekbXpubYzSCGpbM5D43I-RMCBhiIo1fEroS9IddA33cYKduCt1oO86kZK8Ko9LUpj_wtWF004snaNvGryF7UtDM81-4UGg6QHMAiIU/s320/CARTA.jpg


        Semana passada foi aniversário do meu irmão. Perguntei para minha mãe se o Lucca ia me chamar para a festa dele. Fiquei esperando porque eu adoro uma festa. No meu aniversário de 3 anos o Lucca brincou muito comigo no pula-pula. O Rapha não porque ele já é grande e não cabia. Mas ele me carregou no colo e tiramos fotos com os super-heróis. Mas eu nunca fui nas festas de aniversário dos meus irmãos. Queria entender o porquê. Já perguntei para minha mãe, mas ela meio que muda de assunto. Meu pai também nunca foi convidado. O jeito é a gente fazer outra festa para eles na nossa casa, mas o aniversário do Lucca passou e como ele não vai ficar com a gente de novo não teremos como fazer a festa. Minha mãe já tinha até pensado no bolo e nos docinhos.

        Já perguntei para minha mãe porque não moro com eles. Mas lá na minha escola tem outras crianças que não moram com os irmãos, então acho que isso é normal, acontece. Mas os meus amigos estão com os irmãos sempre. Eu não. Quando entro no carro para levar o Rapha e o Lucca de volta para casa depois de apenas uma tarde juntos, meu coração dói. E quando eu chego na casa onde eles moram com você e com a vovó deles eu fico gritando no portão, porque não sei quando vou ver meus irmãos de novo. Às vezes minha mãe não deixa eu ir levá-los porque meu pai contou para ela que eu já chorei na porta da casa de vocês: eu queria entrar e não entendi direito porque não podia. Se meus irmãos vem à minha casa porque eu não posso ir à casa deles? Às vezes não entendo esse mundo dos adultos. Queria te dizer de novo que eu sou um menino legal. E que gosto muito dos seus filhos, então você pode gostar de mim também, se um dia quiser me conhecer. Mas se não quiser, eu entendo. Só não entendo direito essa coisa de ficar muito tempo longe dos meus irmãos.

LISAUSKAS, Rita. Carta aberta à mãe de meus irmãos. Publicado em 11 out. 2014. Disponível em: http://vida-estilo.estadão.com.br/blogs/ser-mae/carta-aberta-a-mae-dos-meus-irmaos/. Acesso em: 28 set. 2015.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 185-6.

Entendendo a carta:

01 – Em uma primeira leitura, a expressão “à mãe de meus irmãos”, no título da carta, pode provocar algum estranhamento.

a)   Explique por que isso pode acontecer.

A expressão pode parecer estranha porque, a princípio, a palavra “irmãos” leva a supor uma mesma mãe.

b)   A quem a expressão se refere?

À outra esposa do pai, com quem teve dois filhos, os meios-irmãos do autor da carta.

02 – As observações de Samuel permitem ao leitor construir uma imagem da família do menino.

a)   Como essa família está organizada?

O texto retrata uma família em que o pai teve dois relacionamentos: de um primeiro nasceram Lucca e Rapha, que vivem com a mãe e a avô; de um outro, nasceu Samuel.

b)   Explique como se caracteriza a relação entre os adultos dessa família.

A relação é tensa, pois a mãe de Lucca e Rapha cria dificuldades para o convívio deles com o pai, sua nova esposa e seu outro filho, Samuel.

03 – A produção de uma carta supostamente escrita por um menino é uma estratégia da jornalista para discutir um tema que a interessa.

a)   Que tema é esse?

A autora pretende discutir as relações familiares na atualidade, em que muitas pessoas têm mais de um relacionamento amoroso e as crianças convivem não apenas com seu pai, sua mãe e seus irmãos, mas também com os demais cônjuges e seus filhos. Essas relações muitas vezes envolvem tensões e brigas.

b)   Que relação existe entre o tema da carta e o blog em que foi publicada?

O blog está voltado para questões relativas ao convívio familiar e à educação das crianças.

c)   A autora está interessada em levar ao público uma análise da sociedade. Transcreva no caderno a passagem do texto em que o foco se desloca de uma família específica para as famílias em geral.

“[...] Mas lá na minha escola tem outras crianças que não moram com os irmãos, então acho que isso é normal, acontece. Mas os meus amigos estão com os irmãos sempre. [...]”

04 – Para que a carta parecesse autêntica, verdadeira, a autora procurou imitar a maneira de pensar de um menino de 4 anos. Dê exemplos de argumentos que comprovem essa afirmação.

      A argumentação destaca referências de uma criança, como o desejo de participar de festas infantis ou de mostrar um brinquedo, além de indicar, várias vezes, que o autor não consegue entender o porque das atitudes dos adultos.

05 – A autora poderia ter optado por abordar o mesmo tema e discutir a proposta usando outros gêneros textuais, como um artigo de opinião, por exemplo.

a)   Com a produção de uma carta, o que ela pôs em destaque?

A autora destacou a perspectiva da criança, que, por não ser capaz de compreender a natureza das relações entre os adultos, sofre com as ações praticadas por eles.

b)   Considerando que a carta também deve ser entendida como um texto dirigido pela blogueira a seus leitores, qual seria o objetivo dessa produção textual?

O objetivo seria levar os leitores a refletir sobre a condição das crianças que vivem em famílias em conflito.

quarta-feira, 17 de abril de 2024

CARTA: QUINTA - FRAGMENTO - SÓROR MARIANA ALCOFORADO - COM GABARITO

 Carta: QUINTA – Fragmento

           Sóror Mariana Alcoforado

        Escrevo-lhe pela última vez e espero fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não ama e que devo, portanto, deixar de o amar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdrfCvhUF3D0hXUAIzRM1YVre8bYuIulaWIJSyes8Xiw8rmHXFjRwLurDIoOaTmRWFnf406FBzkJLnH2fT0Wt1yANAlIPk15teWoy790vkJN7BdNrA_mBPjCxeSV5ARaaqMrtiKWKm0-iY-Re54Cx_4zrPd5PqhtD3SFl2nbFJvMJk3B7KCHi_gV96KYs/s320/CARTA.jpg


        Mandar-lhe-ei, pelo primeiro meio, o que me resta ainda de si. Não receie que lhe volte a escrever, pois nem sequer porei o seu nome na encomenda. [...]

        Não conheci o desvario do meu amor senão quando me esforcei de todas as maneiras para me curar dele, e receio que nem ousasse tentá-lo se pudesse prever tanta dificuldade e tanta violência. Creio que me teria sido menos doloroso continuar a amá-lo, apesar da sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que lhe queria menos do que à minha paixão, e sofri penosamente em combatê-la, depois que o seu indigno procedimento me tornou odioso todo o seu ser.

        O orgulho tão próprio das mulheres não me ajudou a tomar qualquer decisão contra si. Ai, suportei o seu desprezo, e teria suportado o ódio e o ciúme que me provocasse a sua inclinação por outra! Ao menos, teria qualquer paixão a combater. Mas a sua indiferença é intolerável.

        Os impertinentes protestos de amizade e a ridícula correção da sua última carta provaram-me ter recebido todas as que lhe escrevi e que, apesar de as ter lido, não perturbaram o seu coração.

        Ingrato! E a minha loucura é tanta ainda, que desespero por já não poder iludir-me com a ideia de não chegarem aí, ou de não lhe terem sido entregues.

        Detesto a sua franqueza. Pedi-lhe eu para me dizer pura e simplesmente a verdade? Porque me não deixou com a minha paixão? Bastava não me ter escrito: eu não procurava ser esclarecida. Não me chegava a desgraça de não ter conseguido de si o cuidado de me iludir? Era preciso não lhe poder perdoar? Saiba que acabei por ver quanto é indigno dos meus sentimentos; conheço agora todas as suas detestáveis qualidades. Mas, se tudo quanto fiz por si pode merecer-lhe qualquer pequena atenção para algum favor que lhe peça, suplico-lhe que não me escreva mais e me ajude a esquecê-lo completamente. Se me mostrasse, ao de leve que fosse, ter sentido algum desgosto ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; talvez a sua confissão e o seu arrependimento me enchessem de cólera e de despeito; e tudo isso poderia de novo incendiar-me.

        Não se meta pois no meu caminho; destruiria, sem dúvida, todos os meus projetos, fosse qual fosse a maneira porque se intrometesse. Não me interessa saber o resultado desta carta; não perturbe o estado para que me estou preparando.

        Parece-me que pode estar satisfeito com o mal que me causa, qualquer que fosse a sua intenção de me desgraçar. Não me tire desta incerteza; com o tempo espero fazer dela qualquer coisa parecida com a tranquilidade. Prometo-lhe não o ficar a odiar: por de mais desconfio de sentimentos de sentimentos exaltados para me permitir intentá-lo. Estou convencida de que talvez encontrasse aqui um amante melhor e mais fiel; mas ai!, quem me poderá ter amor? Conseguirá a paixão de outro homem absorver-me? Que poder teve a minha sobre si? Não sei eu por experiência que um coração enternecido nunca mais esquece quem lhe revelou prazeres que não conhecia, e de que era suscetível?, que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou? que os seus primeiros pensamentos e primeiras feridas não podem curar-se nem apagar-se?, que todas as paixões que se oferecem como auxílio, e se esforçam por o encher e apaziguar, lhe prometem em vão um sentimento que não voltará a encontrar? , que todas as distrações que procura, sem nenhuma vontade de as encontrar, apenas servem para o convencer que nada ama tanto como a lembrança do seu sofrimento? Porque me deu a conhecer a imperfeição e o desencanto de uma afeição que não deve durar eternamente, e a amargura que acompanha um amor violento, quando não é correspondido? E porque razão, uma cega inclinação e um cruel destino, persistem quase sempre em prender-nos àqueles que só a outros são sensíveis? [...].

        Ao devolver-lhe as suas cartas, guardarei, cuidadosamente, as duas últimas que me escreveu; hei de lê-las ainda mais do que li as primeiras, para não voltar a cair nas minhas fraquezas. Ah, quanto me custam e como teria sido feliz se tivesse consentido que o amasse sempre! Reconheço que me preocupo ainda muito com as minhas queixas e a sua infidelidade, mas lembre-se que a mim própria prometi um estado mais tranquilo, que espero atingir, eu então tomarei uma resolução extrema, que virá a conhecer sem grande desgosto. De si nada mais quero.

        Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe.

        Que obrigação tenho eu de lhe dar conta de todos os meus sentimentos?

        FIM

ALCOFORADO, Sóror Mariana. Quinta carta. In: MAGALHÃES, Isabel Allegro de. História e antologia da literatura portuguesa – Século XVII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 80-81.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 93-95.

Entendendo a carta:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Desvario: loucura.

·        Impertinentes: inadequados.

·        Correcção: cuidado.

·        Cólera: ira.

·        Intentá-lo: tenta-lo.

·        Suscetível: capaz de receber.

02 – Qual o objetivo da quinta carta de Alcoforado?

      Registrar sua indignação com o amante e pedir a ele que não escreva mais para ela.

03 – Que tipo de sentimento você identificou nela?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Raiva, mágoa, indignação, desprezo, etc.

04 – A carta de Alcoforado nos permite inferir, de acordo com o ponto de vista da remetente, algumas características morais de seu amante. Quais seriam elas?

      Pode-se inferir, pela leitura da carta, que o amante de Alcoforado é um homem ingrato, indigno, indiferente e franco.

05 – Qual é o tema central da carta "Quinta" de Sóror Mariana Alcoforado?

      O tema central é o desgosto e a desilusão amorosa da autora em relação a alguém que não corresponde ao seu amor, expressando sua dor e tentativas de superação.

06 – Como a autora descreve a sua reação diante da indiferença da pessoa amada?

      A autora descreve a indiferença como intolerável e mais dolorosa do que qualquer desprezo, ódio ou ciúme que poderia ter enfrentado.

07 – Quais são os sentimentos predominantes expressos pela autora em relação ao seu amor não correspondido?

      A autora expressa sentimentos de desgosto, desilusão, tristeza e incredulidade diante da indiferença e da falta de reciprocidade do seu amor.

08 – Como a autora percebe a franqueza da pessoa amada?

      A autora detesta a franqueza da pessoa amada, questionando por que a verdade foi revelada se não havia intenção de buscar esclarecimentos, preferindo viver na ilusão da paixão.

09 – Qual é o pedido final da autora para a pessoa amada ao final da carta?

      A autora suplica que a pessoa amada não lhe escreva mais e a ajude a esquecê-lo completamente, prometendo não odiá-lo e buscando alcançar um estado de tranquilidade emocional.

10 – Como a autora espera lidar com suas emoções futuras em relação ao amor não correspondido?

      A autora espera alcançar um estado mais tranquilo e promete tomar uma "resolução extrema" quando atingir esse estado, sugerindo um distanciamento definitivo.

11 – Qual é a atitude que a autora decide tomar em relação ao seu amor não correspondido no desfecho da carta?

      A autora decide que é necessário deixar de amar essa pessoa e não pensar mais nela, expressando resignação e aceitação da situação.

quarta-feira, 12 de outubro de 2022

CARTA A UM ADOLESCENTE - RUBEM ALVES - COM GABARITO

 CARTA A UM ADOLESCENTE

          Rubem Alves

Você pediu que eu escrevesse sobre a maldade. Foi a primeira vez que uma pessoa me pediu isso. Você foi corajoso porque falar sobre a maldade é falar sobre nós mesmos. A maldade é algo que mora dentro de nós, à espera do momento certo para se apossar do nosso corpo. Ao pedir que eu falasse sobre a maldade você me pediu que o ajudasse a entender o lado escuro de você mesmo.

Para a gente entender a maldade é preciso entender, antes, os dois poderes de que somos feitos. Somos feitos de uma mistura de amor e poder. Amor é um sentimento que nos liga a determinadas coisas, e vai desde o simples gostar até o estar apaixonado. O amor quer abraçar, ficar perto, proteger. Amo meu cachorrinho: quero brincar com ele, tenho saudade dele. Se ele morrer eu vou chorar. Gosto da minha casa. Dói muito – dá raiva – se alguém picha de preto o muro que tinha justo sido pintado de branco. Gosto muito de uma pessoa: pode ser o pai, a mãe, o avô, a namorada. Por causa desse sentimento fico triste vendo que aquela pessoa está triste. O amor faz isso: coloca o outro dentro da gente. O que o outro sente, a gente sente também. Um amigo meu, pedreiro, senhor João, a primeira coisa que fazia quando me visitava em minha casa era salvar, com um peneira, as abelhas que estavam morrendo afogadas na piscina. Ele sofria com as abelhas.
Por isso, muitas pessoas são vegetarianas. Elas não suportam pensar na dor por que passam os bichos para que nós nos lambuzemos com a carne deles. Uma pessoa muito querida, que não é vegetariana, não consegue comer frango ao molho pardo. O molho pardo desse frango se faz com sangue – e ela se lembra de haver visto frangos de pescoço cortado, pendurados num gancho, agonizantes, seu sangue vagarosamente pingando num prato. Agora, sempre que ela vê frango ao molho pardo, ela se lembra do sofrimento daquela ave inocente. Os bichos também sofrem.

O amor nos liga à natureza toda. Eu amo a natureza – os riachos de água limpa, as cachoeiras frias, as matas com suas samambaias, avencas, orquídeas, bananeiras, as borboletas, cigarras, pássaros. Nós humanos, temos olhos deformados – não percebemos a beleza dos seres que são diferentes da gente. Mas todos eles, inclusive os besouros (que alguns chamam de “bisorros”), as rãs, os lagartos, as marias-fedidas, as taturanas, os urubus – todos eles querem viver, sofrem, fazem parte desse nosso mundo e são necessários à sua existência. Todos eles são nossos irmãos – porque todos nós teremos o mesmo fim. Um dia nós voltaremos à terra e, quem sabe, renasceremos como besouro ou galinha…

Aquilo que eu amo eu quero proteger. Proteger o cachorrinho, o muro de casa, a natureza… Às vezes, a gente quer algo anterior ao proteger: a gente crer criar. Você ainda não é pai. Não tem, portanto nenhum filho para proteger. Chegará um dia, entretanto, em que você desejará ter um filho que você ainda não tem. Para isso é preciso que você tenha os poderes de homem – para semear no ventre de uma mulher a semente do filho que você ama, mas ainda não tem. Você deseja ser (ainda não é) administrador de empresa, cozinheiro, médico ou flautista: você ama essas coisas; mas ainda não é. O amor sozinho, não faz milagres. Para ser qualquer dessas coisas você terá que, devargazinho, ir desenvolvendo poderes no seu corpo, poderes que tornarão a forma ou de conhecimentos ou de habilidades.

Quando você tem essas duas coisas juntas o amor e o poder, coisas muito bonitas acontecem. O poder torna possível a existência daquilo que a gente ama: gero um filho, planto um jardim, construo uma casa.
O poder, assim está a serviço da alegria. Pelo poder eu posso contribuir para que o mundo seja melhor. O poder e o amor juntos, estão a serviço da preservação da vida.

Acontece, entretanto que a vida anda devagar. Leva tempo para uma criança ser gerada. Leva tempo para uma árvore crescer. Por vezes, ao plantar uma árvore, a gente sabe que nunca se assentará à sua sombra.
Já a morte anda rápido. Mata-se numa fração de segundo. Basta puxar um gatilho. Ou pisar o bicho. Ou quebrar o ovo. Corta-se uma árvore que levou cem anos para crescer em poucos minutos: se for uma bananeira, basta um golpe de facão.

Você me perguntou sobre a maldade: a maldade é isso – quando as pessoas sentem prazer no ato de destruir, isto é quando as pessoas sentem prazer no exercício puro do poder, sem que esse poder tenha um objetivo de vida. Bondade é o poder usado para a vida. Maldade é o poder usado para a morte.

A adolescência é o momento da vida quando se descobrem as delícias do poder. Criança tem amor mas não tem poder. Ela quer sorvete mas não tem o dinheiro. A mãe segura, põe de castigo, dá palmada. A criança é impotente. Na adolescência o corpo se desenvolve. Fica maior que o corpo da mãe, o corpo do pai. Ganha força. Juntos, então os adolescentes se constituem num exército poderoso. É por isso que os adolescentes gostam de estar juntos: isso lhes dá um sentimento de poder. Há coisas que nunca fariam sozinhos. Mas, em grupo, tudo é permitido. As pessoas mais mansas podem se tornar monstruosas em grupo. No grupo a gente perde o senso da responsabilidade moral.

Como eu já disse, o poder, como fim em sim mesmo, sem um propósito de amor, dá prazer rápido. Quebrar, pichar, arrancar, bater, cortar esmagar, derrubar – todas essas são formas do poder-prazer a serviço da morte. É uma coisa demoníaca.
Por isso, meu amigo, adolescente, quero confessar uma coisa que nunca confessei: “Tenho medo de vocês”. O fascínio que vocês têm pelo poder me assusta. É isso que é maldade: poder sem amor.
Eu queria poder dar para vocês, como herança, o ovo onde moram os meus sonhos, na esperança de que vocês continuassem a chocá-lo, depois da minha partida. Sim, o mundo que eu amo se parece com um ovo: está cheio de vida mas é muito frágil. Dentro dele estão coisas delicadas, fáceis de serem destruídas: plantas, insetos, ninhos, aves, músicas, poemas, memórias, livros, peixes, muros brancos, crianças, velhos, jardins…
Mas eu tenho medo que vocês não resistam à tentação de quebrar o ovo onde eu e o meu mundo moramos. Como é fácil quebrar um ovo! Fácil e irreversível: nunca mais! Assim, por enquanto, o ovo onde moram meus sonhos fica sob a minha guarda. Até encontra os herdeiros que eu espero.

Rubem Alves,
In Correio Popular, Campinas, 24.II.96

https://alforje.wordpress.com/2013/06/05/carta-a-um-adolescente-rubem-alves/

Fonte: Figueiredo, Adriana Giarola Ferraz-Sistema Maxi de Ensino: ensino médio: língua portuguesa 2º ano: cadernos de1 a 4: manual do professor/Adriana Giarola Ferraz Figueiredo, Denise Silveira Silva Barros, Alberto Luís Pugina Silva. 1.ed. São Paulo: Maxiprint Editora,2018. p.15-7.

Entendimento do texto

01. O Texto “Carta a um adolescente” foi escrito a partir de uma condição especial. Que condição é essa? Justifique a sua resposta.

Trata-se de um texto que foi escrito a partir de um pedido, um pedido feito por um adolescente que solicitou que o autor escrevesse sobre o tema maldade. Esse pedido pode ser comprovado já no título do texto, que nos remete a uma carta, uma resposta destinada a um destinatário definido.

02.  É possível perceber, ao longo do texto, que o autor formula a sua argumentação para defender um ponto de vista em relação ao tema abordado, a maldade.

a)   Qual é a estratégia escolhida pelo autor para se posicionar diante desse tema?

Para se posicionar diante do tema maldade, o autor opta por fazer uma reflexão acerca dos “poderes” que, segundo ele, circundam o ser humano, o amor e o poder.

b)   E qual  é a tese do autor a respeito da maldade? Exemplifique a sua resposta com um trecho do texto.

Para o autor, a maldade é uma atitude ruim, que destrói e que condena  o mundo e as pessoas aos caos: “[...] a maldade é isso – quando as pessoas sentem prazer no ato de destruir; isto é quando as pessoas sentem prazer no exercício puro do poder, sem que esse poder tenha um objetivo de vida.[...] Maldade é o poder usado para a morte.”

c)   Em certo momento do texto, o autor confessa que tem medo dos adolescentes. Em que alicerces ele fundamenta esse medo? Explique.

O autor fundamenta o medo que tem dos adolescentes no fato de perceber que estes têm um fascínio muito grande pelo poder. Mais que isso, ele teme que o poder seja usado, pelos adolescentes, desvinculado do amor, que é o grande problema apontado pelo escritor na carta.

03.  Observe os trechos retirados do texto e justifique a presença da crase nos contextos destacados.

a)   “A maldade ´algo que mora dentro de nós, à espera do momento certo para se apossar do nosso corpo”.

Trata-se da crase empregada em locução prepositiva.

b)   “O amor nos liga à natureza toda”.

Trata-se da crase empregada na junção da preposição “a”, pedida pelo verbo “ligar”, + o artigo “a” que acompanha o substantivo “natureza”.

c)   Às vezes, a gente quer algo anterior ao proteger: a gente quer criar”.

Trata-se da crase em uma locução adverbial de tempo.

04. Releia este período: “Um dia nós voltaremos à terra e, quem sabe, renasceremos como besouro ou galinha...”. O uso do acento indicativo da crase, na expressão destacada, está correto? Por quê?

O uso do acento indicativo da crase, na expressão “à terra”, nesse contexto, está adequado, pois aqui não está se referindo à terra em oposição à água ou ao mar, mas sim à terra como um lugar de origem.

 



sábado, 13 de agosto de 2022

CARTA: PARA EILEEN - (FRAGMENTO) - REVISTA PIAUI - COM GABARITO

Carta: para Eileen – Fragmento

Abril de 1937

Hospital, Monflorite

        Querida Eileen,

        Você é realmente uma mulher maravilhosa. [...] Odeio saber que você está resfriada e se sente abatida. Também não deixe que façam você trabalhar demais, e não se preocupe comigo, pois estou muito melhor e espero voltar para o front amanhã ou no dia seguinte. Felizmente o envenenamento em minha mão não se espalhou e agora ela está quase boa, embora, naturalmente, a ferida ainda esteja aberta. Posso usá-la muito bem e pretendo fazer a barba hoje, pela primeira vez em cinco dias. O clima está muito melhor, uma verdadeira primavera na maior parte do tempo, a aparência da terra me faz pensar em nosso jardim e me perguntar se os goiveiros estão florindo. Sim, a resenha de Pollitt foi muito ruim, embora evidentemente boa como publicidade. Suponho que ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM. Não presto muita atenção nas resenhas do Sunday Times, pois, como Gollancz anuncia muito lá, eles não se atrevem a falar mal dos livros dele. Todos foram muito bons comigo enquanto estive no hospital, visitando-me todos os dias etc. Acho que agora o tempo está melhorando e posso passar um mês fora sem ficar doente, e então que teremos descanso, e iremos pescar também, se for possível.

        Muitíssimo obrigado por ter enviado as coisas, querida, mantenha-se bem e feliz. Escreverei novamente em breve.

        Com todo o meu amor

        Eric

Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/materia/espero-sair-comvida-para-escrever/. Acesso em: 15 dez. 2015. (Fragmento).

     Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição – São Paulo, 2016 – Moderna – p. 332-3.

Entendendo a carta:

01 – Que notícia a carta leva a Eileen sobre a saúde do escritor?

      A notícia de que Eric se recupera bem, pois o envenenamento em sua mão não se espalhou.

02 – Que palavra sugere que Eric (Orwell) não está preocupado com o fato de a ferida em sua mão permanecer aberta? Justifique.

      O uso de naturalmente sugere que ele está ciente de que os ferimentos costumam demorar a cicatrizar e, portanto, não se preocupa com a ferida aberta.

03 – Orwell parece satisfeito com as resenhas de sua obra? Por quê?

      Não muito. A resenha escrita por Pollitt é considerada boa propaganda, embora critique a obra, e as do jornal Sunday Times, ainda que favoráveis, são vistas como respostas ao dinheiro gasto com publicidade pelo editor Gollancz.

04 – Segundo George Orwell, a resenha escrita por Pollitt é, simultaneamente, boa e ruim. Como os advérbios empregados sugerem um equilíbrio entre os dois efeitos?

      O advérbio muito em “muito ruim” reforça o efeito negativo, mas o uso de evidentemente antes de boa, também enfático, mostra que a resenha é vista positivamente pela involuntária propaganda ocasionada.

05 – O advérbio realmente, usado na primeira oração, refere-se a um termo ou à oração inteira? Qual é a função desse advérbio?

      O advérbio refere-se à primeira oração inteira e reforça o elogio a Eileen.

06 – Na frase “Suponho que ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM”, o autor revela maior ou menor certeza em relação ao que está dizendo nesse trecho da carta? Justifique.

      Menor certeza, já que se trata de uma hipótese.

07 – Reescreva o trecho no caderno empregando um advérbio capaz de expressar o mesmo grau de certeza ou incerteza.

      Sugestão: Provavelmente (possivelmente) ele deve ter ouvido falar que estou servindo na milícia do POUM.

08 – Examine agora este outro trecho: “Felizmente o envenenamento em minha mão não se espalhou [...]”. Reescreva-o duas vezes, deslocando o advérbio felizmente para outras posições possíveis.

      O envenenamento em minha mão felizmente não se espalhou.
O envenenamento em minha mão não se espalhou felizmente.

09 – Por que o uso desse advérbio contribui para o caráter mais subjetivo do enunciado?

      O advérbio felizmente pontua o sentimento do produtor do texto em relação ao conteúdo expresso.