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domingo, 24 de maio de 2020

CRÔNICA: A CADEIRA DO DENTISTA - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO

Crônica: A cadeira do dentista
          
               Carlos Eduardo Novaes

   Fazia dois anos que não me sentava numa cadeira de dentista. Não que meus dentes estivessem por todo esse tempo sem reclamar um tratamento. Cheguei a marcar várias consultas, mas começava a suar frio folheando velhas revistas na antessala e me escafedia antes de ser atendido. Na única ocasião em que botei o pé no gabinete do odontólogo – tem uns seis meses –, quando ele me informou o preço do serviço, a dor transferiu-se do dente para o bolso.
        -- Não quero uma dentadura em ouro com incrustações em rubis e esmeraldas – esclareci –, só preciso tratar o canal.
        -- É esse o preço de um tratamento de canal!
        -- Tem certeza? O senhor não estará confundindo o meu canal com o do Panamá?
        Adiei o tratamento. Tenho pavor de dentista. O mundo avançou nos últimos 30 anos, mas a Odontologia permanece uma atividade medieval. Para mim não faz diferença um "pau-de-arara" ou uma cadeira de dentista: é tudo instrumento de tortura.
        Desta vez, porém, não tive como escapar. Os dentes do lado esquerdo já tinham se transformado em meros figurantes dentro da boca. Ao estourar o pré-molar do lado direito, fiquei restrito à linha de frente para mastigar maminhas e picanhas. Experiência que poderia ter dado certo, caso tivesse algum jeito para esquilo.
        A enfermeira convocou-me na sala de espera. Acompanhei-a, após o sinal-da-cruz, e entramos os dois no gabinete do dentista, que, como personagem principal, só aparece depois do circo armado.
        -- Sente-se – disse ela, apontando para a cadeira.
        -- Sente-se a senhora – respondi com educada reverência –, ainda sou do tempo em que os cavalheiros ofereciam seus lugares às damas.
        Minhas pernas tremiam. Ela tornou a apontar para a cadeira.
        -- O senhor é o paciente!
        -- Eu?? A senhora não quer aproveitar? Fazer uma obturaçãozinha, limpeza de tártaro? Fique à vontade. Sou muito paciente. Posso esperar aqui no banquinho.
        O dentista surgiu com aquele ar triunfal de quem jamais teve cárie. Ah! Como adoraria vê-lo sentado na própria cadeira extraindo um siso incluso! Mal me acomodei e ele já estava curvado sobre a cadeira, empunhando dois miseráveis ferrinhos, louco para entrar em ação. Nem uma palavra de estímulo ou reconforto. Foi logo ordenando:
        -- Abra a boca.
        Tentei, mas a boca não obedeceu aos meus comandos.
        -- Não vai doer nada!
        -- Todos dizem a mesma coisa – reagi. Não acredito mais em vocês!
        -- Abra a boca! – insistiu ele.
        Abri a boca. Numa cadeira de dentista sinto-me tão frágil quanto um recruta diante do sargento do batalhão.
        Ele enfiou um monte de coisas na minha boca e tocou o dente com um gancho.
        -- Tá doendo?
        -- Urgh argh hogli hugli.
        Os dentistas são tipos curiosos. Enchem a boca da gente de algodão, plástico, secadores, ferros e depois desandam a fazer perguntas. Não sou daqueles que conseguem responder apenas movendo a cabeça. Para mim, a dor tem nuances, gradações que vão além dos limites de um sim-não.
        -- A anestesia vai impedir a dor – disse ele, armado com uma seringa.
        -- E eu vou impedir a anestesia – respondi duro segurando firme no seu pulso.
        Ele fez pressão para alcançar minha pobre gengiva. Permaneci segurando seu pulso. Ele apoiou o joelho no meu baixo ventre. Continuei resistindo, em posição defensiva. Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou a poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.
        -- Não pense que o senhor vai me anestesiar como anestesia qualquer um – disse, dando-lhe um tapa na mão.
        A seringa voou longe e escorregou pelo assoalho. Corremos os dois pra alcançá-la, caímos no chão, embolados, esticando os braços para ver quem pegava a seringa. Tapei-lhe o rosto com meu babador e cheguei antes. A situação se invertera: eu estava por cima.
        -- Agora sou eu quem dá as ordens – vociferei, rangendo os dentes. – Abra a boca!
        -- Mas... não há nada de errado com meus dentes.
        -- A mim você não engana. Todo mundo tem problemas dentários. Por que só você iria ficar de fora? Vamos, abra essa boca!
        -- Não, não, não. Por favor – implorou. Morro de medo de anestesia.
        Era o que eu suspeitava. É fácil ser corajoso com a boca dos outros. Quero ver continuar dentista é na hora de abrir a própria boca. Levantei-me, joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo:
        -- Você não passa de um paciente!
                 Carlos Eduardo Novaes. A cadeira do dentista e outras crônicas.
 São Paulo: Ática, 1999.
Entendendo a crônica:

01 – Qual fato do cotidiano da vida das pessoas inspirou o autor a escrever a crônica?
      O fato é a ida ao dentista.

02 – Que recursos o autor usa em seu texto que o torna diferente do relato de um fato cotidiano? Identifique aspectos presentes na crônica que a diferenciam dos relatos pessoais em relação ao “mesmo” fato do cotidiano: Uma ida ao dentista.
      Ele usa pequeno fato do cotidiano (ida ao dentista) e promove com trechos mais longos uma argumentação.
      Os aspectos presentes que diferenciam dos relatos pessoais são os diálogos com enfoque humorístico.

03 – Releia o trecho a seguir, de “A cadeira do dentista”:
        “Ele subiu em cima de mim. Miserável! Gemi quase sem forças. Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa. Lembrei-me de Indiana Jones e, num gesto rápido, desviei a cabeça. A agulha penetrou a poltrona. Peguei o esguichador de água e lancei-lhe um jato no rosto. Ele voltou com a seringa.”

        Nessa passagem, aparece a referência a Indiana Jones. Por que o narrador da crônica faz alusão a essa personagem?
      Porque a personagem aproxima a crônica do universo dos filmes de aventura e faz o leitor imaginar que “lutar” contra o dentista é como travar uma luta de aventura.

04 – De acordo com o texto, observe a formação das frases:
I – Ele subiu em cima de mim.
II – Miserável.
III – Gemi quase sem forças.
IV – Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa.

a)   Qual dessa frases concentra mais informações? Por quê?
É a frase IV, porque é mais longa e tem mais verbos (palavras que indicam ações e processos).

b)   Quantos verbos há em cada uma das frases citadas?
Em I e III, há um verbo, em II não há verbo e em IV há três verbos.

c)   Indique qual é a frase nominal.
É a frase II.

d)   Em uma das frases, há uma oração adjetiva. Indique qual é a frase e qual é a oração.
Na frase IV: “que agarrava seu pulso”.

e)   Uma oração é a frase ou a parte da frase que se organiza em torno de um verbo. Sabendo disso, diga quantas orações há em cada uma das frases I, II, III e IV.
Em I e III, há uma oração. Em IV, há três. Em II, não há oração.

05 – As frases que contêm apenas uma oração são chamadas de períodos simples. As que contêm duas ou mais orações formam os períodos compostos.
        Observe a maior parte das frases a crônica e verifique: há mais períodos simples ou compostos?
      Há mais períodos compostos do que simples.

06 – Qual é a tipologia textual?
      É a narrativa.

07 – Nesse texto, qual trecho mostra que o narrador é um personagem da história?
a)   “Fazia dois anos que não me sentava numa cadeira de dentista.”.
b)   “O dentista surgiu com aquele ar triunfal de quem jamais teve cárie.”.
c)   “A seringa voou longe e escorregou pelo assoalho.”.
d)   “É fácil ser corajoso com a boca dos outros.”.

08 – A expressão “... a dor transferiu-se do dente para o bolso.” foi usada para:
a)   Destacar a parte do corpo que mais doía.
b)   Exagerar a dor de dente sentida pelo paciente.
c)   Indicar que o tratamento de dente era caro.
d)   Sugerir que a dor se espalhou pelo corpo.

09 – Nesse texto, o trecho “Levantei-me, joguei a seringa para o lado e disse-lhe, cheio de desprezo: ...” apresenta linguagem:
a)   Culta.
b)   Informal.
c)   Regional.
d)   Técnica.

10 – De acordo com o trecho “Cheguei a marcar várias consultas, mas começava a suar frio...”, o narrador estava:
a)   Cansado.
b)   Com calor.
c)   Com medo.
d)   Irritado.

11 – Nesse texto, um dos trechos que apresenta humor é:
a)   “Cheguei a marcar várias consultas, mas começava a suar frio...”.
b)   “Adiei o tratamento. Tenho pavor de dentista.”.
c)   “Ele afastou a mão que agarrava seu pulso e desceu com a seringa.”.
d)   “Não, não, não. Por favor [...]. Morro de medo de anestesia”.

12 – Nesse texto, no trecho “– Abra a boca!”, o ponto de exclamação reforça a ideia de:
a)   Surpresa.
b)   Irritação.
c)   Dúvida.
d)   Admiração.

13 – No trecho “Corremos os dois pra alcançá-la...”, o termo em destaque está substituindo a palavra:
a)   Anestesia.
b)   Mão.
c)   Seringa.
d)   Boca.

14 – O texto apresenta um sentimento comum a muitas pessoas em relação à ida ao dentista. Que sentimento seria esse?
      Sentimento de medo, pavor.

15 – Quantos personagens aparecem no texto? Quem são eles?
      Três personagens: A secretaria, o paciente e o dentista.

16 – O texto provoca humor ou procura fazer uma reflexão sobre a ida ao dentista?
      Provoca humor acerca das cenas e acontecimentos dentro do consultório do dentista.

17 – “--Eu?? A senhora não quer aproveitar? Fazer uma obturaçãozinha, limpeza de tártaro?” Qual seria o motivo que leva o paciente a estar aparentemente tão gentil com a enfermeira?
      Ele estava nervoso, apavorado.

18 – Que efeito de sentido tem a expressão “a dor transferiu-se do dente para o bolso?
      Significa que o tratamento era caro, por isso doía o bolso para pagar.

19 – Que passagem, no desfecho, expressa a ironia no final da crônica?
      “É fácil ser corajoso com a boca dos outros. Quero ver continuar, dentista é na hora de abrir a própria boca”.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

CRÔNICA: ESSAS MÃES MARAVILHOSAS E SUAS MÁQUINAS INFANTIS - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO


Crônica: Essas mães maravilhosas e suas máquinas infantis
                 
               Carlos Eduardo Novaes

        Flávia logo percebeu que as outras moradoras do prédio, mães dos amiguinhos de seu filho, Paulinho, seis anos, olhavam-na com um ar de superioridade. Não era para menos. Afinal o garoto até aquela idade – imaginem – se limitava a brincar e ir à escola. Andava em total descompasso com os outros meninos, que já desenvolveram múltiplas e variadas atividades desde a mais tenra idade. O recorde, por sinal, pertencia ao garoto Peter, filho de uma brasileira e um canadense, nascido em Nova Iorque. Peter tão logo veio ao mundo entrou para um curso de amamentação (“Como tirar o leite da mãe em 10 lições”). A mãe descobriu numa revista uma pesquisa feita por médicos da Califórnia informando sobre a melhor técnica de mamar (chamada técnica de Lindstorm, um psicanalista, autor da pesquisa, que para realizar seu trabalho mamou até os 40 anos). A maneira da criança mamar, afirmam os doutores, vai determinar suas neuroses na idade adulta.
        Uma tarde, Flávia percebeu duas mães cochichando sobre seu filho: que se pode esperar de um menino que aos seis anos só brinca e vai à escola? Flávia começou a se sentir a última das mães. Pegou o marido pelo braço dizendo que os dois precisavam ter uma conversa com o filho.
        -- O que você gostaria de fazer, Paulinho? – perguntou o pai dando uma de liberal que não costuma impor suas vontades.
        -- Brincar…
        O pai fez uma expressão grave.
        -- Você não acha que já passou um pouco da idade, filho? A vida não é uma eterna brincadeira. Você precisa começar a pensar no futuro. Pensar em coisas mais sérias, desenvolver outras atividades. Você não gostaria de praticar algum esporte?
        -- Compra um time de botão pra mim.
        -- Botão não é esporte, filho.
        -- Arco e flecha!
        Os pais se entreolharam. Nenhum dos meninos do prédio fazia o curso de arco e flecha. Paulinho seria o primeiro. Os vizinhos certamente iriam julgá-lo uma criança anormal. Flávia deu um calção de presente ao garoto e perguntou por que ele não fazia natação.
        -- Tenho medo.
        Se tinha medo, então era para a natação mesmo que ele iria entrar. Os medos devem ser eliminados na infância. Paulinho ainda quis argumentar. Sugeriu o alpinismo. Foi a vez de os pais temerem. Mas o medo dos pais é outra história. Paulinho entrou para a natação. Não deu muitas alegrias aos pais. Nas competições chegava sempre em último, e as mães dos coleguinhas continuavam olhando Flávia com uma expressão superior. As mães, vocês sabem, disputam entre elas um torneio surdo nas costas dos filhos. Flávia passou a desconfiar de que seu filho era um ser inferior. Resolveu imitar as outras mães, e além da natação colocou Paulinho na ginástica olímpica, cursinho de artes, inglês, judô, francês, terapeuta, logopedista. Botou até aparelho nos dentes do filho. Os amiguinhos da rua chamavam Paulinho para brincar depois do colégio.
        -- Não posso, tenho aula de hipismo.
        -- Depois do hipismo?
        -- Vou pro caratê.
        -- E depois do caratê?
        -- Faço sapateado.
        -- Quando poderemos brincar?
        -- Não sei, tenho que ver na agenda.
        Paulinho andava com uma agenda Pombo debaixo do braço. À noitinha chegava em casa mais cansado do que o pai em dia de plantão. Nunca mais brincou. Tinha todos os brinquedos da moda, mas só para mostrar aos amiguinhos do prédio. Paulinho dava um duro dos diabos. “Mas no futuro ele saberá nos agradecer”, dizia o pai. O garoto estava sendo preparado para ser um super-homem. E foi ficando adulto antes do tempo, como uma fruta que amadurece de véspera. Um dia, Flávia flagrou o filho com uma gravata à volta do pescoço tentando dar um laço. Quando fez sete anos disse ao pai que a partir daquele dia queria receber a mesada em dólar. Aos oito abriu o berreiro porque seus pais não lhe deram um cartão de crédito de presente. Com oito anos, entre uma aula de xadrez e de sânscrito, Paulinho saiu de casa muito compenetrado. Os amiguinhos da rua perguntaram onde ele ia:
        -- Vou ao banco.
        Caminhou um quarteirão até o banco, sentou-se diante do gerente, pediu sugestões sobre aplicações e pagou a conta de luz como um homenzinho. A façanha do garoto correu o prédio. A vizinhança começou a achá-lo um gênio. As mães dos amiguinhos deixaram de olhar Flávia com superioridade. Os pais, enfim, puderam sentir-se orgulhosos. “Estamos educando o menino no caminho certo”, declarou o pai batendo no peito. Na festa de 11 anos, que mais parecia um coquetel do corpo diplomático, um tio perguntou a Paulinho o que ele queria ser quando crescesse.
        -- Criança!
        Paulinho cresceu. Cresceu fazendo cursos e mais cursos. Abandonou a infância, entrou na adolescência, tornou-se um jovem alto, forte, espadaúdo. Virou Paulão. Entrou para a faculdade, formou-se em Economia. Os pais tinham sonhos de vê-lo na Presidência do Banco Central. Casou com uma jornalista. Paulão respirou aliviado por sair debaixo das asas da mães, que até às vésperas do casamento queria colocá-lo num curso de preparação matrimonial. Na lua de mel, avisou à mulher que iria passar os dias em casa dedicando-se à sua tese de mestrado. A mulher ia e vinha do emprego e Paulão trancado no seu gabinete de estudos. Uma tarde o marido esqueceu de passar a chave na porta. A mulher chegou, abriu e deu de cara com Paulão sentado no tapete brincando com um trenzinho.

                                       NOVAES, Carlos Eduardo. A cadeira do dentista e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994. p. 15-7.
                        Fonte: Livro – PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 7ª Série – Atual Editora -1998 – p. 145-8.
Entendendo a crônica:

01 – A vida de Paulinho altera-se profundamente quando seus pais resolvem que ele deve fazer cursos.
a)   O que os pais de Paulinho alegam ao tomar essa decisão?
Alegam que Paulinho precisa pensar no futuro.

b)   Qual é o verdadeiro desejo de Paulinho?
O de apenas brincar.

c)   Considerando a idade do garoto, você acha esse desejo normal ou anormal? Justifique.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: normal, é a idade que só pensa em brincar.

02 – Há diferenças entre o pai e a mãe de Paulinho quanto ao modo de lidar com o filho: um defende o modelo liberal de educação, e o outro, mais ansioso, representa o modelo autoritário. Dos dois:
a)   Qual é mais liberal? Por quê?
O pai é mais liberal, pois tenta inicialmente o diálogo com o filho.

b)   Qual é mais ansioso e autoritário? Por quê?
A mãe, que, pressionada pela competição entre as mães, toma a iniciativa de dizer ao marido que ambos deviam conversar com o filho.

c)   De acordo com as decisões tomadas pelos pais, qual o modelo de educação vitorioso?
O modelo da mãe, que não estava interessada em atender aos desejos do filho.

03 – Você já sabe que a ironia é um recurso de expressão que provoca uma quebra de expectativa, fazendo com que a frase ganhe um sentido contrário àquilo que se disse.
a)   Por que o título é irônico?
É irônico porque chama as mães de “maravilhosas”; o esperado seria chama-las de “terríveis”.

b)   Retire do primeiro parágrafo um trecho em que tal recurso tenha sido empregado.
No trecho: “Não era para menos. Afinal o garoto até aquela idade – imaginem – se limitava a brincar e ir à escola”, e na referência ao curso de amamentação.

04 – Leia estas frases:
·        “As outras moradoras do prédio [...] olhavam-na com um ar de superioridade”.
·        “Flávia começou a se sentir a última das mães”.
·        “Os vizinhos certamente iriam julgá-lo uma criança anormal”.
·        “Resolveu imitar as outras mães, e além da natação colocou Paulinho na ginástica olímpica, cursinho de artes [...]”.
·        “Tinha todos os brinquedos da moda, mas só para mostrar aos amiguinhos do prédio”.
Com base nessas frases, responda:
a)   Como a mãe de Paulinho se sente diante das outras mães, cujos filhos se destacam em diferentes cursos?
Sente-se inferiorizada.

b)   Quais são, então, as razões verdadeiras que motivam os pais de Paulinho a tomarem a decisão de colocá-lo em diversos cursos?
A competição entre as mães, a pressão social.

c)   Qual das frases abaixo confirma sua resposta anterior?
·        “Pegou o marido pelo braço dizendo que os dois precisavam ter uma conversa com o filho”.
·        “As mães, vocês sabem, disputam entre elas um torneio surdo nas costas dos filhos”.
·        “ ‘Mas no futuro ele saberá nos agradecer’, dizia o pai”.

05 – segundo o texto, dos 6 aos 8 anos, Paulinho fez diversos cursos, até que finalmente encontrou sua vocação e começou a se destacar entre os demais garotos do prédio.
a)   Em que tipo de atividade o garoto começou a se destacar?
Em atividades relacionadas a negócios (economia, dinheiro, aplicações).

b)   Essa “vocação” precoce está relacionada à sua futura profissão? Justifique.
Sim, porque quando adulto ele se tornou economista.

c)   Quais as consequências dessas intensas atividades no desenvolvimento do garoto? Justifique sua resposta com uma frase do texto.
Ele perde a infância e amadurece precocemente: “E foi ficando adulto antes do tempo, como uma fruta que amadurece de véspera”.

06 – Na festa de 11 anos de Paulinho, quando lhe perguntam o que quer ser quando crescer, ele responde: “Criança!”. O garoto cresce, vira Paulão e se casa.
a)   Considerando a relação que os pais tiveram com o filho durante seu crescimento, o que significa o casamento para Paulão?
Significa a libertação do domínio dos pais, principalmente do domínio da mãe.

b)   Pelo desfecho da história, Paulão realiza o desejo que teve aos 11 anos?
Sim, ao afastar-se da mãe, conseguiu finalmente ser criança de novo.

c)   Segundo o texto, “Paulinho dava um duro dos diabos” nos seus cursos. “‘Mas no futuro ele saberá nos agradecer’, dizia o pai”. Na sua opinião, Paulão, agora que é adulto, está agradecido aos pais?
Resposta pessoal do aluno.

07 – Das afirmativas seguintes, apenas uma apresenta erro quanto às ideias principais do texto. Identifique-a e explique por que está errada.
a)   O texto põe em discussão determinado modelo de educação, que não respeita as fases naturais do desenvolvimento da criança.
b)   A educação é vista pelos pais de Paulinho como simples objeto de consumo, em que o mais importante não é a criança, mas o jogo social.
c)   O texto deseja mostrar os sacrifícios a que alguém tem de se submeter desde a infância para vencer na vida.
d)   O texto demonstra que o consumismo não se limita a objetos – carros, detergentes, geladeiras, etc. –, mas se estende também a comportamentos, criando modismos, e chega até à educação.
e)   O texto critica a competição social, que se reflete também na educação dos filhos.

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CRÔNICA: NO PAÍS DO FUTEBOL - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO

Crônica: No país do futebol

      Carlos Eduardo Novaes

        Juvenal Ouriço aproximou-se de um vendedor parado à porta de uma loja de eletrodomésticos e perguntou:
        – Qual desses oito televisores os senhores vão ligar na hora do jogo?
    – Qualquer um – disse o vendedor desinteressado.
        – Qualquer um não. Eu cheguei com duas horas de antecedência e mereço uma certa consideração.

        – Para que o senhor quer saber?
        – Para já ir tomando posição diante dele.
        O vendedor apontou para um aparelho. Juvenal observou os ângulos, pegou a almofada que o acompanhava ao Maracanã e sentou-se no meio da calçada.
        – Ei, psiu – chamou-o um mendigo recostado na parede da loja – como é que é, meu irmão?
        – Quer me botar na miséria? Esse ponto aqui é meu.
        – Eu não vou pedir esmola.
        – Então senta aqui ao meu lado.
        – Aí não vai dar para eu ver o jogo.
        – Na hora do jogo nós vamos lá pra casa.
        – Você tem TV em cores?
        – Claro. Você acha que eu fico me matando aqui pra quê?
        Juvenal agradeceu. Disse que preferia ficar na loja, onde tinha marcado encontro com uns amigos que não via desde a final da Copa de 78. O mendigo entendeu. E como gostou de Juvenal, lhe deu o chapéu onde recolhia esmolas. Juvenal, distraído, enfiou-o na cabeça.
        -- Não, não. Na cabeça não.
        -- Por que não?
        -- Já viu mendigo usar chapéu na cabeça? deixe-o aí no chão. Sempre pinga qualquer coisa.
        Aos poucos o público foi aumentando, operários, vendedores, contínuos, vagabundos, e às 15h e 45min já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos, os retardatários corriam de uma para a outra à procura de uma brecha. Alguns ficavam pulando atrás da multidão tentando enxergar a tela do aparelho.
        -- Quer que eu lhe ajude? – perguntou um cidadão já meio irritado com um contínuo pulando rente às suas costas.
        -- Quero.
        -- Então me diz onde é o seu controle da vertical.
        -- Controle da vertical, por quê?
        -- Pra ver se você para de pular aqui nas minhas costas.
        As lojas concentravam multidões. As calçadas da cidade, que já são poucas, desapareciam completamente. Em jogos da Seleção Brasileira, durante a semana, cresce bastante o número de atropelamentos porque o pedestre é obrigado a circular pelas ruas. Além disso, os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no trânsito.
        Na porta da loja onde estava Juvenal havia umas 200 pessoas do lado de fora e somente uma do lado de dentro: o gerente. Até os vendedores da loja já tinham se bandeado afirmando que assistir a um jogo atrás da televisão não é a mesma coisa que vê-lo atrás do gol. Quando a bola saía entravam os comentários dos torcedores.
        No início do segundo tempo, um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga) foi pedindo licença à galera e com muita dificuldade conseguiu entrar na loja. O gerente foi ao seu encontro: “O senhor deseja algo?”
        – Um aparelho de televisão.
        – Por que o senhor não leva aquele?
        – Qual?
        – Aquele que está ligado ali na porta.
        – É bom?
        – O senhor ainda pergunta? Acha que haveria 200 pessoas diante dele se não tivesse uma boa imagem?
        – Bem…
        – E não é só isso – completou o gerente aproveitando a euforia do público com um gol do Brasil – que outro aparelho transmite emoções tão fortes?
        -- Essa gritaria toda foi diante do aparelho?
        -- Lógico. Esse é o novo televisor AP-007 dotado de controle de emoção. Só este televisor pode leva-lo do choro convulsivo à completa euforia.
        -- É mesmo? E se eu desejar vê-lo sentado quietinho na poltrona?
        -- Também pode, mas é aconselhável desligar o botão da emoção, se não o senhor não vai conseguir ficar quietinho na poltrona.
        O cidadão convenceu-se. Disse que ia levá-lo. O gerente, precavido, pediu-lhe para ir à porta da loja apanhá-lo. O cidadão não teve dúvidas. Ignorando aquela massa toda diante do seu aparelho, foi lá tranquilamente e cleck. Desligou-o.
        O que aconteceu depois eu deixo por conta da imaginação de vocês.

      NOVAES, Carlos Eduardo e outros. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991. p. 67-70.

Entendendo a crônica:

01 – O início da crônica apresenta uma cena comum: um homem vai a uma loja de eletrodomésticos para assistir, da calçada, a um jogo de futebol em um dos televisores à venda. Depois disso, no entanto, já não podemos dizer que o que acontece é tão frequente assim. Responda: que situações incomuns ou inesperadas ocorrem desde o início do texto até o momento em que o homem se senta na calçada?
      Ele pergunta ao vendedor qual televisor vão ligar na hora do jogo e ainda cobra atenção especial. Além disso, senta-se no meio da calçada com uma almofada.

02 – Quando o personagem Juvenal Ouriço senta-se na calçada, um mendigo puxa conversa com ele. O que pode ser considerado incomum entre as coisas que o mendigo lhe diz?
      O mendigo revela que tem casa com TV em cores e considera que o que está fazendo é um trabalho difícil. Além disso, oferece o chapéu a Juvenal, para que ele também peça esmola.

03 – Situações incomuns ou inesperadas são utilizadas pelos escritores em diversos gêneros textuais, mas com objetivos diferentes. Por exemplo, em histórias de terror, o inesperado é usado para dar sustos e causar medo; em histórias de aventura, um acontecimento inesperado pode dar mais ação à narrativa e ajudar a prender a atenção de quem está lendo. No caso dessa crônica, com que finalidade você acha que as situações inesperadas foram utilizadas?
      Elas foram utilizadas para gerar humor.

04 – A crônica “No país do futebol” foi publicada na década de 1970 em um jornal do Rio de Janeiro. Como outras crônicas, ela está baseada em acontecimentos reais do dia-a-dia e, graças a isso, a narrativa nos permite conhecer características da época em que foi escrita. Levando isso em conta, responda às questões a seguir.
a)   Transcreva do texto trechos que mostrem que muita gente já gostava de futebol naquela época.
“Aos poucos o público foi aumentando [...] já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos”; “As lojas concentravam multidões”; “Em jogos da Seleção [...] os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no transito”; “Na porta da loja onde estava Juvenal havia umas 200 pessoas do lado de fora [...]”; “[...] um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga)...”.

b)   Quando está falando com o mendigo, Juvenal se espanta de ele possuir um televisor em cores em sua casa. Levando em conta a situação dele, por que você acha que ele se espantou?
Provavelmente porque, além de ser inesperado para a época um mendigo ter televisor, os aparelhos em cores deviam ser muito caros, já que se tratava de uma novidade no país.

c)   Atualmente, é comum as pessoas se reunirem em praças públicas para assistir em telões, em clima de festa, aos jogos da Copa do Mundo. Levando em conta as informações anteriores, por que você acha que naquela época as pessoas iam assistir ao jogo na rua, diante de uma loja? O motivo seria o mesmo de hoje?
Provavelmente não. O motivo de as pessoas iam para as ruas para assistir ao jogo devia ser o de que o televisor era um artigo muito caro e inacessível para boa parte das pessoas, especialmente o televisor em cores.

d)   Que trecho do texto mostra que a cidade estava preparada para esse tipo de aglomeração durante os jogos?
O trecho no qual se diz que ocorriam muitos atropelamentos porque os pedestres eram obrigados a circular pelas ruas, já que muita gente assistindo aos jogos nas calçadas, diante das lojas.

05 – No final da crônica, um homem entra na loja para comprar um televisor. Que características do aparelho são apontadas pelo vendedor e o que ele utiliza para comprovar sua qualidade?
      O vendedor fala de características como a boa imagem e a existência de um “controle de emoção”. Para comprovar a qualidade disso, utiliza a multidão que está diante do aparelho vendo o jogo.