Conto: Esta casa é minha
Paula e Beto moravam com os pais num
apartamento. E queriam ter quintal.
Adoravam sair para passear nos fins de
semana. Iam à casa dos avós, ao parque, ao cinema.
Às vezes faziam uns passeios de carro
até mais longe. Ao sítio do tio. Ou por uma estrada comprida que ia dar numa
praia quase deserta. Onde passavam o dia todo.
Um domingo, nessa praia, enquanto Paula
e o irmão brincavam, o pai ficou conversando com um pescador ao lado de uma
canoa, debaixo de uma árvore.
Voltando para casa, contou aos filhos:
— Vocês me viram falando com o Zé Juca?
Pois é, estou pensando em comprar aquele terreno que ele tem na beira da praia…
Um terreno? Qual? Onde? Pra que?
Depois de tanta pergunta e resposta,
Paula nessa noite sonhou com o que o pai contou: iam ter uma casinha entre as
árvores, em frente ao mar. Como se a praia e a mata fossem um quintal imenso.
Só deles.
Outro domingo foram para lá de novo.
Desta vez, Paula e Beto já olhavam tudo com olhos de quem é dono.
Um bando de maritacas fazia um barulhão
nas árvores. Um caxinguelê deu uma corridinha assustada pelo chão, de um tronco
para outro. Uma cambaxirra saltitante e um bem-te-vi barulhento voavam pra lá e
pra cá. Na areia um caranguejo amarelo fazia um buraco. E no alto de uma árvore
um bando de micos guinchava e fazia macaquices.
Para todos eles, Paula e Beto gritavam:
— Aqui vai ser minha casa!
E assim foi durante alguns meses.
Eles sempre iam pra lá.
Os pais ficavam vendo a obra enquanto
as crianças brincavam naquela praia maravilhosa. Muitas e muitas vezes. Só
eles, uns pescadores, um monte de bichos.
Peixes mariscos e siris no mar.
Lagartinhos nas pedras. Micos e caxinguelês nas árvores, formigas e besouros na
terra, abelhas e borboletas nas flores, todo tipo de passarinho no céu.
Para todos eles, Paula e Beto iam
anunciando:
— Esta casa é minha!
Quando a casa ficou pronta, a família
começou a ir pra lá todo fim de semana.
E foi se instalando. Cheia de ideias.
— Vamos ter um cachorro.
— E um gato.
— Vamos limpar esse mato em volta da
casa para fazer um gramado!
— Vamos trazer uns postes de luz para
iluminar o jardim e o quintal!
— Vamos cimentar o chão lá atrás para
fazer uma churrasqueira!
Como se a mãe, o pai, Paula e Beto,
todos estivessem contando:
— Esta aqui é minha casa!
Estavam tão animados que nem reparavam
nas mudanças.
Nunca mais o caxinguelê tinha
aparecido. Devia ter medo de cachorro.
O gato devia ter dado sumiço nos
lagartos.
Os guinchos dos micos vinham de árvores
cada vez mais distantes.
Caranguejinho amarelo fazendo buraco?
Agora só na areia da praia.
Aquelas frutinhas do mato, que
passarinho comia, também acabaram quando o mato ficou longe. E vinha menos
passarinho cantar no quintal.
Mas a família nem reparava.
Traziam amigos para o fim de semana. Faziam
churrasco. Ligavam o som do carro em volume bem alto.
De noite, acendiam as luzes todas,
ligavam ventilador e ar-condicionado. Nem ouviam mais o barulhinho do mar na
hora de dormir.
Mas um dia o pai teve uma proposta de
trabalho em outra cidade. Iam ter de se mudar e morar por lá por um ano ou
dois.
Ficar um tempão longe da casinha da
praia. Do seu cheiro de mar, seu barulho de ondas, sua passarada.
Iam sentir muita saudade. Deixaram o
cachorro e o gato com amigos na cidade. E pediram ao Zé Juca para tomar conta
de tudo na praia. Direitinho. Para que, quando voltassem, pudessem dizer com
alegria:
— Esta casa é minha!
Quando finalmente voltaram, quase
levaram um susto.
O mato tinha crescido de novo e chegava
bem perto da casa.
Havia uma colmeia numa árvore. Um ninho
de cambaxirra na varanda. Uma casa de joão-de-barro no telhado. Formigas na
cozinha. Sapo no jardim. Uma família de lagartos instalada numas pedras atrás
da churrasqueira.
As
lâmpadas do poste estavam queimadas e o Zé Juca nem trocou por outras novas.
— Zé Juca, tinha lâmpada nova em casa.
Por que você não trocou?
— Ué, mas pra quê se quem tirou as
lâmpadas do poste fui eu…
O pai viu que não estavam queimadas
mesmo, tinham sido tiradas.
— E por quê?
— Por causa das tartarugas. Primeiro
veio a mãe, nadando de longe, como ela faz todo o ano. Botou um monte de ovos
na areia. Aí passou um tempão, todo dia o sol chocava os ovos. Já estava na
hora dos filhotes nascerem. Então eu tirei as lâmpadas, para eles não acharem
que era a luz da Lua no mar, senão eles entravam no quintal em vez de ir para a
água…
O pai resmungou com a explicação, e
reclamou ainda mais:
— Zé Juca, eu não pedi para você tomar
conta da casa? Cuidar de tudo… Como é que você deixou ficar desse jeito?
— Mas eu cuidei, Doutor. Só que eu
tomei conta de todas as casas, não só da sua.
O pai ficou meio zangado. O pescador
devia estar maluco.
—
Aqui só tem uma casa. Esta aqui, que é minha.
Mas Paula, que tinha ido até o quintal
e voltado, de repente entendeu tudo e falou:
— Tem não, pai. Vem ver. Tem uma
porção. Vem ver.
As crianças puxaram os pais pelas mãos
e foram mostrando.
— Psiu! Não faz barulho! Fica ouvindo.
Eles ouviram. As maritacas gritando. Os
micos guinchando. As abelhas zunindo. Um monte de passarinhos cantando.
Ao fundo, o vento nas folhas. E o mar, onda-vai-onda-vem,
batendo na areia e nas pedras.
— Ouviu?
— Ouvi, o que é que tem?
— Não entendeu o que eles estão
dizendo?
Todos pararam para prestar atenção. E
aos poucos foram ouvindo:
— Esta casa é minha!
Todos diziam isso. Não assim, em língua
de gente. Mas em língua de bicho — cantorias e zumbidos, guinchos e gritos.
Coisas que não são palavras, mas são o jeito de falar em passarinhês e abelhês,
em miquês e maritaquês. Mas que querem dizer a mesma coisa.
— Esta casa é minha!
Até em silêncio, tudo em volta queria
dizer a mesma coisa. Cada um com seu jeito: o caxinguelê que corria pela
árvore, o caranguejinho amarelo que deixava rastro na areia, a tartarugona que
levantava a cabeça na espuma da onda, o bando de gaivotas que mergulhava no
mar, as formigas, o bando de gaivotas que mergulhava no mar, as formigas que
trabalhavam enfileiradas por cima da pedra, o vento, o mar. Até o mato que
chegava mais perto do jardim se inclinava sobre o gramado ou se espichava para
o sol.
A família foi prestando atenção e
ouvindo de cada um:
— Esta casa é minha!
De repente, Paula começou a responder:
— Mas esta casa é minha também!
Beto entrou na brincadeira:
— É… A gente é vizinho, sabia?
O pai falou;
— Esta casa é nossa!
E a mãe comentou:
— Ainda bem que o Zé Juca tomou conta
de todas as casas, de todo mundo…
E, agora que eles aprenderam a ouvir a
linguagem de todos os vizinhos, tomam sempre o maior cuidado. Porque sabem que
fizeram a casa deles no quintal dos outros. Um quintal grande, com lugar para
todos os que sabem ouvir sempre:
— Esta casa é minha!
Ana Maria Machado. Esta
casa é minha
São Paulo, Editora
Moderna, 2009.
Entendendo o conto:
01 – Qual é o foco narrativo do livro ''Esta casa é
minha''?
Ana Maria
Machado, escreveu esta obra para crianças, portanto, o foco narrativo está em
terceira pessoa porque é a escritora quem conduz a narrativa.
02 – Quem é o autora do texto?
Ana Maria Machado.
03 – Em que lugar se passa a história?
Na praia.
04 – Quem são as personagens?
Paula, Beto, o pai, a mãe e Zé Juca.
05 – Em que lugares Paula e
Beto costumavam ir passear no final de semana?
Iam a casa dos
avós, ao parque, ao cinema, no sítio dos tios e na praia.
06 – Qual o desejo que eles dois tinham?
Ter uma casa com quintal grande.
07 – Que animais habitavam a praia onde eles costumavam
ir?
·
Um bando de Maritacas.
·
Uma Cambaxirra.
·
Um bem-te-vi.
·
Um caranguejo amarelo.
·
Um bando de micos.
08 – Que notícia o pai deu para as crianças ao voltarem
da praia?
“— Vocês me viram
falando com o Zé Juca? Pois é, estou pensando em comprar aquele terreno que ele
tem na beira da praia…”
09 – Que animais habitavam o
terreno onde eles iriam construir a casa?
“Peixes mariscos
e siris no mar. Lagartinhos nas pedras. Micos e caxinguelês nas árvores,
formigas e besouros na terra, abelhas e borboletas nas flores, todo tipo de
passarinho no céu.”
10 – Que mudanças ocorreram durante a construção da casa?
Os animais foram
desaparecendo.
11 – Por que a família precisou mudar novamente de
cidade?
Porque o pai
recebeu uma proposta de serviço em outra cidade.
12 – O que o pai de Paula e Beto pediu a Zé Juca antes de
viajar?
Para que ele tomasse
conta de tudo na praia.
13 – Que surpresa a família teve ao voltar para a casa da
praia?
O mato tinha crescido de novo. E os animais tinha voltado
para a casa.
14 – Na sua opinião, o
pescador tomou conta direitinho da casa? Por que?
Resposta pessoal
do aluno.
15 – O que a família
compreendeu ao ouvir os sons dos animais da casa?
Que eles tinham
arrumado novos vizinhos. Que as aves e os bichos tinham retornado.
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