segunda-feira, 30 de julho de 2018

CRÔNICA: NOITES DO BOGART - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Noites do Bogart

– Ana Paula...
– Jorge Alberto!
– Escuta, eu...
– Jorge Alberto, este é o Serge, meu namorado. Serge, Jorge Alberto, meu ex-marido.
– Prazer, Sérgio. Ana, eu...
– Serge.
– Hein?


– O nome dele não é Sérgio, é Serge.
– Ah. Escuta, eu posso sentar?
– Claro!
– Você Parece ótima.
– Eu estou ótima. Nunca estive tão bem.
– Pois é, Ana. Sei lá. Você não devia estar assim, tão bem. Desculpa, viu, Serge? Ele fala português?
– Ele é de Canoas.
– Ah. Desculpa, viu, Serge. Não tem nada a ver com você, mas puxa. Ana! Nós nos separamos há, o quê? Três semanas? E você está aí, radiante.
– Você queria que eu estivesse o quê? Arrasada?
– Não, podia estar bem. Mas não assim, em público, pô.
– Ah, você acha que eu não devia sair de casa?
– Olha, depois que meu pai morreu, minha mãe levou dois anos para parecer na janela. Entendeu? Não sair de casa: aparecer na janela.
– Mas Jorge Alberto, você não morreu. Eu não sou viúva. Nós só nos separamos. A vida continua, meu querido! Serge, não repare.
– Mas aqui, Ana? Logo aqui? Lembra da última vez que nós dançamos juntos? Foi aqui.
– Lembro muito bem. Aliás, foi na noite em que nós nos decidimos nos separar.
– Pois então. Isso não significa nada para você? Eu não quero bancar o antigão e tal, Ana. Mas algumas coisas devem ser respeitadas. Alguns valores ainda resistem, pombas!
– Mas vem cá: Você também não está aqui?
– Sim, mas olha a minha cara. Eu pareço radiante? Vim aqui curtir fossa. Estou sozinho. Não estou me divertindo. Homem pode sofrer em bar. Mulher não.
– Mas eu não estou sofrendo, estou ótima.
– Exatamente. E está pegando mal pra burro. Você não podia fazer isso comigo, Aninha.
– Eu não acredito...
– Deixa eu perguntar pro Serge aqui...
– Deixa o Serge fora disto.
– Não, o Serge é homem e vai me dar razão. Serge, suponhamos o seguinte...

                  Verissimo, Luís Fernando. O marido do doutor Pompeu.
                                São Paulo, Círculo do Livro, 1989. p. 81-2.
Entendendo o texto:
01 – O texto reproduz características da fala. Exemplifique essas características com trechos do texto.
      As frases incompletas, a mistura de tratamentos, as interjeições, as repetições, as indicações espaciais (logo ali), a linguagem familiar (Aninha).

02 – Em certas partes do texto observa-se maior apego às regras da escrita do que às da fala, dando a entender que o que está escrito não representa o que deveria ser dito. Justifique e exemplifique essa afirmação com trechos do texto.
      É o caso das terminações verbais do infinitivo, que não são pronunciadas com clareza. O mesmo ocorre com os plurais. São exemplos frases como “Ah, Escuta, eu posso sentar?” ou “Mais algumas coisas devem ser respeitadas”.

03 – Observe a pontuação das duas primeiras frases do texto e diferencie o estado de espírito de Ana Paula e Jorge Alberto.
      O aluno deve perceber o contraste entre a entoação sugerida pelas reticências (que traduzem a decepção de Jorge Alberto) e o ponto de exclamação (que indica a espontaneidade de Ana Paula).

04 – Uma característica da língua falada coloquial que deve ser evitada na língua escrita é a mistura dos tratamentos tu/você. Aponte passagens em que isso ocorre e proponha formas apropriadas à língua escrita culta.
      A falta de uniformidade do tratamento ocorre particularmente nas formas do imperativo afirmativo (escuta, desculpa, olha, vem e outras), da segunda pessoa do singular, que não condizem com o pronome de tratamento você, a qual comanda as formas da terceira pessoa do singular. Caso a questão apresente muitas dificuldades aos alunos – que podem não ter estudado ainda a formação do imperativo –, deve-se remetê-los às aulas de gramática.

05 – “– Não, podia estar bem. Mas não assim, em público, pô.” Esse fragmento deixa transparecer com nitidez o principal “problema” enfrentado por Jorge Alberto. O que você acha desse “problema”?
      O aluno deve perceber que o despeito de Jorge Alberto decorre principalmente da publicidade que Ana Paula faz de sua alegria. Como ele mesmo admite, ela podia estar alegre por ter se livrado dele – mas não em público...

06 – Explique o papel das reticências nesse texto e explique por que elas são mais presentes na fala de Jorge Alberto.
      Elas são usadas aqui para transmitir mais emoção e subjetividade para quem lê. Porque Jorge Alberto está emocionado, indignado.

07 – Diferencie o efeito de sentido do ponto de exclamação empregado nas falas de Ana Paula e de Jorge Alberto.
      Ana Paula usa o ponto de exclamação no sentido de surpresa, já Jorge Alberto está com raiva, indignado.


Um comentário:

  1. Jorge expressa estar indignado por encontrar sua És mulher com outro.Ana expressa naturalidade no momento da acusação e ação do es marido, seu momento é de felicidade e prazer de estar com uma outra pessoa que te faz feliz no presente.Significa que o que passou passou, vive o presente não o passado e o futuro sim a Deus pertence...O texto não diz mas em uma imaginação de quem interpreta o texto ,vai saber o que aconteceu com eles no passado ...

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