quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

CONTO: BONITOS, RICOS E MALVADOS - CARLOS DIAS - COM GABARITO

 CONTO: Bonitos, ricos e malvados

            Individualistas e arrogantes, adolescentes da chamada elite ignoram valores éticos e desprezam as normas mais elementares de cidadania

          Carlos Dias

        Aquela quinta-feira tinha tudo para terminar tão bem quanto qualquer outra das mais de setecentas quintas-feiras anteriores na vida do motorista do Gol verde. Ao lado da namorada, ele dirigia tranquilo para casa depois de um programa de lazer tipicamente paulista – cineminha seguido de uma parada num restaurante. Faltava pouco para a meia-noite. O trânsito fluía bem na avenida Rebouças, uma das mais movimentadas de São Paulo. A cor da luz do semáforo era verde.

        Aquela quinta-feira também tinha tudo para ser igual a qualquer terça, segunda ou sexta-feira na vida do motorista do Chevette branco. Ao lado de amigos, ele dirigia à vontade em meio ao estrepitar quase imperceptível dos pneus de centenas de carros deslizando simultaneamente pela avenida Henrique Schumman. A profusão de luzes dos automóveis e letreiros inundava de cores os olhos do rapaz. A cor da luz do semáforo era vermelha.

        Aquela quinta-feira, no entanto, terminou antes da hora, de repente, no cruzamento das duas avenidas, no encontro inesperado entre os dois carros. O guinchar dos discos de freio, a fumaça branca dos pneus pretos raspando no asfalto e o cheiro da borracha queimada se misturaram com o ruído do aço se retorcendo, se retraindo. Apesar da violência do choque, ninguém sofreu um único arranhão. Prejuízo material e susto foram as únicas consequências do acidente – nada que não pudesse ser resolvido civilizadamente. Afinal, eles pertenciam ao que se costuma chamar de elite, embora a simplicidade dos automóveis não denunciasse isso.

        O que se viu a seguir, no entanto, foi uma cena de pura barbárie. O motorista do Chevette branco e seus comparsas resolveram pôr fim à pequena pendenga de trânsito com tacos de beisebol. Não importava que eles tivessem passado o sinal vermelho. O fato de o motorista ser menor de idade e, portanto, não ter carteira de habilitação, era também apenas um detalhe. Nada parecia ter importância, a não ser eles mesmos. Enquanto um segurava a namorada, os outros quatro passaram a espancar o motorista do Gol verde. Golpe a golpe. O ruído seco da madeira contra os ossos do rapaz encheu o ar de horror e de gritos de dor. Enquanto um braço erguia um taco no ar para ganhar impulso, outra mão descia para bater com mais força. Não havia trégua. Só pararam quando a sua vítima começou a convulsionar no chão.

        Histórias como essa vêm se repetindo com frequência cada vez maior entre os adolescentes da chamada elite brasileira – esse segmento da sociedade frequentemente identificado como modelo de cidadania e guardião da moral e dos bons costumes, seja lá o que tudo isso signifique para eles. Nem todas essas histórias chegam às páginas dos jornais, como a do índio pataxó queimado vivo em abril passado. Nem todas chegam às barras da Justiça, como a dos trogloditas dos tacos de beisebol. Nem todas são tão violentas ou têm final tão trágico. O que todas têm em comum, no entanto, é o alto grau de sordidez, de desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.

        Boné de boiola – “Há poucos anos, eu ainda me preocupava com o planeta que íamos deixar para nossos filhos”, diz a dramaturga Maria Adelaide Amaral. “Hoje, me preocupa nas mãos de quem vamos deixar o planeta”. A preocupação não é para menos. Essa linhagem parece só reconhecer como espaço aquele identificado na escritura em nome da família. Emporcalham praias e avenidas, estacionam sobre calçadas e atiram latas de cerveja pela janela do carro como se o mundo fora de seus condomínios fechados fosse uma grande lata de lixo. Evidentemente, não se pode generalizar. Mas também não se pode negar que basta uma minoria barulhenta para conspurcar a maioria silenciosa e civilizada.

        Arrogantes e presunçosos, esses moleques bem-nascidos e malcriados estão crescendo encastelados num mundo de faz-de-conta. No planeta em que eles acham que vivem, o idioma não inclui palavras como por favor ou obrigado, com licença ou sinto muito. Seres humanos são apenas aqueles de pele branca que dirigem carros novos, de preferência importados. Para eles, civilidade é comer com o talher certo em restaurantes de Miami e cidadania é o direito de usar o telefone celular onde bem entender. Seu contato com o mundo real se dá por meio de uma asséptica forma de ficção quase científica: a televisão. “A maioria dos meus amigos não perde o 190 Urgente”, diz um desses garotos.

        As cenas de miséria e violência no país são vistas, no entanto, com o distanciamento de quem assiste a um documentário, por exemplo, sobre a longínqua Quirguízia. Não existe, enfim, vida inteligente fora do condomínio. Ou melhor: não existe vida. E ponto. Presos a estereótipos, julgam outros adolescentes e a si próprios pelas grifes que usam, que têm de ser norte-americanas legítimas, é claro. Calvin Klein, Gap e Guess estão entre as preferidas. Nem o boné escapa. Tem de ser Polo by Ralph Lauren, usado obrigatoriamente com a aba encurvada. “Só boiola usa com a aba reta”, diz o menino. Para essa geração, porém, os símbolos de status não se limitam a grifes. Eles incorporaram as ambições materiais de seus pais e se preocupam cada vez mais com coisas como viagens de compras aos Estados Unidos ou casa na praia.

           Revista Educação. São Paulo, Editora Segmento, out. 1997, n. 19.

        Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 140-2.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Imperceptível: que não se percebe.

·        Sordidez: baixaria.

·        Simultaneamente: ao mesmo tempo.

·        Linhagem: origem, família.

·        Profusão: quantidade.

·        Conspurcar: sujar.

·        Retrair: recuar, fechar.

·        Civilidade: educação.

·        Barbárie: selvageria.

·        Asséptica: limpa.

·        Segmento: parte.

·        Estereótipo: tipo padronizado, que não varia.

02 – Localize o acidente mencionado no início do texto no tempo e no espaço.

      O acidente ocorreu em São Paulo, no cruzamento entre as avenidas Rebouças e Henrique Schaumman, pouco antes da meia-noite de uma quinta-feira.

03 – Identifique e qualifique os dois grupos envolvidos no acidente.

      No Chevette branco, estava um grupo de adolescentes de classe média alta e no Gol verde, um casal também de classe média alta.

04 – Como os adolescentes “resolveram” o problema da batida? O que eles revelaram nessa solução?

      Eles “resolveram” o problema espancando o motorista do Gol. Revelaram agressividade, nenhuma educação, desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.

05 – Uma das partes envolvidas tinha razão no acidente? Por quê?

      O motorista do Gol estava certo. O motorista do Chevette era menor de idade, não possuía habilitação e passou o sinal vermelho.

06 – Como você entende: “O que todas têm em comum, no entanto, é o alto grau de sordidez, de desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.”?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – A verdadeira personagem deste texto é toda uma fatia de uma geração. Como os membros desse segmento veem:

a)   A ecologia?

Algo sem importância alguma.

b)   A boa educação?

Desconsideram.

c)   A realidade?

Algo distante, conhecido apenas por meio da televisão.

d)   A cortesia?

Nenhuma importância.

e)   O respeito humano?

Nenhuma preocupação.

08 – Por meio de que critérios esses adolescentes julgam seus semelhantes?

      Eles o fazem pelas roupas de grife que usam.

09 – Quais são os valores desses adolescentes?

      São os valores materiais herdados dos pais.

10 – O texto é dissertativo, mas apresenta também uma parte narrativa. Identifique onde começa e onde termina o trecho narrativo.

      Vai do início até “... convulsionar no chão”.

11 – Com que objetivo o autor teria escrito o texto que analisamos?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A necessidade de denunciar um tipo de comportamento, cada vez mais frequente, que se caracteriza pelo alto grau de sordidez, desprezo e falta de respeito ao ser humano.

 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

CONTO: VIDROS QUEBRADOS - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: Vidros quebrados - Machado de Assis

Texto-fonte:

 Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

 

Publicado originalmente em Gazeta Literária, em 15/10/1883.

 

  

— Homem, cá para mim isto de casamentos são coisas talhadas no céu. É o que diz o povo, e diz bem. Não há acordo nem conveniência nem nada que faça um casamento, quando Deus não quer...

 

— Um casamento bom, emendou um dos interlocutores.

 

— Bom ou mau, insistiu o orador. Desde que é casamento é obra de Deus. Tenho em mim mesmo a prova. Se querem, conto-lhes... Ainda é cedo para o voltarete. Eu estou abarrotado...

 

Venâncio é o nome deste cavalheiro. Está abarrotado, porque ele e três amigos acabavam de jantar. As senhoras foram para a sala conversar do casamento de uma vizinha, moça teimosa como trinta diabos, que recusou todos os noivos que o pai lhe deu, e acabou desposando um namorado de cinco anos, escriturário no Tesouro. Foi à sobremesa que este negócio começou a ser objeto de palestra. Terminado o jantar, a companhia bifurcou-se; elas foram para a sala, eles para um gabinete, onde os esperava o voltarete habitual. Aí o Venâncio enunciou o princípio da origem divina dos matrimônios, princípio que o Leal, sócio da firma Leal & Cunha, corrigiu e limitou aos matrimônios bons. Os maus, segundo ele explicou daí a pouco, eram obra do diabo.

 

— Vou dar-lhes a prova, continuou o Venâncio, desabotoando o colete e encostando o braço no peitoril da janela que abria para o jardim. Foi no tempo da Campestre... Ah! os bailes da Campestre! Tinha eu então vinte e dois anos. Namorei-me ali de uma moça de vinte, linda como o sol, filha da viúva Faria. A própria viúva, apesar dos cinquenta feitos, ainda mostrava o que tinha sido. Vocês podem imaginar se me atirei ou não ao namoro...

 

— Com a mãe?

 

— Adeus! Se dizem tolices, calo-me. Atirei-me à filha; começamos o namoro logo na primeira noite; continuamos, correspondemo-nos; enfim, estávamos ali, estávamos apaixonados, em menos de quatro meses. Escrevi-lhe pedindo licença para falar à mãe; e, com efeito, dirigi uma carta à viúva, expondo os meus sentimentos, e dizendo que seria uma grande honra, se me admitisse na família. Respondeu-me oito dias depois que Cecília não podia casar tão cedo, mas que, ainda podendo, ela tinha outros projetos, e por isso sentia muito, e pedia-me desculpa. Imaginem como fiquei! Moço ainda, sangue na guelra, e demais apaixonado, quis ir à casa da viúva, fazer uma estralada, arrancar a moça, e fugir com ela. Afinal, sosseguei e escrevi a Cecília perguntando se consentia que a tirasse por justiça. Cecília respondeu-me que era bom ver primeiro se a mãe voltava atrás; não queria dar-lhe desgostos, mas jurava-me pela luz que a estava alumiando, que seria minha e só minha...

 

Fiquei contente com a carta, e continuamos a correspondência. A viúva, certa da paixão da filha, fez o diabo. Começou por não ir mais à Campestre; trancou as janelas, não ia a parte nenhuma; mas nós escrevíamos um ao outro, e isso bastava. No fim de algum tempo, arranjei meio de vê-la, à noite, no quintal da casa. Pulava o muro de uma chácara vizinha, ajudado por uma boa preta da casa. A primeira coisa que a preta fazia era prender o cachorro; depois, dava-me o sinal, e ficava de vigia. Uma noite, porém, o cachorro soltou-se e veio a mim. A viúva acordou com o barulho, foi à janela dos fundos, e viu-me saltar o muro, fugindo. Supôs naturalmente que era um ladrão; mas no dia seguinte, começou a desconfiar do caso, meteu a escrava em confissão, e o demônio da negra pôs tudo em pratos limpos. A viúva partiu para a filha:

 

— Cabeça de vento! peste! isto são coisas que se façam? foi isto que te ensinei? Deixa estar; tu me pagas, tão duro como osso! Peste! peste!

 

A preta apanhou uma sova que não lhes digo nada: ficou em sangue. Que a tal mulherzinha era das arábias! Mandou chamar o irmão, que morava na Tijuca, um José Soares, que era então comandante do 6º batalhão da Guarda Nacional; mandou-o chamar, contou-lhe tudo, e pediu-lhe conselho. O irmão respondeu que o melhor era casar Cecília sem demora; mas a viúva observou que, antes de aparecer noivo, tinha medo que eu fizesse alguma, e por isso tencionava retirá-la de casa, e mandá-la para o convento da Ajuda; dava-se com as madres principais...

 

Três dias depois, Cecília foi convidada pela mãe a aprontar-se, porque iam passar duas semanas na Tijuca. Ela acreditou, e mandou-me dizer tudo pela mesma preta, a quem eu jurei que daria a liberdade, se chegasse a casar com a sinhá-moça. Vestiu-se, pôs a roupa necessária no baú, e entraram no carro que as esperava. Mal se passaram cinco minutos, a mãe revelou tudo à filha; não ia levá-la para a Tijuca, mas para o convento, de onde sairia quando fosse tempo de casar. Cecília ficou desesperada. Chorou de raiva, bateu o pé, gritou, quebrou os vidros do carro, fez uma algazarra de mil diabos. Era um escândalo nas ruas por onde o carro ia passando. A mãe já lhe pedia pelo amor de Deus que sossegasse; mas era inútil. Cecília bradava, jurava que era asneira arranjar noivos e conventos; e ameaçava a mãe, dava socos em si mesma... Podem imaginar o que seria.

 

Quando soube disto não fiquei menos desesperado. Mas, refletindo bem compreendi que a situação era melhor; Cecília não teria mais contemplação com a mãe, e eu podia tirá-la por justiça. Compreendi também que era negócio que não podia esfriar. Obtive o consentimento dela, e tratei dos papéis. Falei primeiro ao Desembargador João Regadas, pessoa muito de bem, e que me conhecia desde pequeno. Combinamos que a moça seria depositada na casa dele. Cecília era agora a mais apressada; tinha medo que a mãe a fosse buscar, com um noivo de encomenda; andava aterrada, pensava em mordaças, cordas... Queria sair quanto antes.

 

Tudo correu bem. Vocês não imaginam o furor da viúva, quando as freiras lhe mandaram dizer que Cecília tinha sido tirada por justiça. Correu à casa do desembargador, exigiu a filha, por bem ou por mal; era sua, ninguém tinha o direito de lhe botar a mão. A mulher do desembargador foi que a recebeu, e não sabia que dizer; o marido não estava em casa. Felizmente, chegaram os filhos, o Alberto, casado de dois meses, e o Jaime, viúvo, ambos advogados, que lhe fizeram ver a realidade das coisas; disseram-lhe que era tempo perdido, e que o melhor era consentir no casamento, e não armar escândalo. Fizeram-me boas ausências; tanto eles como a mãe afirmaram-lhe que eu, se não tinha posição nem família, era um rapaz sério e de futuro. Cecília foi chamada à sala, e não fraqueou: declarou que, ainda que o céu lhe caísse em cima, não cedia nada. A mãe saiu como uma cobra.

 

Marcamos o dia do casamento. Meu pai, que estava então em Santos, deu-me por carta o seu consentimento, mas acrescentou que, antes de casar, fosse vê-lo; podia ser até que ele viesse comigo. Fui a Santos. Meu pai era um bom velho, muito amigo dos filhos, e muito sisudo também. No dia seguinte ao da minha chegada, fez-me um longo interrogatório acerca da família da noiva. Depois confessou que desaprovava o meu procedimento.

 

— Andaste mal, Venâncio; nunca se deve desgostar uma mãe...

 

— Mas se ela não queria?

 

— Havia de querer, se fosses com bons modos e alguns empenhos. Devias falar a pessoa de tua amizade e da amizade da família. Esse mesmo desembargador podia fazer muito. O que acontece é que vais casar contra a vontade da tua sogra, separas a mãe da filha, e ensinaste a tua mulher a desobedecer. Enfim, Deus te faça feliz. Ela é bonita?

 

— Muito bonita.

 

— Tanto melhor.

 

Pedi-lhe que viesse comigo, para assistir ao casamento. Relutou, mas acabou cedendo; impôs só a condição de esperar um mês. Escrevi para a Corte, e esperei as quatro mais longas semanas da minha vida. Afinal chegou o dia, mas veio um desastre, que me atrapalhou tudo. Minha mãe deu uma queda, e feriu-se gravemente; sobreveio erisipela, febre, mais um mês de demora, e que demora! Não morreu, felizmente; logo que pôde viemos todos juntos para a Corte, e hospedamo-nos no Hotel Pharoux; por sinal que assistiram, no mesmo dia, que era o 25 de março, à parada das tropas no Largo do Paço.

 

Eu é que não me pude ter, corri a ver Cecília. Estava doente, recolhida ao quarto; foi a mulher do desembargador que me recebeu, mas tão fria que desconfiei. Voltei no dia seguinte, e a recepção foi ainda mais gelada. No terceiro dia, não pude mais e perguntei se Cecília teria feito as pazes com a mãe, e queria desfazer o casamento. Mastigou e não respondeu nada. De volta ao hotel, escrevi uma longa carta a Cecília; depois, rasguei-a, e escrevi outra, seca, mas suplicante, que me dissesse se deveras estava doente, ou se não queria mais casar. Responderam-me vocês? Assim me respondeu ela.

 

— Tinha feito as pazes com a mãe?

 

— Qual! Ia casar com o filho viúvo do desembargador, o tal que morava com o pai. Digam-me, se não é mesmo obra talhada no céu?

 

— Mas as lágrimas, os vidros quebrados?...

 

— Os vidros quebrados ficaram quebrados. Ela é que casou com o filho do depositário, daí a seis semanas... Realmente, se os casamentos não fossem talhados no céu, como se explicaria que uma moça, de casamento pronto, vendo pela primeira vez outro sujeito, casasse com ele, assim de pé para mão? É o que lhes digo. São coisas arranjadas por Deus. Mal comparado, é como no voltarete: eu tinha licença em paus, mas o filho do desembargador, que tinha outra em copas, preferiu e levou o bolo.

 

— É boa! Vamos à espadilha.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.lindevidros.com.br%2Fblog%2Fcomo-descartar-vidros-quebrados%2F&psig=AOvVaw1OWS-fRBUXqu18BhT2RaxD&ust=1608039605132000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPCqi8TMze0CFQAAAAAdAAAAABAD 

ENTENDENDO O CONTO


 1)   Qual é o tema tratado no conto?

    O poder e a interferência Divina sobre relações amorosas, que resultam em casamento, são maiores que o poder humano.


 2)   Como são apresentadas as personagens do conto? De forma leve ou são descritas de maneira mais profunda?

            São descritas de maneira mais profunda.

           Venâncio – homem apaixonado, determinado, sonhadora.

          Cecília – linda, apaixonada, obediente a sua mãe.

          Viúva – intolerante e dominadora.

 3)   Que tipo de texto predomina no conto (narrativo, descritivo, injuntivo, expositivo ou argumentativo)?

Narrativo-interpretativo, pois por intermédio do personagem Venâncio, analisa fatos e julga-os sob uma visão filosófica com amparo de um dito popular.

 4)   O que faz com que Cecília quebre o juramento e, ao invés de se casar com Venâncio, se casa com Jaime? Responda baseando-se em fatos do texto.

Ela tinha feito as pazes com sua mãe e casa-se com Jaime (o viúvo) filho de desembargador.

 5)   Como você explicaria o título do conto “Vidros quebrados”?

Resposta pessoal.

 6)   Venâncio coloca uma teoria no início do conto. Qual é?

Casamento é obra de Deus.

 7)   Ao final do conto, você acredita que Venâncio conseguiu comprovar sua teoria inicial? Você acredita que a teoria é verdadeira? Que na vida real, os casamentos só dão certo se forem “obra de Deus”? Justifique com exemplos de casos que você conhece.

Resposta pessoal.

8)   Que tipo de narrador aparece no conto?

Narrador-personagem, pois ele participa da história.

 9)   Que tipo de linguagem é empregada no conto? Formal ou informal? Aparecem gírias e expressões características da fala?

Informal, pois é aplicada quando os interlocutores são amigos ou familiares e em momentos de descontração, nesse caso logo após um jantar entre amigos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

CRÔNICA: SALVE-SE QUEM PUDER - PEDRO BIAL - COM GABARITO

 Crônica: SALVE-SE QUEM PUDER

                Pedro Bial

        Volta e meia, alguém pergunta como anda a minha adaptação ao Brasil. Vai indo, digo eu, disfarçando o fato de que nunca me adaptei a lugar nenhum, ainda que me adapte a qualquer lugar. Não estranho cama ou travesseiro, ou a ausência deles. Estranho, sim, qualquer tipo de permanência.

        Para ser sucinto e direto, a melhor maneira de falar sobre a minha (ou melhor nossa, minha e de minhas crianças) adaptação ou inadaptação, é comentar o trânsito nas grandes cidades brasileiras.

        Toda a nossa falta de civilidade e o nosso pouco apreço pela vida ficam evidentes na loucura de nosso tráfego.

        O caso da demissão de nosso ministro, dos transportes!, é exemplar.

        O que passa pela cabeça de uma das mais altas figuras da República ao fugir covardemente da cena de um atropelamento? Se o destino não tivesse urdido a presença de uma testemunha casual teria sido mais um caso, uma causa e nenhuma consequência na selvageria assassina de nossas ruas.

        Cada um de nossos motoristas dirige contra todos os outros, em vez de conduzir a favor de sua própria segurança.

        Mas, como diria o esquartejador, vamos por partes:

        -- A impressão que se tem é de que se as buzinas dos carros brasileiros pifassem, ninguém sairia de casa. Nossos automóveis parecem movidos a buzina...

        -- Junte-se a buzina ao raro evento de alguém parar no sinal vermelho. Na melhor das hipóteses, o carro que vem atrás buzina para que o da frente avance. Na maior parte das vezes, a buzinada é acompanhada de uma aceleração ameaçadora. Também é comum o sujeito ir aproximando os pára-choques como se estivesse pronto a passar por cima. Como é que alguém ousa parar no sinal vermelho?

        E tem a célebre definição de Millôr Fernandes de fração de segundo: o tempo entre o sinal abrir e alguém buzinar atrás de você.

        -- O que a nossa imbecilidade coletiva não consegue enxergar é que se não respeitamos os vermelhos, não podemos confiar nos verdes. Cada cruzamento é uma roleta-russa.

        -- Seguir o carro da frente parece humilhação. Se alguém vai em sua dianteira, a obrigação do motorista brasileiro é ultrapassar. Em geral, o sujeito não tem pressa; é apenas parte da mentalidade “autopista” onipresente em nosso asfalto.

        -- Ultrapassar pela esquerda não satisfaz. Bom é cortar pela direita, de surpresa, acrescentando algum gesto obsceno ou sonoro palavrão à ultrapassagem pela direita.

        -- O ziguezague! De preferência dentro de um túnel movimentado. Na Inglaterra, como na maioria dos países civilizados, o ziguezague dá cadeia. Principalmente, porque quando faz o ziguezague, o motorista denuncia a si mesmo. O impulso de mudar de pista, cortando todos os outros veículos, é típico de motoristas alcoolizados.

        -- Consideramos absolutamente normal beber e dirigir. No resto do mundo, o motorista pilhado bêbado ao volante é conduzido ao xadrez como um assassino.

        -- E os ônibus... Ah, os ônibus! Em qualquer grande cidade do mundo, o trânsito só flui graças a pistas exclusivas para os transportes coletivos. Os ônibus ganham a sua faixa própria mas não ousam trafegar pelas outras pistas. Já por aqui, todas as pistas são invadidas e monopolizadas pelos monstros barulhentos e malcheirosos. A agressividade de seus motoristas pode ser explicada pelos baixos salários e falta de condições de trabalho, mas não deve ser perdoada.

                 Crônicas de um repórter. São Paulo, Objetiva, 1996.

       Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 126-8.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Sucinto: que usa poucas palavras, conciso.

·        Roleta-russa: jogo com revólver que contém apenas uma bala.

·        Apreço: estima, consideração.

·        Urdido: tramado, tecido.

·        Onipresente: presente em todos os lugares.

·        Esquartejador: aquele que corta em pedaços.

·        Obsceno: imoral.

·        Evento: acontecimento.

·        Monopolizadas: possuídas, exploradas com exclusividade.

·        Hipótese: ideia ou explicação não provada.

02 – Como se sente o narrador em relação ao Brasil?

      Ele ainda está em processo de adaptação.

03 – Qual o fato que deu origem à crônica?

      A demissão de um ministro dos transportes flagrado ao fugir covardemente da responsabilidade por um atropelamento.

04 – Por que o narrador escolhe o tema “trânsito nas grandes cidades brasileiras”?

      Porque o tema demonstra nossa falta de civilidade e pouco apreço pela vida.

05 – Como dirigem, segundo o texto, os motoristas brasileiros?

      Dirigem contra todos os outros motoristas.

06 – Qual a consequência principal do estilo brasileiro de dirigir?

      O elevado número de acidentes.

07 – Como você interpreta esta afirmação: “Cada cruzamento é uma roleta-russa”?

      Resposta pessoal do aluno.

08 – Como se sente o narrador em relação ao trânsito brasileiro?

      Sente-se mal, critica a irresponsabilidade e a impunidade que vê em toda a parte.

09 – O texto contém várias críticas aos motoristas brasileiros. Você concorda ou discorda delas? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

CONTO: O MISTÉRIO DO PROFESSOR DE QUÍMICA - IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO - COM GABARITO

 Conto: O mistério do professor de Química

               Ignácio de Loyola Brandão

    Certo dia, Machadinho aproximou-se de minha carteira.

        -- O menino entrou para o científico por quê? Olhei suas notas de Matemática e Física. Você é uma nulidade. Pretende ser engenheiro, arquiteto, médico?

        -- Nada disso. Nem sei o que pretendo ser.

        -- Mas vejo que o menino escreve em jornal. Escreve direito, faz umas críticas de cinema.

        -- Faço. Talvez eu queira ser diretor de cinema.

        -- E por que não se matriculou no clássico?

        -- Como é mais fácil, não tinha mais vaga e eu não podia parar de estudar.

        -- Não pensa escrever livros? Leva jeito.

        -- Levo? Pode ser, pode ser, gosto de inventar.

        -- Então, vamos fazer um acordo? De hoje em diante, o menino senta na última carteira. Fica lendo, escrevendo, fazendo o que quiser. Só não bagunce. No dia das provas, resolvo o problema para você e fica garantida a nota 4, suficiente para passar. Agora, tenha notas altas em Português, Línguas, Histórias, para ajudar a média geral.

        E assim foi. Não me preocupei mais com a Química. Ficava lendo e, muitas vezes, ele dava uma prova e ia para o fundo, ficávamos a conversar generalidades, ele me ensinava sobre o teatro de Gil Vicente, comentava as manias de Camões, contava sobre Fernando Pessoa, de quem ninguém ainda falava, relatava um conto pouco lido de Machado de Assis, despertava-me para as narrativas de Érico Veríssimo. Era uma conversa rica, estimulante, farta, copiosa. Ter aulas de Português com Machadinho devia ser divertido. Quase no final, ele resolvia o meu problema de Química, para desespero da turma que ia fazer Engenharia. Outras vezes chegava à carteira com a minha crítica de cinema, sentava-se ao lado e cascava o pau na concordância, nos regimes dos verbos, no mau uso de pronomes. “A quem interessa falar dos planos e grandes planos?”, indagava. “O grande público não tem a mínima ideia do que seja um close-up. Sabe o que interessa ao espectador de cinema? A emoção, meu filho! Cinema sem emoção é uma chatice. Literatura sem emoção é morta. Vida sem emoção não vale a pene ser vivida.”

        Será que era emoção o que ele encontrava atrás da porta do laboratório? Aquele professor de fala vibrante, voz metálica, riso irônico que metia medo e frases desconcertantes era uma figura original, desafiadora, numa cidade interiorana onde tudo era cinza, fechado, estranho. Aquele era um homem que tinha lido muito, ia ao cinema, conhecia artistas, diretores e roteiristas, comentava teatro e poesia, sabia Química e Português. Um sujeito especial. E guardava um segredo na vida. Mas qual? Como penetrar, se ele não fornecia brechas?

        Exame oral no último ano. Salão nobre. As paredes rodeadas por quadros-negros. Muitas classes faziam exame ao mesmo tempo. Havia excitação no ar, uns assistindo ao exame dos outros. O ritual era invariável. Sorteava-se o ponto retirando-o de uma garrafinha de bambu. A cada ponto correspondia uma matéria. Apanhei a garrafa com tranquilidade. Não sabia nada, para que me angustiar? Machadinho olhou o meu número, deu um sorriso sarcástico, despachou-me para um quadro-negro bem em frente a uma classe só de mulheres. Ali estavam as meninas mais bonitas de todas as turmas. Ele me ditou o problema. Tinha que resolver uma equação complicadérrima. Fiquei perplexo por instantes. E a ajuda? Machadinho se afastou, dizendo: “Quando o menino resolver, vá para a mesa terminar o exame”. Olhei para trás. Todas as meninas me olhavam. Pertencendo a uma classe ainda não tão adiantada, observavam abismadas o que eu iria fazer com aquela fórmula, para mim mais impenetrável do que para elas. Simplesmente contemplava os números e as letras, desviava o olhar para as meninas. Podia acontecer de tudo, menos fazer um papelão, sofrer um vexame. Resolveria a equação. Tinha decidido que resolveria. Comecei os meus cálculos. Fui acrescentando números, letras, raízes quadradas, X sobre Y, descobri até um pi, e fui enchendo o quadro-negro com uma barafunda das mais incompreensíveis. Cada vez que olhava para as meninas, percebia o olhar de espanto. Somente um gênio poderia saber tais coisas. Ela me olhavam sôfregas. Em todos os meus anos de científico, aquele era o da minha consagração. Seria visto, dali para a frente, como um gênio. Súbito, dei por terminada a operação, atirei o giz com desprezo e altivez para a caixinha e, triunfante, passei pela frente das alunas, em direção à mesa.

        -- O menino merece 10.

        Fiquei abismado. Teria acertado?

        -- 10. Fiz direito. Não fiz? O senhor não confiava em mim?

        -- Aquilo que você fez é a maior vigarice do mundo.

        -- Vigarice? E vai me dar 10?

        -- Pelo talento. O menino devia ser ator de cinema. Não existe ali um único dado que não seja de uma insanidade a toda prova. Mas percebi, ah se percebi. Não podia fazer feio diante de moças tão bonitas. Elas adoraram, pode ter certeza. Hoje você foi o herói delas. Este dia vai ficar na memória de cada uma. Mesmo que você não seja nada, um dia, será lembrado. Por elas e por mim. Vou dar uma boa nota pela criatividade, audácia, inventividade. E pelos recursos rápidos. Só te aconselho a não fazer pela vida afora o que fez hoje.

        Acho que nunca mais repeti a façanha falsificadora do quadro-negro e da fórmula química. Só sei que, outro dia, voltei à cidade e encontrei Machadinho. Deve estar com 90 anos. Ou mais. Ainda tem o mesmo ar que me deixa intrigado.

        -- Tenho acompanhado o menino. Vai bem. Escreve livros. Li alguns. Tem emoção. Isso você não esqueceu – a emoção. Como eu não esqueci aquele exame no salão nobre.

        Conversamos por algumas horas, diante de cálices de vinho do Porto. Então me levantei, queria me despedir e queria perguntar. Fiquei indeciso.

        -- Tem uma coisa que eu queria saber.

        -- Pergunte.

        -- Não sei se devo. Uma curiosidade que me acompanhou pela vida.

        -- Vá lá! Diga. Pergunte o que quiser!

        -- Quero saber, professor, passados quarenta anos, o que o senhor fazia com a loira assistente, os dois encerrados no laboratório.

        E ele, sorrindo, como se de repente todo aquele tempo tivesse retornado e nos envolvido.

        -- Nada, nada mesmo. Apenas ficava provocando vocês. Eu e ela.

        Tremendo gozador, sabia que éramos uns provincianos mexeriqueiros e curiosos. Ficavam ali os dois a bater papo, ler jornais, e fumar e a conversar, sabendo que na sala havia expectativas e pensamentos os mais desencontrados, escabrosos, malucos. Os dois sabiam que eram o assunto privado de cada um. E provocavam. Levei quarenta anos para descobrir que não havia mistério no laboratório.

  Meu professor inesquecível. São Paulo, Editora Gente, 1997. Org. Fanny Abramovich.

      Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 149-153.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.pintarcolorir.com.br%2Fdesenhos-para-colorir-dia-do-professor%2F&psig=AOvVaw2TXXixqqpvSnOH91iGNayZ&ust=1607733388737000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMic9KnZxO0CFQAAAAAdAAAAABAD


Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Sucinto: que usa poucas palavras, conciso.

·        Roleta-russa: jogo com revólver que contém apenas uma bala.

·        Apreço: estima, consideração.

·        Urdido: tramado, tecido.

·        Onipresente: presente em todos os lugares.

·        Esquartejador: aquele que corta em pedaços.

·        Obsceno: imoral.

·        Evento: acontecimento.

·        Monopolizadas: possuídas, exploradas com exclusividade.

·        Hipótese: ideia ou explicação não provada.

02 – Como se sente o narrador em relação ao Brasil?

      Ele ainda está em processo de adaptação.

03 – Qual o fato que deu origem à crônica?

      A demissão de um ministro dos transportes flagrado ao fugir covardemente da responsabilidade por um atropelamento.

04 – Por que o narrador escolhe o tema “trânsito nas grandes cidades brasileiras”?

      Porque o tema demonstra nossa falta de civilidade e pouco apreço pela vida.

05 – Como dirigem, segundo o texto, os motoristas brasileiros?

      Dirigem contra todos os outros motoristas.

06 – Qual a consequência principal do estilo brasileiro de dirigir?

      O elevado número de acidentes.

07 – Como você interpreta esta afirmação: “Cada cruzamento é uma roleta-russa”?

      Resposta pessoal do aluno.

08 – Como se sente o narrador em relação ao trânsito brasileiro?

      Sente-se mal, critica a irresponsabilidade e a impunidade que vê em toda a parte.

09 – O texto contém várias críticas aos motoristas brasileiros. Você concorda ou discorda delas? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.