CRÔNICA: Qualidade
de vida
Martha Medeiros
Os anos 90 insistiram numa ideia que
virou sonho de consumo de todo mundo: qualidade de vida. Até hoje dá vontade de
entrar numa loja e perguntar: tem qualidade de vida? Provavelmente nos
responderiam que está em falta, muita procura, mas pode deixar encomendado.
Qualidade de vida, se pudesse ser
filmada, teria a cara de um comercial de margarina. Família bela e saudável,
uma casa aconchegante, um dia de sol, café da manhã farto, papai empregado e
filhos na escola. Qualidade de vida é um modelo de comportamento, qualidade de
vida é um carro com um bagageiro enorme.
E a qualidade das nossas emoções?
Compra-se também. As mais fortes são as que têm mais saída. Tudo pelo preço de
um ingresso de cinema.
As pessoas têm estado cansadas demais
para produzir seus próprios sentimentos. Assustadas demais para olhar para
dentro. Confusas demais para reconhecer seus medos e desejos. Passivas demais
para transformar tudo o que sentem em ativo. Procuram artigos prontos em vez de
fabricá-los.
Qualidade não vem com facilidade, não
conquistamos com um estalar de dedos. Qualidade, essa palavra difícil de
conceituar, só se consegue fazendo as coisas com amor, e eu mesma não me
suporto dizendo uma coisa tão piegas, mas é que a pieguice tem lá seu cabimento
e às vezes exige nossa rendição. Não há qualidade sem tratamento, sem olho
atento, sem uma bela intenção.
Qualidade é tudo o que a gente ordena sem
precisar gritar, é a maneira educada com que nos relacionamos com as pessoas, é
o cumprimento de nossas tarefas com responsabilidade, é o compromisso que
estabelecemos com a gente mesmo de fazer as coisas da maneira menos estabanada.
Qualidade é a verdade dos fatos, é não
teatralizar a vida. É reconhecer-se humilde diante das nossas falhas, tantas. E
tentar errar menos.
Qualidade é viver de acordo com nossas
possibilidades, administrar a vida com a humanidade de que dispomos, chorar de ódio
por sermos vulneráveis, mas pensar que melhor isso do que não termos
sensibilidade alguma.
Qualidade é amor que se sustenta, é
amizade que não é um blefe, é confiança que não é traída, é demonstrar o que se
sente, apertar a mão com firmeza, dizer não e dizer sim com a mesma
honestidade, é a inocência de uma fé generalizada e crença na própria natureza.
Parece uma oração, eu que sou quase
agnóstica. Mas é isso. Qualidade é tudo o que não se desmancha facilmente.
MEDEIROS, Martha.
Non-stop. Crônicas do cotidiano.
Porto Alegre:
L&PM, 2001.
Entendendo o texto
01 – Qual é a primeira
definição de qualidade de vida que aparece no texto?
Qualidade de vida
é um modelo de comportamento.
02 – Em que parágrafos da
crônica relaciona-se qualidade de vida a consumismo?
Qualidade de
vida, se pudesse ser filmada, teria a cara de um comercial de margarina.
Família bela e saudável, uma casa aconchegante, um dia de sol, café da manhã
farto, papai empregado e filhos na escola.
03 – No quarto parágrafo,
que situações caracterizam as pessoas e reforçam a ideia de que elas “Procuram
artigos prontos em vez de fabricá-los.”?
As pessoas têm
estado cansadas demais para produzir seus próprios sentimentos. Assustadas
demais para olhar para dentro. Confusas demais para reconhecer seus medos e
desejos. Passivas demais para transformar tudo o que sentem em ativo.
04 – Qual o sentido de “estalar os dedos”, no texto?
Tem o sentido que nada se consegue na vida com facilidade.
05 – Que frase do texto a cronista considera piegas?
Não há qualidade sem tratamento, sem olho atento, sem uma
bela intenção.
06 – A que se referem os
termos destacados em “E a qualidade das nossas emoções? “Compra-se também. As
mais fortes são as que têm mais saída. Tudo pelo preço de um ingresso de
cinema.”
Refere-se ao nossos sentimentos.
07 – Qual é o tema do texto?
É a qualidade de vida.
08 – Retire do
texto um trecho que revele ironia.
Qualidade é a
verdade dos fatos, é não teatralizar a vida. É reconhecer-se humilde diante das
nossas falhas, tantas. E tentar errar menos.
09 – Quem é o autor do
texto?
Martha Medeiros.
10 – No 9° parágrafo, a
autora fala de alguns sentimentos. Quais são?
Fala de amor,
amizade, confiança, honestidade, inocência e crença.
🤓🤓
ResponderExcluir"Procuram artigos prontos em vez de fabrica-los". Explique com suas palavras a que isso está relacionada?
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