Poesia: Tecendo
a Manhã
João Cabral de Melo Neto
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Neto, João Cabral
de Melo. Poesias completas.
4. ed. Rio de Janeiro, José Olympio,
1986. p. 19-20.
Entendendo a poesia:
01 – Podemos dizer que o
texto se inicia com uma afirmação? Justifique sua resposta.
Sim, pois o
primeiro período do texto formula uma condição como indispensável: a
solidariedade na construção da manhã. Essa afirmação é fundamental para o
desenvolvimento posterior do texto, pois coloca o fator solidariedade como
essencial ao trabalho dos galos.
02 – A elipse é a omissão de
palavras ou termos facilmente subentendidos. Aponte as ocorrências de elipse no
texto. Qual a finalidade do seu emprego?
As elipses mais
significativas são as formas verbais referentes aos gritos dos galos no
terceiro e no quinto verso. A nosso ver, são formas de amarrar ainda mais
fortemente a estrutura do texto, tornando-a coesa e econômica. Além disso,
“imitam” o fluxo dos gritos entre os galos; estes não deixam o grito morrer,
assim como as elipses impedem que a frase “expire”.
03 – Relacione os três
últimos versos da primeira estrofe com as ideias que vimos discutindo sobre a
capacidade de tecer um texto.
É pertinente
relacionar a tessitura da manhã com a tessitura da estrutura de um texto.
Espera-se que o aluno faça essa leitura, entre outras possíveis.
04 – Qual a ideia dominante
na segunda estrofe do texto? O que ocorre à manhã, uma vez tecida?
A manhã, tecida, ganha autonomia e passa
a envolver a todos os que a produziram. Numa leitura presa aos referentes
imediatos, deve-se ressaltar para o aluno a beleza da imagem cabralina: Ela
consegue captar a alegria do amanhecer que, despertado e tecido pelos galos,
acaba por envolve-los. Numa leitura ligada à produção textual, deve-se realçar
a autonomia adquirida pelo texto (particularmente, no caso, o texto poético) em
relação ao seu produtor.
05 – O texto de João Cabral
está bem tecido? Por quê?
Espera-se que o aluno destaque os
elementos coesivos do texto de João Cabral utilizando o instrumental de que
dispõe, a saber, os conceitos de repetição, progresso, não-contradição e
relação.
06 – Como você relaciona o
resultado do trabalho dos galos com o resultado do seu trabalho de elaborador
de textos?
Espera-se que o
aluno reflita sobre seu trabalho de produtor de textos, procurando enfoca-lo
como um trabalho de tecelão, capaz de construir arquiteturas tão bem tramadas e
tão independentes como a manhã do poeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário