quinta-feira, 5 de julho de 2018

TEXTO: CHUVA - EDSON GABRIEL GARCIA - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO


Texto: Chuva
                            Edson Gabriel Garcia

        A primeira meia dúzia de pingos de chuva caiu de manso, apesar do escuro que o céu prometia desabar sobre o pedaço da cidade.
        À saída da escola, nos portões abertos para a pequena multidão de alunos alegres com o final das aulas, misturavam-se chuva, gritos, guarda-chuvas, mais gritos, buzinas, olhares, corre-corre.
     Dali, de onde eu estava, escondido sob a laje do pavimento de cima, podia vê-la mexendo na mala escolar, à procura de alguma coisa. Um guarda-chuva, certamente.
      Quando ela viu que ele a olhava, desviou o verde de seus olhos e continuou, embaraçada, procurando o guarda-chuva. Até encontrá-lo.
        Ele foi aproximando dela. Parecia pouco à vontade, mas decidido. Havia tempo ele a paquerava, de longe. Até achava ser correspondido.
      Ela, desajeitada, abriu o guarda-chuva e preparou-se para enfrentar a água que agora caía bem mais forte.
        -- Vou lá perto de sua casa, me dá uma carona no guarda-chuva?
        O preto dos olhos dele fazendo a pergunta corajosa para os olhos verdes dela, quase vermelhos de vergonha.
        -- Se você quiser...
        -- Claro que quero. Não trouxe guarda-chuva, e se entrar nessa me molho todo.
        -- Então vamos.
        O guarda-chuva aberto acolheu os dois. Próximos, emparelhados, roçando roupa com roupa, o coração dando pulos de contentamento.
        -- Que chuva, né?
        -- Inda mais sem esperar!
        Um passo mal dado, uma poça d'água recém nascida, e os ombros se tocaram num primeiro encontro, quase ingênuo.
        -- Desculpe.
        -- Não foi nada!
        A chuva aumentou a intensidade. Caía mais forte e escorria, danada e zombeteira, pelas abas do guarda-chuva.
        -- Você está se molhando.
        -- Você também.
        -- Não faz mal. Me dê sua mala, deixe que eu levo. Assim você fica livre para segurar o guarda-chuva.
        -- Obrigado.
        Na passagem da mala, dela para ele, as mãos molhadas se tocaram levemente. O coração acelerou o ritmo e o rosto avermelhou-se.
        A chuva ficou mais forte.
        -- Estamos nos molhando muito, vamos parar?
        -- Não, chuva é gostoso. Faz bem. É banho diferente. Lava tudo!
        -- Por minha culpa você está se molhando...
        -- Que nada, de qualquer jeito, nessa chuva, eu ficaria molhada... o guarda-chuva é pequeno...
        -- É...
        Instintivamente ele passou o material para a mão direita e pôs seu braço esquerdo sobre o ombro dela.
        -- Se a gente se aperta um pouquinho debaixo do guarda-chuva, se molha menos.
        -- Acho que sim...
        O braço puxou o corpo dela para junto do corpo dele. O coração bateu mais depressa, o rosto queimava fogo, os corpos molhados vibravam.
        -- Já estou quase chegando. Minha casa é aquela de muro vermelho...
        -- Poxa, foi tão rápido...
        Ele estreitou ainda mais o braço molhado. Não sentiu resistência. Ela soltava sua emoção, esparramada pelo corpo, para o braço do parceiro.
        Apenas o cabo do guarda-chuva separava o desejo dos dois. Que engraçado: apenas um pedaço roliço de madeira limitando a geografia quente dos corpos. Em cima, embaixo, por todos os lados, a chuva forte derramava água farta, festejando o encontro juvenil.
        -- Posso falar com você outra vez?
        -- Na escola?
        -- Também.
        Ela tingiu de brilho novo o verde dos olhos e respondeu com voz úmida, porém firme:
        -- Pode...
        -- Amanhã?
        -- Pode...
        Eles selaram o acordo com o estreitamento maior das roupas molhadas.
        -- Faz tempo que eu queria falar com você.
        Ela sorriu e deixou escapar:
        -- Eu também.
        A casa de muro vermelho chegou perto deles.
        -- Cheguei.
        -- Que pena!
        -- Você quer ficar com meu guarda-chuva?
        -- Não, já estou todo molhado.
        -- Leva...
        -- Não...
        -- ...
        -- ...
        O coração a mil, bateria louca de escola de samba em dia de desfile, o corpo molhado, a boca seca, o rosto pegando fogo. Estavam um em frente ao outro, debaixo da chuva forte.
        De onde eu estava, protegido pela chuva, eu vi o guarda-chuva inclinar- se levemente para trás, cobrindo minha visão. Imaginei que esta manobra acidental me impediu de ver um beijo, tamanha foi a pressa com que ela entrou em casa e tamanha a alegria com que ele enfrentou a chuva, atirando para cima alguns cadernos, pulando poças e esticando braços e pernas numa sinfonia encharcada.
        Foi mais ou menos assim que eu vi esse primeiro encontro dos dois. Foi mais ou menos assim que ele me contou.
        Foi assim, sem dúvida, que perdi minha primeira namorada.

                                         Edson Gabriel Garcia. Pedaços de paixão.
                                                       6. ed. São Paulo: Moderna, 1989.
Entendendo o texto:
01 – Dê o significado das palavras abaixo:
·        Acolheu: abrigou.
·        Vibraram: estremeciam.
·        Ingênuo: puro, inocente.
·        Roliço: arredondado.
·        Instintivamente: sem pensar.
·        Selaram: firmaram.

02 – Reescreva as frases, substituindo as palavras destacadas por sinônimos:
a)   O guarda-chuva aberto acolheu os dois.
O guarda-chuva aberto abrigou os dois.

b)   Havia tempo que ele a paquerava, de longe.
Havia tempo que ele a namorava, a distância.

03 – Explique, a seu modo, o sentido das expressões em destaque:
a)   “O coração a mil, bateria louca de escola de samba em dia de desfile, o corpo molhado, a boca seca, o rosto pegando fogo.”
A mil: acelerado como louco.
O rosto pegando fogo: o rosto vermelho, quente.

b)   “... a chuva forte derramava água farta.”
Água farta: muita água.

c)   “... apenas um pedaço roliço de madeira limitando a geografia quente dos corpos.”
A geografia quente dos corpos: o contorno dos corpos quentes pela emoção.

04 – “Instintivamente ele passou o material escolar para mão direita e pôs seu braço sobre o ombro dela."
a)   (  ) espontaneamente.
     b) (X) delicadamente
     c) (  ) ajeitadamente.

05 – “A chuva aumentou a intensidade. Caía mais forte e escorria danada e zombeteira, pelas abas do guarda-chuva”.
a)    (X) fortemente.
b)  (  ) debochada
c)  (  ) brincalhona

06 – “A chuva forte derramava água farta, festejando o encontro juvenil".
a)   (  ) de idosos.
     b) (  ) clube de futebol de adolescentes
     c) (X) de adolescentes.

07 – Uma característica física da garota e do garoto.
      Da garota: Os olhos verdes.
      Do garoto; Os olhos preto.

08 – A frase que comprova a presença do narrador observando todo o encontro das personagens.
      Foi mais ou menos assim que eu vi esse primeiro encontro dos dois.

09 – De acordo com a descrição do 2º parágrafo, podemos perceber que há:
a)   (X) muito barulho, algazarra devido ao final das aulas.
     b) (   ) desespero por causa da chuva.
     c) (   ) alegria dos estudantes por ser um dia especial.

10 – Dê o antônimo (significado contrário) das palavras sublinhadas na frase abaixo:
        “A chuva aumentou a intensidade. Caía mais forte e escorria, danada e zombeteira.”
      A chuva diminuiu a intensidade. Caía mais fraco e escorria, bondosa e brincalhona.

11 – Nesse conto "Chuva", o narrador mostra que, à medida que a chuva aumenta, os dois jovens também se aproximam. Para perceber isso melhor, numere as frases, ordenando-as na sequência em que aparecem no texto, comprovando o aumento gradativo da chuva e a aproximação do casal.
a)   (4) "a chuva aumentou de intensidade".
     b) (1) "a primeira meia dúzia de pingos de chuva caiu de manso"
     c) (6) "em cima, embaixo, por todos os lados, a chuva forte derramava água farta, festejando o encontro juvenil."
     d) (5) "apenas o cabo do guarda-chuva separava o desejo dos dois"
     e) (2) "ele foi se aproximando"
     f) (3) "um passo mal dado, uma poça d'água recém nascida, e os ombros se tocaram num primeiro encontro, quase ingênuo."

12 – Assinale as opções onde ocorrem os fatos.
a)   (X) saída da escola.
     b) (   ) na sala da aula
     c) (X) na rua indo para casa dela
     d) (X) no portão da casa dela
     e) (   ) no shopping.

13 – No início do texto o autor diz: "A primeira meia dúzia de pingos da chuva caiu de manso". Com isso ele afirma:
     a) (   ) que ele contou os pingos da chuva.
     b) (X) que a chuva ainda estava fraca.
     c) (   ) que a chuva estava muito forte.

14 – Em que fase da vida das personagens acontecem os fatos?
      Na adolescência.

15 – Qual é o assunto do texto?
      O primeiro encontro de dois jovens que se gostam.

16 – Você acha que já existia alguma coisa entre o menino e a menina? Justifique.
      Resposta pessoal do aluno.

17 – O que ficamos sabendo sobre o narrador, no final da história?
      Que ele gostava da menina também.








Um comentário:

  1. Eu li esse texto em um livro antigo da minha mãe, acho que era de Sexta série, é muito bom me deparar com ele anos depois, o pior é ver esses adolescentes cheios de deficiências sociais de hoje em dia colocando nomes nos personagens e postando em páginas de fanfic como se fossem os autores

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