CRÔNICA: Fim de Feira
José Rubinato
Quando os feirantes já se dispõem a
desarmar as barracas, começam a chegar os que querem pagar pouco pelo que
restou nas bancadas, ou mesmo nada, pelo que ameaça estragar. Chegam com suas
sacolas cheias de esperança. Alguns não perdem tempo e passam a recolher o que
está pelo chão: um mamãozinho amolecido, umas folhas de couve amarelas, a
metade de um abacaxi, que serviu de chamariz para os fregueses compradores. Há
uns que se aventuram até mesmo nas cercanias da barraca de pescados, onde pode
haver alguma suspeita sardinha oculta entre jornais, ou uma ponta de cação
obviamente desprezada.
Há feirantes que facilitam o trabalho
dessas pessoas: oferecem-lhes o que, de qualquer modo, eles iriam jogar
fora.
Mas outros parecem ciumentos do teimoso
aproveitamento dos refugos, e chegam a recolhê-los para não os verem coletados.
Agem para salvaguardar não o lucro possível, mas o princípio mesmo do comércio.
Parecem temer que a fome seja debelada sem que alguém pague por isso. E não
admitem ser acusados de egoístas: somos comerciantes, não assistentes sociais,
alegam.
Finda a feira, esvaziada a rua, chega o
caminhão da limpeza e os funcionários da prefeitura varrem e lavam tudo,
entre risos e gritos. O trânsito é liberado, os carros atravancam a rua e, não
fosse o persistente cheiro de peixe, a ninguém ocorreria que ali houve uma
feira, frequentada por tão diversas espécies de seres humanos.
(Joel Rubinato, inédito)
Entendendo o texto:
01 – Nas frases parecem
ciumentos do teimoso aproveitamento dos refugos e não admitem ser
acusados de egoístas, o narrador do texto
(A) mostra-se imparcial
diante de atitudes opostas dos feirantes.
(B) revela uma perspectiva
crítica diante da atitude de certos feirantes.
(C) demonstra não reconhecer
qualquer proveito nesse tipo de coleta.
(D) assume-se como um cronista
a quem não cabe emitir julgamentos.
(E) insinua sua indignação
contra o lucro excessivo dos feirantes.
02 – Considerando-se o contexto, traduz-se corretamente o sentido de um segmento do texto em:
(A) serviu de
chamariz = respondeu
ao chamado.
(B) alguma suspeita
sardinha = possivelmente uma sardinha.
(C) teimoso
aproveitamento = persistente
utilização.
(D) o princípio mesmo
do comércio = preâmbulo da operação comercial.
(E) Agem para
salvaguardar = relutam em admitir.
03 – Atente para as afirmações abaixo.
I. Os riscos do consumo de
uma sardinha suspeita ou da ponta de um cação que foi desprezada justificam o
emprego de se aventuram, no primeiro parágrafo.
II. O emprego de alegam,
no segundo parágrafo, deixa entrever que o autor não compactua com a
justificativa dos feirantes.
III. No último parágrafo, o
autor faz ver que o fim da feira traz a superação de tudo o que determina a
existência de diversas espécies de seres humanos.
Em relação ao texto, é
correto o que se afirma APENAS em:
(A) I.
(B) II.
(C) III.
(D) I e II.
(E) II e III.
04 – Está INCORRETA a
seguinte afirmação sobre um recurso de construção do texto: no contexto do
(A) primeiro
parágrafo, a forma ou mesmo nada faz subentender a expressão
verbal querem pagar.
(B) primeiro parágrafo, a
expressão fregueses compradores faz subentender a existência de
“fregueses” que não compram nada.
(C) segundo parágrafo, a
expressão de qualquer modo está empregada com o sentido de toda
maneira.
(D) segundo parágrafo, a
expressão para salvaguardar está empregada com o sentido de a
fim de resguardar.
(E) terceiro
parágrafo, a expressão não fosse tem sentido equivalente ao
de mesmo não sendo.
05 – O verbo indicado entre parênteses deverá flexionar-se no plural para preencher de modo correto a lacuna da frase:
(A) Frutas e verduras,
mesmo quando desprezadas, não ...... (deixar)
de as recolher quem não pode pagar pelas boas e bonitas.
(B) ......-se (dever) aos ruidosos funcionários da
limpeza pública a providência que fará esquecer que ali funcionou uma feira.
(C) Não ...... (aludir) aos feirantes mais generosos,
que oferecem as sobras de seus produtos, a observação do autor sobre o egoísmo
humano.
(D) A pouca gente
...... (deixar) de sensibilizar os
penosos detalhes da coleta, a que o narrador deu ênfase em seu texto.
(E) Não ...... (caber) aos leitores, por força do
texto, criticar o lucro razoável de alguns feirantes, mas sim, a inaceitável
impiedade de outros.
06 – A supressão da vírgula altera o sentido da seguinte frase:
(A) Fica-se
indignado com os feirantes, que não compreendem a carência dos mais pobres.
(B) No texto, ocorre uma
descrição o mais fiel possível da tradicional coleta de um fim de feira.
(C) A todo momento,
dá-se o triste espetáculo de pobreza centralizado nessa narrativa.
(D) Certamente, o leitor não
deixará de observar a preocupação do autor em distinguir os diferentes
caracteres humanos.
(E) Em qualquer lugar onde
ocorra uma feira, ocorrerá também a humilde coleta de que trata a crônica.
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