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quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

CONTO: A CANOA FURADA - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 CONTO: A CANOA FURADA

                 Graciliano Ramos

Mestre Gaudêncio curandeiro, homem sabido, explicou uma noite aos amigos que a terra se move, é redonda e fica longe do sol umas cem léguas. — Já me disseram isso, murmurou Cesária.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhr4mqqHx1EwpNxgjQLyXZEaYTp_bokDnzrhIHW-Gs1OODPpCe92r4YmAJuFJQUo_pMiTX9namtG3fhRFdHvIMY75aqvoVzMtEVMlGXLTAX_VQ7Zu1CxRpeCxvMHZpYHvrpBXyX9mrfCAeg7N9iuvEdNgNjU47KlmVBI8wWOBVH6VgcGYBAPIqS6HReqqs/s1600/canoa_furada.jpg


Das Dores arregalou os olhos, seu Libório espichou o beiço e deu um assobio de admiração. O cego preto Firmino achou a distância exagerada e sorriu, incrédulo:

– Conversa, mestre Gaudêncio. Quem mediu? Das telhas para cima ninguém vai. Isso é emboança de livro, papel aguenta muita lorota. Cem léguas? Não embarco em canoa furada não, mestre Gaudêncio.

– Ora, seu Firmino! exclamou Alexandre. Para que diz isso? Embarca. Todos nós embarcamos, é da natureza do homem embarcar em canoa furada. Tudo neste mundo é canoa furada, seu Firmino. E a gente embarca. Nascemos para embarcar. Um dia arreamos, entregamos o couro às varas e, como temos religião, vamos para o céu, que é talvez a última canoa, Deus me perdoe. Embarca, seu Firmino.

Levantou-se, foi acender o cigarro ao candeeiro de folha, voltou à rede.

– Embarca. E por falar em canoa furada, vou contar aos senhores o que me aconteceu numa, há vinte anos. Canoa verdadeira, seu Firmino, de pau, não dessas que vossemecê puxou para contrariar mestre Gaudêncio. Ora muito bem. Numa das minhas viagens rolei uns meses por Macururé, levando boiadas para a Bahia. Já andaram por essas bandas? Tenho aquilo de cor e salteado. Ganhei uns cobres, mandei fazer roupa no alfaiate, comprei um corte de pano fino e um frasco de cheiro para Cesária. Demorei-me na capital uma semana. Aí fiz tenção de vender a fazenda e os cacarecos, mudar-me, dar boa vida à pobre mulher, que trabalhava no pesado, ir com ela aos teatros e rodar nos bondes. Refletindo, afastei do pensamento essas bobagens. Matuto, quando sai do mato, perde o jeito. Quem é do chão não se trepa. Ninguém me conhecia na cidade cheia como um ovo. A propósito, sabem que um ovo custa lá cinco tostões? Calculem. Não me aprumo nessas ruas grandes, onde gente da nossa marca dá topadas no calçamento liso e os homens passam uns pelos outros calados, como se não se enxergassem. Nunca vi tanta falta de educação. Vossemecê mora numa casa dois ou três anos e os vizinhos nem sabem o seu nome. Nos meus pastos a coisa era diferente. Lá eu tinha prestígio: votava com o governo, hospedava o intendente, não pagava imposto e tirava presos da cadeia, no júri. Vivia de grande. E quando aparecia na feira, o cavalo em pisada baixa, riscando nas portas, os arreios de prata alumiando, o comandante do destacamento levava a mão ao boné e me perguntava pela família. Tenho tocado nisso algumas vezes, e os amigos vão pensar que estou aqui arrotando importância. É engano, detesto pabulagem. Na capital só viam em mim um sujeito que vendia gado. Mas se quiserem saber a minha fama no sertão, deem um salto à ribeira do Navio e falem no major Alexandre. Cinquenta léguas em redor, de vante a ré, todo o bichinho dará notícia das minhas estrepolias. A história da onça, a do bode, o estribo de prata, este olho torto, que ficou muitas horas espetado num espinho, roído pelas formigas, circulam como dinheiro de cobre, tudo exagerado. É o que me aborrece, não gosto de exageros. Quero que digam só o que eu fiz. Esse negócio da canoa entrou num folheto e hoje se canta na viola, mas com tantos acréscimos que, francamente, não me responsabilizo pelo que escreveram. Exatamente o que sucedeu com o marquesão. Lembram-se? Dr. Silva pegou o marquesão de jaqueira e fez dele o que entendeu, encheu a casa de cortiços. Não era o meu marquesão, que só deu quatro pés de jaca. O caso da canoa também foi muito aumentado. É bom prevenir. Se vossemecês ouvirem falar nele em cantoria, fiquem sabendo que as nove-horas são astúcias do poeta. O acontecido foi coisa muito curta, que eu podia embrulhar num instante. E se converso demais, é porque a gente precisa matar tempo, não sapecar tudo logo de uma vez. Se não fosse assim, a história perdia a graça. Por isso espichei diante dos amigos a cidade grande, os teatros, os bondes, os ovos e a roupa nova, o corte de pano fino e o frasco de cheiro que ofereci a Cesária. Ela vestiu o pano fino e botou o frasco de cheiro no lenço, mas isto não adianta. Sem cheiro e sem pano, a história da canoa seria a mesma, um pouco mais encolhida. Bem, como disse aos amigos, demorei na Bahia, com desejo de arranjar-me por lá. Quando vi que a intenção era besteira, decidi voltar para casa, amansar brabo, arrematar caixas de segredo em leilão e animar o cordão azul e o cordão vermelho, no pastoril, que foi para isto que nasci. Sim senhores. Selei o cavalo e atirei-me para o norte. Caminhei, caminhei, cheguei ao S. Francisco. Seu Firmino andou no S. Francisco? Não andou. É o maior rio do mundo. Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento. Quer dizer que, se em vez de correr por cima da terra, ele corresse para os ares, apagava o sol, não é verdade, mestre Gaudêncio? Nunca vi tanta água junta, meus amigos. É um mar: engole o Ipanema em tempo de cheia e pede mais. Está sempre com sede. Não há rio com semelhante largura. Vossemecês pisam na beira dele, olham para a outra banda, avistam um boi e pensam que é um cabrito. Por aí podem imaginar aquele despotismo. Pois eu ia morrendo afogado no S. Francisco, vinte anos atrás. Afogado não digo que morresse, porque enfim dou umas braçadas, mas, se não me afogasse, era certo estrepar-me no dente da piranha, o bicho mais infeliz que Deus fabricou. Já viram piranha? Se não viram, perdem pouco. É uma criatura que não tem serventia e morde como cachorro doido. Onde há sangue aparece um magote delas. Entra um vivente na água e em cinco minutos deixa lá o esqueleto. Percebem? Topei o S. Francisco empanzinado, soprando. Tinha lambido as plantações de arroz, comido as ribanceiras, e a escuma subia, ia cobrindo as catingueiras e as baraúnas. Viajei dois dias para as cabeceiras, procurando passagem. E, ali pelas alturas de Propriá, vi uma canoa cheia de gente que botava para as Alagoas. — “Seu moço, perguntei ao remador, essa gangorra é segura?” E o homem respondeu, de cara enferrujada:

– “Segura ela é. Mas garantir que chegue ao outro lado não garanto. Se tem coragem de se arriscar, entre para dentro, que ainda cabe um.” Fiquei embuchado, com uma resposta atravessada na goela, pois acho desaforo alguém pôr em dúvida a minha disposição. Que, para usar de franqueza, o que faço direito é correr boi no campo. Mergulhar e brigar com peixe não é ocupação de gente. Desarreei o animal, amarrei o cabresto na popa da canoa, arrumei os picuás e embarquei. O cavalo nadou, três mulheres velhas puxaram os rosários e navegamos em paz até o meio do rio. Aí, quando mal nos precatávamos, o diabo do cocho se furou e em poucos minutos os meus troços estavam boiando. Foi um deus nos acuda: os homens perderam a fala, as mulheres soltaram os rosários e botaram as mãos na cabeça, numa latomia, numa choradeira dos pecados.

— “Então, seu mestre, perguntei ao canoeiro, o senhor não disse que esta geringonça era segura?” E o desgraçado respondeu: “Segura ela era. Mas, como o senhor está vendo, agora não é.”

— “Que é que vamos fazer?” gritei desadorado.

— “Sei lá, disse o homem. Quem tiver muque puxe por ele e veja se alcança terra, o que acho difícil.” A minha vontade foi dar uns tabefes no sem-vergonha, mas não havia tempo, os amigos veem que não havia tempo.

— “Está bem, tornei. Nós ajustaremos contas depois. Se escaparmos, será na banda alagoana. Se formos para o fundo, no céu ou no inferno a gente se encontra e você me contará isso direitinho, seu filho de uma égua.” Acocorei-me e pus-me a esgotar aquela miséria com o chapéu. Os viajantes machos fizeram o mesmo e as mulheres dos rosários, chamadas à ordem, agarraram cuias e caíram no trabalho. Tempo perdido. Gastávamos forças e o traste cada vez mais se enchia. Desanimei, ia entregar os pontos quando me veio de repente uma ideia, a ideia mais feliz que Deus me deu. Lembrei-me de que tinha no bolso da carona um formão e um martelo, comprados para o serviço da fazenda. Muito bem. Veio-me a ideia, dei um salto, fui à carona, peguei o formão e o martelo, fiz um rombo no casco da canoa. Os companheiros me olhavam espantados, julgando talvez que eu estivesse doido. Mas o meu juízo funcionava perfeitamente. Imaginam o que sucedeu? A embarcação se esvaziou em poucos minutos, continuou a viagem e chegou sem novidade a Porto-Real-do-Colégio. Natural. A água entrava por um buraco e saía por outro. Compreenderam? Uma coisa muito simples, mas se eu não tivesse pensado nisso, alguns pais de família e três devotas teriam acabado no bucho da piranha. Desembarcamos na terra alagoana. Aí chamei de parte o canoeiro, sem raiva, e dei-lhe meia dúzia de trompaços, que o prometido é devido. Ele se defendeu (era um tipo de sangue no olho) e propôs camaradagem:

— “Seu Alexandre, vamos deixar de besteira. O senhor é um homem.” Ficamos amigos, fomos para a bodega e passamos uma noite na prosa, bebendo cachaça.

Entendendo o texto

01. No trecho “Todos nós embarcamos, é da natureza do homem embarcar em canoa furada”, Alexandre sugere que:

a.   todo mundo já andou em canoa furada.

b.   todo mundo já viajou em canoa.

c.   todo mundo já ajudou as pessoas.

d.   todo mundo já foi enganado por alguém.

02. Ao tentar evitar que a canoa afundasse, Alexandre demonstrou ser:

a.   apático e egoísta.

b.   esperto e rápido.

c.   egoísta e vagaroso.

d.   vagaroso e apático.

03. No trecho “Foi um deus nos acuda: os homens perderam a fala, as mulheres soltaram os rosários e botaram as mãos na cabeça”, é possível inferir que as pessoas estavam:

a.   tranquilas.

b.   desesperadas.

c.   irritadas.

d.   felizes.

04.  No trecho “Já andaram por essas bandas? Tenho aquilo de cor e salteado. Ganhei uns cobres, mandei fazer roupa de alfaiate, comprei um corte de pano fino e um frasco de cheiro para Cesária”, um termo que é próprio da linguagem informal é:

a.   bandas.

b.   alfaiate.

c.   corte.

d.   frasco.

05. Uma das finalidades do causo lido é:

a.   narrar uma história de origem oral.

b.   relatar com veracidade os fatos.

c.   argumentar sobre os perigos das canoas.

d.   instruir sobre como usar as canoas.

06. Na história contada por Alexandre, o conflito, ou seja, o momento de tensão da narrativa, é marcado:

a.   pelo furo na canoa, que apavorou as pessoas.

b.   pelo conserto do furo na canoa, que tranquilizou as pessoas.

c.   pela chegada da canoa em terras alagoanas.

d.   pela partida da canoa de terras alagoanas.

07. O clímax da história contada por Alexandre, ou seja, o momento de maior tensão na narrativa, é quando o personagem:

a.   tampa o buraco da canoa.

b.   faz outro buraco da canoa.

c.   vira a canoa.

d.   resgata a canoa.

08. No desfecho da história contada por Alexandre, todos que estão na canoa:

a.   caem na água.

b.   têm medo de água.

c.   embarcam com medo.

d.   desembarcam com segurança.

09. No trecho “Desanimei, ia entregar os pontos quando me veio de repente uma ideia [...]”, a expressão destacada indica relação de sentido de:

a.   causa.

b.   condição.

c.   tempo.

d.   finalidade.

10. No trecho “Selei o cavalo e atirei-me para o norte” a expressão liga duas orações e estabelece entre elas relação de sentido de:

a.   adição.

b.   oposição.

c.   explicação.

d.   conclusão.

11.  No trecho “Fiquei embuchado, com uma resposta atravessada na goela, pois acho desaforo alguém pôr em dúvida a minha disposição”, a conjunção destacada tem o mesmo sentido de:

a.   mas.

b.   a fim de.

c.   para.

d.   porque.

12. No trecho “E, ali pelas alturas de Propriá vi uma canoa cheia de gente que botava para as Alagoas”, a expressão destacada indica circunstância de:

a.   tempo.

b.   modo.

c.   lugar.

d.   instrumento.

13. No trecho “Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento” a conjunção mas indica:

a.   adição.

b.   oposição.

c.   explicação.

d.   conclusão.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

CONTO: HISTÓRIA DE UM BODE - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 CONTO: História de um bode

                   Graciliano Ramos

 – Outro caso que tenho pensado em contar a vossemecês é o do bode, anunciou Alexandre um domingo, sentado no banco do copiar. Podemos encaixá-lo aqui para matar tempo. Que diz, seu Firmino?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg5MTNJQcaMcnHgSx9h4aTQZUb008LtKDWB2LfoJ2MgPbEoFWrQ5GpuSb-q_wVivli109KGQ-qdfiKlqrZvLxB-GS0Ii40Efo6X_Ze-kkgRbDM1_F1nBTShPYBgEk0nakYyioyRZoCsYqkzwNnWSFTKWsdLuj48KF8r4MxW3Lwlh5JL8jSshue_TXJNOao/s320/bode.jpg
O cego preto Firmino e mestre Gaudêncio curandeiro, os dois ouvintes daquela tarde, sem falar em Das Dores e Cesária, entusiasmaram-se:

– Está certo, seu Alexandre. Bote o bode para fora.

– Venha o bode, meu padrinho, exclamou Das Dores batendo palmas. Alexandre tomou fôlego e principiou:

– Isso se deu pouco tempo depois da morte da onça. Os senhores se lembram, a onça que morreu de tristeza por falta de comida. Um ano depois, mais ou menos. Havia lá na fazenda uma cabra que tinha sempre de uma barrigada três cabritos fornidos. Três cabritos, pois não, três bichos que faziam gosto. Uma vez, porém, nasceu apenas um cabrito, mas tão grande como os três reunidos, tão grande que o pessoal da casa se admirou. Eu disse comigo:

— “Isto vai dar coisa.” Era realmente um cabrito fora de marca. Tanto que recomendei ao tratador das cabras:

— “Deixe que este bicho mame todo o leite da mãe. Quero ver até que ponto ele cresce.” Mamou e cresceu, ficou um despotismo de cabrito. Eu tinha uma ideia que parece maluca, mas os senhores vão ver que não era. Um animal daquele podia perder-se como bode comum, seu Gaudêncio? Não podia. Foi o que pensei. Quando ele endureceu, botei-lhe os arreios e experimentei-o. Saltou muito, depois amunhecou, e vi que ele ainda não aguentava carrego. Passados alguns meses, tornei a experimentar: deu uns pinotes, correu feito um doido e aquietou-se. Achei que estava taludo e comecei a ensiná-lo. Sim senhores, deu um bom cavalo de fábrica, o melhor que vi até hoje. Mandei fazer uns arreios bonitos, enfeitados com argolas e fivelas de prata — e metido nos couros, de perneiras, gibão e peitoral bem preparados, não deixava boi brabo na capueira. Rês em que eu passasse os gadanhos estava no chão. A minha fama correu mundo. Não era por mim não, era por causa do bode. Talvez os senhores tenham ouvido falar nele. Não ouviram? Muito superior aos cavalos. Os cavalos correm, e o bode saltava por cima dos alastrados e das macambiras. Por isso andava depressa. A dificuldade era a gente segurar-se no lombo dele. Eu me segurava, conhecia todas as manhas e cacoetes do bicho. Quando me aprumava na sela, nem Deus me tirava de lá. Ora numa vaquejada que houve na fazenda vieram todos os vaqueiros daquelas bandas. Meu pai matou meia dúzia de vacas e abriu pipas de vinho branco para quem quisesse beber. Nunca se tinha dado festa igual. Cesária estava lá, de roupa nova, brincos nas orelhas e xale vermelho com ramagens. Hem, Cesária?

– É verdade, Alexandre, respondeu Cesária. Essa festa ficou guardada aqui dentro. Você apareceu de gibão, perneiras, peitoral e chapéu de couro, tudo brilhando, enfeitado de ouro.

– Exatamente, gritou Alexandre, tudo enfeitado de ouro. Trouxeram o bode arreado, montei-me e pensei:

— “Vai ser uma desgraceira. Quem chegue perto de mim pode haver, mas quem passe adiante é que não.” Esse bode, meus amigos, era do tamanho de um cavalo grande. Sim senhores. Do tamanho de um cavalo grande, muito barbudo e com um par de chifres perigosos, inconvenientes no princípio. A gente se metia na catinga, e ele enganchava as pontas nos cipós, gastava tempo sem fim para se desembaraçar. Mas como era um vivente caprichoso e não tinha nascido para correr, logo viu que, pulando por cima dos pés de pau, não se atrapalhava. E fazia um barulhão, soltava berros medonhos. Ora muito bem. No dia da vaquejada, quando me escanchei e peguei na rédea, o bicho largou-se pelo pátio, como quem não quer e querendo, num passinho miúdo que não dava esperança. Os vaqueiros caçoavam de mim:

— “Que figura, meu Deus! Era melhor que estivesse montado num cabo de vassoura.” E eu calado, com pena deles todos, e o bode no passinho curto, mangando dos cavalos.

De repente avistei uma novilha que não conhecia mourão e gritei para os outros:

— “Aquela é minha.”

A resposta foi uma gargalhada, mas só ouvi o começo dela, porque um minuto depois estava longe, percebem? É isto mesmo. O bode, que ia brincando, fazendo pouco dos cavalos, empinou-se e tomou vergonha. Foi um desespero. A novilha escapuliu-se, ligeira como o vento, e nós na rabada dela, pega aqui, pega acolá, íamos voando. Sim senhores, voando, que aquilo não era carreira. O mato me açoitava a cara e um assobio me entrava pelos ouvidos. Não se enxergava nada. Só uma nuvem de poeira, e dentro da poeira os quartos da novilha. Nunca vi boi correr daquele jeito, parecia feitiço. Eu me aproximava da bicha, ela torcia caminho e se afastava. Pelejamos assim muitas horas. Pega aqui, pega acolá, suponho que andamos umas sete léguas. Afinal chegamos à ribanceira de um rio seco, a novilha parou, eu consegui passar as unhas no sedenho dela e foi a conta. Arreou, despencou-se lá de cima e caiu numas pedras que havia no meio do rio. Desci a ribanceira, apeei e notei que a infeliz tinha desmantelado a pá direita na queda. Fiz o que pude para levantá-la e não houve remédio. Vejam vossemecês que eu estava num embaraço muito grande. Como havia de provar aos outros vaqueiros que a novilha tinha sido pegada? Hem? Como havia de provar? Aí é que estava o negócio.

Nesse ponto o cego preto Firmino fez uma pergunta:

– O bode tinha descido com o senhor ou tinha ficado na ribanceira?

– Não me interrompa, seu Firmino, resmungou Alexandre. Assim a gente não pode contar. Então eu já não expliquei? Desci e apeei, foi o que eu disse. Foi ou não foi?

– Exatamente, concordou mestre Gaudêncio.

– Pois é, continuou Alexandre. Se eu desci primeiro e apeei depois, naturalmente desci montado. Isto é claro. Desci montado, percebe? Com um salto. O natural do bode, como ninguém ignora, é saltar. E agora os senhores me façam o favor de escutar, para não me virem com perguntas tolas. Sabem que eu estava atrapalhado para dar aos outros vaqueiros a notícia da pega. Se contasse a história com todos os ff e rr, eles haviam de acreditar, mas eu queria chegar à fazenda com a rês. E, por desgraça, a pobre estava ali caída, ruim de saúde, com uma pá quebrada. Depois de muito pensar, resolvi, não podendo levá-la, mostrar ao pessoal ao menos uns pedaços dela. Acham que pensei direito? Não havia outro jeito, meus amigos. Puxei a faca de ponta, sangrei a novilha, esfolei-a, tirei um quarto dela e amarrei-o na garupa do bode. Botei o couro na maçaneta da sela, pisei no estribo e tomei o caminho de casa. Isto é, pisei no estribo, montei, o bode pulou para cima da ribanceira e tomou o caminho de casa. Para seu Firmino é preciso que a gente diga tudo, palavra por palavra. Se eu não escorresse tantas miudezas, talvez seu Firmino pensasse que eu tinha viajado com um pé no estribo e outro no chão. Pois é verdade. Larguei-me para casa, devagar, fumando, matutando. Passei por baixo de um pau a cavaleiro da estrada. Não liguei importância a isso: galhos tortos há muitos, e eu ia embebido, fora do mundo, sim senhores. De repente uma coisa me chamou a atenção: o bode começou a puxar uma perna traseira. Caminhava algumas braças e arrastava a perna, como se estivesse carregando um peso grande.

— “Que diabo terá este bode?”, perguntei a mim mesmo. Um bicho que nunca tinha feito figura triste, acostumado a varar capueira, cansando à toa! Ali havia coisa. Olhei para trás. Sabem que foi que vi? Calculem. Imaginem que foi que eu vi, Das Dores.

Das Dores espiou a telha e ficou um minuto pensando. Baixou os olhos e confessou:

– Não sei não, meu padrinho. Como é que eu posso adivinhar o que o senhor viu? Uma alma do outro mundo?

– Não, Das Dores, respondeu Alexandre. Vi uma onça. Uma onça lombo- preto, sim senhora, trepada na garupa do bode e já com o bote armado para me agarrar.

— “Estou comido”, pensei. Mas não perdi a calma. Sou assim, nunca perdi a calma. Certamente aquela diaba estava em cima do galho torto e na minha passagem tinha voado na carne fresca. Virei o rabo do olho para o traseiro do animal. Só havia ali o cangaraço da novilha, osso esbrugado. Se eu não tivesse muito sangue-frio, era um homem perdido. Mas encomendei-me a Deus e disse baixinho: — “Morto eu já estou, morto e quase jantado por esta miserável. Agora cruzar os braços e entregar-me à sorte é que não vai. Nem cruzo nem me entrego. Quem está morto não se arrisca. Não vale a pena ter medo, e o que vier na rede é peixe.” Puxei o facão devagarinho, virei-me de supetão e — zás! — no pescoço da onça. Ela caiu no chão, meio azuretada, eu dei um salto e cortei-lhe a cabeça que foi amarrada na maçaneta da sela, junto ao couro da novilha. Montei- me de novo e uma hora depois estava no pátio da fazenda, conversando com os vaqueiros. Cesária pode confirmar o que eu digo.

– Perfeitamente, Alexandre, exclamou Cesária. Conte o resto.

– O resto é aquilo que você viu. Meu irmão tenente, isto é, meu irmão mais novo, pessoa de coragem que mais tarde chegou a tenente de polícia, ficou amarelo como flor de algodão. Eu expliquei a coisa com todos os pontos e vírgulas, mandaram buscar o resto da novilha e o corpo da onça. Foi uma admiração, meus amigos, e a festa da vaquejada rolou muitos dias. Meu irmão tenente…

– E o bode? murmurou o cego. Que fez o senhor do bode?

– Ora essa! rosnou Alexandre. O bode se finou, como todos os viventes. Se fosse vivo, tinha trinta anos, e nunca houve bode que vivesse tanto. Morreu, sim senhor. E fez muita falta, foi o melhor cavalo de fábrica daquela ribeira.

Entendendo o texto

01. No texto apresentado, Alexandre narra um causo.

          Quem são seus interlocutores?

      Seu Firmino, mestre Gaudêncio, Das Dores e Cesária.

02. Que história é contada a eles?

          A história de um bode tão grande que foi usado como cavalo em vaquejadas.

03. Em um causo, é comum o emprego de palavras e expressões que marcam a passagem do tempo.

a. Identifique-as em cada um dos trechos a seguir.

         “Um ano depois, mais ou menos. Havia lá na fazenda uma cabra que tinha sempre de uma barrigada três cabritos fornidos.”

          Um ano depois.

         b. “ Uma vez, porém, nasceu apenas um cabrito, mas tão grande como os três reunidos, tão grande que o pessoal da casa se admirou.”

          Uma vez.

        c. “ Passados alguns meses, tornei a experimentar: deu uns pinotes, correu feito um doido e aquietou-se.”

          Alguns meses.

       d. “Quando me aprumava na sela, nem Deus me tirava de lá.”

            Quando me aprumava na sela.

04. No trecho “Eu disse comigo: — ‘Isto vai dar coisa’”, é possível inferir que o narrador do causo é:

a.   narrador-personagem, pois o verbo e o pronome destacados estão na primeira pessoa.

b.   narrador-observador, pois o verbo e o pronome destacados estão na terceira pessoa.

c.   narrador-personagem, pois o verbo e o pronome destacados estão na terceira pessoa.

d.   narrador-observador, pois o verbo e o pronome destacados estão na primeira pessoa.

05.  Em relação ao espaço em que se passa a história narrada por Alexandre, é possível concluir que se trata de um espaço:

         (  )  urbano.         (x ) rural.

06. Quando chegou à vaquejada, Alexandre usava perneira, gibão e peitoral. Pesquise o significado de cada um desses acessórios e escreva-os a seguir.

         perneira: peça que protege as pernas dos vaqueiros;

         gibão: casaco de couro usado por vaqueiros; e

         peitoral: placa de couro que cobre o peito.

07. Releia o trecho a seguir.

          “Outro caso que tenho pensado em contar a vossemecês é o do bode.”

a.   A quem Alexandre se dirige ao empregar a expressão destacada?

         Aos seus interlocutores.

b.   O que essa expressão significa e por que ela foi empregada?

         A palavra vossemecês é a contração de vossas mercês, que significa uma forma mais antiga do pronome de tratamento você.       Pode ter sido empregada para demonstrar respeito pelos interlocutores.

08. Por que, no trecho a seguir, foram empregados as aspas e o travessão ao mesmo tempo?

          — “Vai ser uma desgraceira. Quem chegue perto de mim pode haver, mas quem passe adiante é que não.”

        Para forçar que é o próprio narrador-personagem falando diretamente.

 

domingo, 7 de agosto de 2022

ROMANCE VIDAS SECAS: "FESTA" - (FRAGMENTO) - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 Romance Vidas secas: Festa – Fragmento

                 Graciliano Ramos

        [...]

        Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo. Ocupavam-se em descobrir uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais novo teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha sido feito por gente? O menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intrincada. Como podiam os homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conseguiria tão grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas cometiam imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam baixo para não desencadear as forças estranhas que elas porventura encerrassem. [...]

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 48. ed. Rio de Janeiro: Record, 1981. p. 83-84.

               Fonte: Livro Língua Portuguesa – Trilhas e Tramas – Volume 1 – Leya – São Paulo – 2ª edição – 2016. p. 240-1.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Tolda: o mesmo que toldo (cobertura em forma de telhado usada para abrigar carga ou passageiros).

·        Intrincada: obscura, confusa; custosa de perceber.

02 – Para você por que as coisas têm nome? Quem dá nome às coisas?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O que aconteceria se as coisas não tivessem nome?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – A que classe gramatical pertencem as palavras que nomeiam pessoas, seres imaginários, objetos, sentimentos, ações, fenômenos e que podem ser flexionadas em gênero e número?

      Pertencem a classe dos substantivos.

05 – Qual é o tema desse trecho da obra Vidas secas?

      A perplexidade das crianças (o menino mais velhos e o mais novo) diante da infinidade de objetos/coisas que descobrem e a necessidade de nomeá-los, para que sejam entendidos.

06 – O que as coisas vistas pelos meninos provocam neles? Explique.

      Surpresa e dúvidas. Eles ficam admirados com tanta beleza; querem saber quem criou tantas coisas, qual é o nome de cada uma delas, assim como entender a capacidade das pessoas de guardar tantos nomes.

07 – Leia:

        “Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes, misteriosas. Não tinham sido feitas por gente.” Como você interpreta o trecho acima?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: As personagens dão importância aos nomes das coisas porque, sem eles, fica difícil entender o mundo.

08 – Volte ao texto e identifique os termos que foram usados para substituir as palavras:

a)   Pessoas:

Gente, homens, indivíduos.

b)   Objetos:

Coisas, maravilhas, preciosidades, surpresas.

09 – As palavras pessoas, gente, homens, indivíduos, objetos, coisas, maravilhas, preciosidades, surpresas, usadas para nomear, funcionam como substantivos. Elas foram empregadas para manter o assunto do texto e evitar repetições desnecessárias. No texto “Festa”, que palavras foram usadas com essa mesma função para substituir o substantivo dúvida?

      As palavras dificuldade, questão. Não basta que os alunos identifiquem e classifiquem os substantivos. O importante é que eles percebam que os diferentes substantivos são empregados para manter a continuidade temática, isto é, o assunto dos textos e evitar repetições desnecessárias.

10 – Identifique no trecho de Vidas secas reproduzido anteriormente substantivos que nomeiam partes do corpo.

      Ombros, ouvido, olhos.

 

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

ROMANCE: INFÂNCIA(FRAGMENTO II) - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO

 Romance: Infância (Fragmento II)


  Graciliano Ramos

        [...]

        Recolhi-me preocupado: os fugitivos, os lobos e o lenhador agitaram-me o sono. Dormi com eles, acordei com eles. As horas voaram. Alheio à escola, aos brinquedos de minhas irmãs, à tagarelice dos moleques, vivi com essas criaturas de sonho, incompletas e misteriosas.

        À noite meu pai me pediu novamente o volume, e a cena da véspera se reproduziu: leitura emperrada, mal-entendidos, explicações.

        Na terceira noite fui buscar o livro espontaneamente, mas meu velho estava sombrio e silencioso. E no dia seguinte, quando me preparei para moer a narrativa, afastou-me com um gesto, carrancudo.

        Nunca experimentei decepção tão grande. Era como se tivesse descoberto uma coisa muito preciosa e de repente a maravilha se quebrasse. E o homem que a reduziu a cacos, depois de me haver ajudado a encontrá-la, não imaginou a minha desgraça. A princípio foi desespero, sensação de perda e ruína, em seguida uma longa covardia, a certeza de que as horas de encanto eram boas demais para mim e não podiam durar.

        Findas, porém, as manifestações secretas de mágoa, refleti, achei que o mal tinha remédio e expliquei o negócio a Emília, minha excelente prima. O rosto sereno, largos olhos pretos, um ar de seriedade — linda moça. A irmã, brincalhona e rabugenta, ora pelos pés, ora pela cabeça, ria como doida e logo explodia em acessos de cólera. Mas Emília não era deste mundo. Só se zangou comigo uma vez, no dia em que, tuberculosa, me viu beber água no copo dela. Um anjo.

        Confessei, pois, a Emília o meu desgosto e propus-lhe que me dirigisse a leitura. Esforcei-me por interessá-la contando-lhe a escuridão na mata, os lobos, os meninos apavorados, a conversa em casa do lenhador, o aparecimento de uma sujeita que se chamava Águeda. [...] Assim, era necessário que a priminha lesse comigo o romance e me auxiliasse na decifração dele.

        Emília respondeu com uma pergunta que me espantou. Por que não me arriscava a tentar a leitura sozinho?

        Longamente lhe expus a minha fraqueza mental, a impossibilidade de compreender as palavras difíceis, sobretudo na ordem terrível em que se juntavam. Se eu fosse como os outros, bem; mas era bruto em demasia, todos me achavam bruto em demasia.

        Emília combateu a minha convicção, falou-me dos astrônomos, indivíduos que liam no céu, percebiam tudo quanto há no céu. Não no céu onde moram Deus Nosso Senhor e a Virgem Maria. Esse ninguém tinha visto. Mas o outro, o que fica por baixo, o do Sol, da Lua e das estrelas, os astrônomos conheciam perfeitamente. Ora, se eles enxergavam coisas tão distantes, porque não conseguiria eu adivinhar a página aberta diante dos meus olhos? Não distinguia as letras? Não sabia reuni-las e formar palavras?

        Matutei na lembrança de Emília. Eu, os astrônomos, que doidice! Ler as coisas do céu, quem havia de supor?

        E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador. Reli as folhas já percorridas. E as partes que se esclareciam derramavam escassa luz sobre os pontos obscuros. Personagens diminutas cresciam, vagarosamente me penetravam a inteligência espessa. Vagarosamente.

        Os astrônomos eram formidáveis. Eu, pobre de mim, não desvendaria os segredos do céu. Preso à terra, sensibilizar-me-ia com histórias tristes, em que há homens perseguidos, mulheres e crianças abandonadas, escuridão e animais ferozes.

Graciliano Ramos. Infância. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 7º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 163-6.

Entendendo o romance:

01 – Quais atitudes o pai toma ao tentar ensinar o menino a ler?

      No início, o pai é dedicado, e o menino fica encantado com a leitura; depois, porém, o pai age de maneira rude, o que afasta e desencanta o garoto, impedindo-o de continuar aprendendo.

02 – De que maneiro o menino busca uma solução para o problema?

      Ele procura a ajuda da prima, Emília, e pede a ela que continue ensinando a ele.

03 – Releia este trecho do fragmento II:

        “Recolhi-me preocupado: os fugitivos, os lobos e o lenhador agitaram-me o sono. Dormi com eles, acordei com eles. As horas voaram. Alheio à escola, aos brinquedos de minhas irmãs, à tagarelice dos moleques, vivi com essas criaturas de sonho, incompletas e misteriosas.”

a)   Quem são os “fugitivos, os lobos e o lenhador? Explique.

Não são personagens reais. Os fugitivos, os lobos e o lenhador são personagens d história que o menino está começando a ler.

b)   Por que o menino diz que dormia e acordava com “os fugitivos, os lobos e o lenhador”?

Porque não conseguia se desligar da história, estava encantado com a nova experiência, então continuava a pensar sobre os personagens até mesmo na hora de dormir.

c)   O que faz com que o menino deixe de lado os brinquedos de suas irmãs e a tagarelice dos moleques?

Seu interesse pela descoberta da leitura.

04 – O menino desabafa com a prima sobre sua dificuldade para ler, mas ela conta a ele sobre os astrônomos. Veja a maneira pela qual o menino reflete sobre eles:

        “[...] Ora, se eles enxergavam coisas tão distantes, porque não conseguiria eu adivinhar a página aberta diante dos meus olhos? Não distinguia as letras? Não sabia reuni-las e formar palavras?

        Matutei na lembrança de Emília. Eu, os astrônomos, que doidice! Ler as coisas do céu, quem havia de supor?

        E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador. [...]”.

a)   O que você acha da ideia de os astrônomos lerem o céu? Por quê?

Resposta pessoal do aluno.

b)   O que estimulou o menino a enfrentar sua dificuldade de ler?

A prima lhe mostra que, se os astrônomos leem o céu, que está tão distante e nunca foi visto por ninguém, ele poderia ler o que está bem próximo a ele.

c)   O que o narrador revela com a frase: “E tomei coragem, fui esconder-me no quintal, com os lobos, o homem, a mulher, os pequenos, a tempestade na floresta, a cabana do lenhador”?

O narrador revela que se retirou, se isolou, para tentar ler sozinho, para mergulhar na história que desejava compreender.

05 – Leia as informações do quadro e responda às questões com base no fragmento.

        Narrar é contar uma história. Há diferentes gêneros textuais que se organizam em narrativas, como romance, contos, crônicas, lendas, fábulas, mitos, entre outros.

        Nas narrativas ficcionais há:

·        Narrador – relator dos fatos, dos quais pode ser participante como narrador-personagem (primeira pessoa), observador (somente observa) e onisciente (terceira pessoa), quando observa e tem acesso até aos pensamentos dos personagens.

·        Personagens – protagonista (personagem principal) e antagonista/forças antagônicas (vilão ou situação que atrapalha os desejos do protagonista) e secundários (participam de forma secundária nas ações).

·        Espaço – ambiente em que os fatos acontecem.

·        Tempo – quando ocorrem as ações ou quanto duram. O tempo pode ser cronológico (medido elo relógio ou calendário) ou psicológico (como o personagem o percebe no pensamento).

·        Enredo – conjunto de episódios que compõem a narrativa, dividido em: apresentação dos fatos e personagens, situação-problema ou conflito (o que gera os fatos), clímax (momento de maior tensão da história) e desfecho (conclusão/resolução do conflito).

a)   Quem é o personagem protagonista desse romance? Explique.

O menino é o protagonista do romance. Ele narra a história e todas as ações ocorrem em torno da situação-problema na qual está envolvido.

b)   Qual é a situação-problema na qual o menino está envolvido?

Ele não sabe ler, o que o faz se sentir inferiorizado em relação a outras pessoas.

c)   Há um vilão ou uma força antagônica que atrapalha o desejo do protagonista? O que ou quem seria? Explique.

Não há um vilão, mas força antagônica, que seria a falta de acesso às escolas de qualidade.

d)   Quem são os personagens secundários?

Os colegas, o pai e a prima.

e)   Quando ocorre essa passagem da história?

Quando o personagem tinha 9 anos, ou seja, no início do século XX (1900).

f)    Onde ocorre a história? Como é possível supor essa informação?

Como o menino afirma ter vizinhos, aparenta ser em uma área urbana, uma cidade, não no campo. E os locais são: escola, casa e quintal da casa.