domingo, 27 de dezembro de 2020

CONTO: MEDO DO SACI - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Medo do saci

            Monteiro Lobato

        Pedrinho, naqueles tempos, costumava passar as férias no sítio de Dona Benta, onde brincava de tudo, como está nas Reinações e na Viagem ao céu. Só não está contado o que lhe aconteceu antes da famosa viagem ao céu, quando andava com a cabeça cheia de sacis.

        A coisa foi assim. Estava ele na varanda com os olhos no horizonte, postos lá onde aparecia o verde-escuro do Capoeirão dos Tucanos, a mata virgem do sítio. De repente, disse:

        — Vovó, eu ando com ideias de ir caçar na mata virgem.

        Dona Benta, ali na sua cadeirinha de pernas cotós, entretida no tricô, ergueu os óculos para a testa.

        — Não sabe que naquela mata há onças? — disse com ar sério. — Certa vez uma onça-pintada veio de lá, invadiu aqui o pasto e pegou um lindo novilho da Vaca Mocha.

        — Mas eu não tenho medo de onça, vovó! — exclamou Pedrinho fazendo o mais belo ar de desprezo.

        Dona Benta riu-se de tanta coragem.

        — Olhem o valentão! Quem foi que naquela tarde entrou aqui berrando com uma ferrotoada de vespa na ponta do nariz?

        — Sim, vovó, de vespa eu tenho medo, não nego — mas de onça, não! Se ela vier do meu lado, prego-lhe uma pelotada do meu bodoque novo no olho esquerdo; e outra bem no meio do focinho e outra…

        — Chega! — interrompeu Dona Benta, com medo de levar também uma pelotada. — Mas além de onças existem cobras. Dizem que até urutus há naquele mato.

        — Cobra? — e Pedrinho fez outra cara de pouco-caso ainda maior. — Cobra mata-se com um pedaço de pau, vovó. Cobra!… Como se eu lá tivesse medo de cobra…

        Dona Benta começou a admirar a coragem do neto, mas disse ainda:

        — E há aranhas-caranguejeiras, daquelas peludas, enormes, que devoram até filhotes de passarinho.

        O menino cuspiu de lado com desprezo e esfregou o pé em cima. — Aranha mata-se assim, vovó — e seu pé parecia mesmo estar esmagando várias aranhas-caranguejeiras.

        — E também há sacis — rematou Dona Benta.

        Pedrinho calou-se. Embora nunca o houvesse confessado a ninguém, percebia-se que tinha medo de saci. Nesse ponto não havia nenhuma diferença entre ele, que era da cidade, e os demais meninos nascidos e crescidos na roça. Todos tinham medo de saci, tais eram as histórias correntes a respeito do endiabrado moleque duma perna só.

        Desde esse dia ficou Pedrinho com o saci na cabeça. Vivia falando em saci e tomando informações a respeito. Quando consultou Tia Nastácia, a resposta da negra foi, depois de fazer o pelo-sinal e dizer “Credo!”:

        — Pois saci, Pedrinho, é uma coisa que branco da cidade nega, diz que não há — mas há. Não existe negro velho por aí, desses que nascem e morrem no meio do mato, que não jure ter visto saci. Nunca vi nenhum, mas sei quem viu.

        — Quem?

        — O Tio Barnabé. Fale com ele. Negro sabido está ali! Entende de todas as feitiçarias, e de saci, e de mula-sem-cabeça, de lobisomem — de tudo

        Pedrinho ficou pensativo.

        [...]

 Monteiro Lobato. O Saci. São Paulo: Brasiliense, 1979.

                            Fonte: Português – Palavra Aberta – 5ª série – Isabel Cabral – Atual Editora – São Paulo, 1995. p. 05-07.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F312578030383108389%2F&psig=AOvVaw1MSieLUCoUqws0IqfAiV5_&ust=1609165116747000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMCRxKyt7u0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o conto:

01 – “Dona Benta, ali na sua cadeirinha de pernas cotós, entretida no tricô, ergueu os óculos para a testa.” Responda às perguntas abaixo. Se for preciso, consulte o dicionário.

a)   As pernas da cadeira de Dona Benta eram longas ou curtas?

Curtas.

b)   Dona Benta estava entretida no tricô. E você, quando fica entretido? Por quê?

Resposta pessoal do aluno.

02 – “Se ela vier do meu lado, prego-lhe uma pelotada do meu bodoque novo no olho esquerdo [...]”.

a)   Você já viu ou já usou um bodoque? Se a resposta for afirmativa, desenhe um bodoque em seu caderno e mostre a seus colegas que nunca tenham visto um. Diga a eles para que serve um bodoque.

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Bodoque é uma estilingue, uma atiradeira; serve para atirar coisas, como pedras.

b)   Reescreva com suas próprias palavras o trecho destacado.

Resposta pessoal do aluno.

c)   Hoje em dia, bodoques ou estilingues não são brinquedos comuns de se encontrar. Na sua opinião, por que os meninos não os usam mais em suas brincadeiras? Eles foram substituídos por outras coisas? Pelo quê?

Resposta pessoal do aluno.

03 – Pedrinho e Dona Benta são as personagens dessa história.

a)   Onde estão as duas personagens?

Na varanda do sítio.

b)   Quem narra a história também é personagem?

Não.

04 – Pedrinho quer caçar na mata virgem. Porém, sua avó mostra-lhe vários perigos existentes nesse local.

a)   Que perigos são esses?

Onças, cobras, aranhas e sacis.

b)   Pedrinho mostra ter medo de todos os perigos da mata? De que ele diz não ter medo? Por quê?

Não. Não tem medo de onça, de cobra e de aranha. Acha que é fácil feri-las ou mata-las.

c)   Você teria medo se tivesse de enfrentar onças, cobras e aranhas? Por quê?

Resposta pessoal do aluno.

d)   Você acha que caçar animais é uma boa ideia? Por quê?

Resposta pessoal do aluno.

05 – Observe o seguinte trecho do texto: “— E também há sacis — rematou Dona Benta. / Pedrinho calou-se.”. Por que Pedrinho se calou nesse momento?

      Porque ele tinha medo de saci.

 

TEXTO: EI! EU TAMBÉM QUERO! JOÃO BAPTISTA CINTRA RIBAS - COM GABARITO

 Texto: Ei! Eu também quero!

           João Baptista Cintra Ribas

        Praticamente todo mundo faz parte de uma turma, de uma galera. Como é importante ter uma galera! Pertencer a um grupo ajuda a gente a ter amigos e a fazer novas amizades.

        Mas há aqueles que não conseguem se enturmar e, então, se isolam. Uns por serem muito tímidos. Outros por acharem que, tendo uma restrição no corpo, talvez não possam brincar, correr, nadar, paquerar, se divertir como todos os seus colegas. Existem ainda aqueles pais que acham melhor para o filho, que eles consideram limitado, não se arriscar a ficar muito tempo na rua. Isso porque — acreditam eles — a criança pode piorar o seu estado.

        Muitos artistas conhecidos têm procurado escrever historinhas, acompanhadas de ilustrações, que retratam a vida cotidiana de personagens portadores de restrições no corpo ou de deficiências. Entre essas histórias, podemos citar algumas famosas: O pirata da perna de pau, de Leyguarda Ferreira; Pinocchio, de Carlo Collodi; Peter Pan, de James Barrie. Todos os personagens desses livros têm suas restrições: o pirata, porque lhe falta uma parte do corpo; Pinocchio, porque é uma marionete de madeira; Peter Pan, porque não quis crescer, limitando-se à sua infância. Porém, todos eles fazem parte de uma turma e se metem em aventuras conjuntas. Aqui no nosso caso não tem importância se são bons ou maus. O mais interessante é que, participando de aventuras fascinantes, vivem rodeados de companheiros. [...]

        Um outro autor muito famoso que escreveu e ilustrou um livro importantíssimo foi Ziraldo. A pedido da Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde), do Ministério da Justiça do Governo Federal, Ziraldo criou um personagem muito simpático. É um menino que começa sua história dizendo: “É isso: eu não posso andar”. Mas, em seguida, diz: “Por favor, não fiquem tristes; olhem, eu não quero falar de coisas que causam mágoas ou que nos fazem chorar. Olhem só: eu não sou triste, eu gosto de conversar.” Pouco a pouco, ele vai contando sua vida, sua maneira de lidar com o fato de não poder andar como aqueles que não são portadores de deficiência, seus gostos e aptidões, para, enfim, orgulhar-se de si próprio, afirmando: “Ninguém, meu caro, é perfeito!” Mais ainda: mostra, o tempo todo, o quanto ele pode viver de maneira integrada com seus amiguinhos da mesma idade.

        Outro personagem que não pode ser esquecido é aquele criado para uma série de três livros intitulada Meu amigo Down, com texto de Claudia Werneck e ilustrações de Ana Paula. Cada um dos livros foi escrito para contar a convivência de um menino portador de síndrome de Down (popularmente conhecida como mongolismo), em três situações diferentes: na rua, na escola e em casa. Num deles, os amiguinhos o veem como diferente, como um aluno que desenha mal e, às vezes, erra no dever. Mas o veem também como alguém que brinca legal, nada bem, recorta certinho. No meio disso tudo, enfatiza-se que ele tem um número grande de amiguinhos. Um deles conta como foi a visita a seu amigo Down, que tinha ficado doente. E faz um relato da visita da forma como ele o vê: “Seu quarto era bagunçado que nem o meu. Sua tosse era que nem aquela que eu tive. Todas as crianças ficam resfriadas do mesmo jeito, conclui. Sua mãe queria que ele comesse tudo para ficar bom depressa. Insistia igualzinho à minha. O remédio da febre, eu vi, era o mesmo vidro que o meu. Até seu irmão menor era chato, como o meu. O que ele tinha que eu não tinha? Tudo era tão igual, mas eu sabia que meu amigo Down era diferente. Nem pior nem melhor, apenas um amigo diferente.”

        Pois é. Essas histórias de ficção — mas que retratam fielmente a realidade — mostram que todos nós, apesar das diferenças, podemos fazer parte de uma turma e de uma galera. Se você tem uma restrição no corpo ou uma deficiência (por mais leves ou mais severas que sejam) por que não pertencer a um grupo de amigos? Afinal, todos nós — com os mais variados limites — podemos e devemos pertencer a uma galera. Se você não enxerga direito, os amigos o ajudarão a ver melhor. Se você não ouve direito, os amigos o ajudarão a ouvir melhor. Se você não pode ficar em ambientes muito fechados, os amigos poderão escolher outro ambiente mais arejado para todos irem juntos. Se você tem dificuldades para subir uma escada, os amigos o ajudarão a subir. Não é vergonha nenhuma pedir ajuda. Envergonhado deve ficar quem não quer participar de uma turma e se isola só porque tem uma restrição no corpo ou uma deficiência. [...]

        Percebendo as diferenças, as especialidades e, sobretudo, as potencialidades, toda e qualquer criança pode conviver em todo e qualquer grupo ou galera. Só assim poderá se integrar de fato, se divertir e viver.

                              Viva a diferença: convivendo com nossas restrições e diferenças. São Paulo, Moderna, 1995. P. 85-95.

         Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 165-7.

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F462041242995994384%2F&psig=AOvVaw2qlNYYXl9vWipuKA7JcuS8&ust=1609164801302000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMCNrpus7u0CFQAAAAAdAAAAABAP

Entendendo o texto:

01 – Este texto também fala da importância da turma, das amizades. Que “ingrediente” acrescenta ao tema do texto?

       A importância dos amigos para as pessoas que possuem qualquer restrição no corpo ou deficiência.

02 – Qual a ideia que o autor do texto pretende transmitir?

      Percebendo as diferenças, as especificidades, as potencialidades de cada um, toda e qualquer pessoa pode conviver em grupo, pois só assim poderá se integrar de fato, divertir-se, viver.

03 – O que o autor pretende ao citar histórias de ficção em seu texto?

      Pretende mostrar que, como as personagens dessas histórias – que são diferentes –, portadores de deficiência podem aprender a conviver com ela e viver de maneira integrada com amigos da mesma idade.

04 – Quem se respeita tende a respeitar os outros; quem não se respeita tende a diminuir os outros – justamente para sentir-se momentaneamente, de alguma forma, superior a eles. Associe esse pensamento ao que é dito no texto. Como podemos entender a afirmação feita à luz do que diz o autor?

      Resposta pessoal do aluno.

TEXTO: UMA BELA LIÇÃO - IÇAMI TIBA - COM GABARITO

 Texto: Uma bela lição

         Içami Tiba

        Ainda pequeno, um dia acompanhei meus irmãos, que iam treinar judô. Fiquei impressionadíssimo com o professor, um baixinho muito forte a quem todos os alunos respeitavam. Também quis aprender judô. Lá fui eu, querendo derrubar o professor Inada de qualquer jeito. A cada investida minha, ele me desequilibrava com pequenos movimentos e lá ia eu para o chão. Foi quando Inada-sensei (professor Inada) me deu a primeira lição de judô: “Primeiro você precisa aprender a cair porque, caindo, você aprende a derrubar”. Ele dava risada e me dizia que minha afobação em querer derrubar me deixando mais fraco. Eu tinha que perceber o ponto fraco do adversário e, quando atacasse, fazê-lo de um só golpe naquele ponto. Naquela época, o que eu queria era ganhar as lutas, ser forte como ele, que derrubava todo mundo com a maior facilidade.

        Cheguei a São Paulo para fazer o quarto ano primário junto com o curso de admissão ao ginásio porque em Tapiraí o Grupo Escolar “Coronel João Rosa” só tinha o primário. Larguei o judô. Só o retomei quando estava na sétima série do Colégio Estadual e Escola Normal “Fernão Dias Pais”, em Pinheiros.

        Quando estava no curso científico comecei a dar aulas de judô. Não havia jovem que recusasse um dinheiro extra. Foi aí que percebi quanto os ensinamentos do Inada-sensei estavam dentro de mim porque eu fazia exatamente com os meus aluninhos o que ele fez comigo: muito carinho e cuidado para não ferir as crianças, estimular a descobrir os próprios pontos fortes para treiná-los, perceber no adversário seus pontos mais vulneráveis e principalmente saber cair sem se machucar.

        Comecei a receber alunos com indicação médica por ser crianças hipercinéticas (hiperativas), e para eles a noção dos limites é importantíssima. Eles vinham mais afoitos do que eu ia contra o Inada-sansei, e lhes era terapêutico aprender o respeito aos limites e ao próximo. Foi assim que acrescentei uma etapa ao que aprendi: só consegue derrubar o adversário quem souber cair e levantar. Portanto, para levantar bem é preciso saber cair sem se machucar. O verdadeiro campeão é aquele que sabe valorizar quem lhe consagrou a vitória: seu oponente vencido. Saber perder é a arte de manter a dignidade sem se subestimar nem se destruir, fazendo tudo o que sabia e podia. Quem não sabe perder também não sabe ganhar. Devo ao Inada-sensei meu título de campeão brasileiro universitário de judô, lutando pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Meu professor inesquecível. São Paulo, Editora Gente, 1997. Org. Fanny Abramovich.

       Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 153-4.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Investida: ataque, assalto.

·        Terapêutico: de efeito curativo.

·        Vulneráveis: frágeis, fracos.

·        Oponente: adversário.

·        Hiperativa: que tem excessiva atividade motora.

·        Subestimar: avaliar por baixo.

·        Afoito: precipitado, descuidado.

02 – Em que pessoa o texto foi narrado? Justifique.

      Foi narrado em primeira pessoa, por alguém que, já adulto, se recorda de um professor inesquecível.

03 – Como é o professor que aparece neste texto? Que lição ele ensinou ao narrador?

      É um professor de judô que lhe transmitiu uma importante lição de vida: que é preciso aprender a cair para aprender a derrubar.

04 – Como você entendeu essa lição?

       Resposta pessoal do aluno. Sugestão: só consegue derrubar o adversário quem souber cair e levantar, que, se não soubermos “cair sem nos machucar”, não conseguiremos continuar a lutar: estaremos derrotados antes do final da “luta”.

05 – Pense em uma situação real de vida em que a lição do professor Inada poderia ajudá-lo a superar alguma dificuldade.

      Resposta pessoal do aluno.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

CRÔNICA: MÚSICA NO TÁXI - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 CRÔNICA: MÚSICA NO TÁXI

                         Carlos Drummond de Andrade

        Prazeres do cotidiano. Quando menos se espera... Você pega o táxi, manda tocar para o seu destino (manda, não, pede por favor) e resigna-se a escutar durante 20 minutos, no volume mais possante, o rádio despejando assaltos e homicídios do dia. Os tiros, os gemidos, os desabamentos o acompanharão por todo o percurso. É a fatalidade da vida, quando se tem pressa.  

        Mas eis que o motorista pega de um imprevisto cassete, coloca-o no lugar devido, liga, e os acordes melódicos dos Contos dos Bosques de Viena irrompem do fusca amarrotado, mas digno.  

        Bem, não é a Nona Sinfonia nem um título menor da grande música, mas não estamos na Sala Cecília Meireles, e isso vale como homenagem especial a um passageiro distinto, que pede por favor. Cumpre agradecer a fineza:  

        – Obrigado. O senhor mostra que tem satisfação em agradar os passageiros, oferecendo-lhes música e não barulho e crimes.

        – Não tem de quê. O senhor também aprecia? 

        – O quê?  

        – Strauss. É um dos meus prediletos.  

        – Sim, ele é agradável. O senhor está sendo gentil comigo.

        – Ora, não é tanto assim. Pus o cassete porque gosto de música. Não sabia se o senhor também gostava ou não. Se não gostasse, eu desligava. Portanto, não tem que agradecer.  

        – E já lhe aconteceu desligar?  

       – Ih, tantas vezes. Fico observando a  fisionomia do passageiro. Uns, mais acanhados, disfarçam, não dizem nada, mas tem outros que reclamam, não querem ouvir esse troço. O senhor já pensou: chamar Tchaikovski de “esse troço”? Pois ouvi isso de um cidadão de gravata e pasta de executivo. Disse que precisava se concentrar, por causa de um negócio importante, e Tchaikovski perturbava a concentração.  

         – Ele talvez quisesse dizer que ficava tão empolgado pela música que esquecia o negócio.  

         – Pois sim! Nesse caso, não falaria “esse troço”, que é o cúmulo da falta de respeito.  

         – Estou adivinhando que o senhor toca um instrumento. 

         Olhou-me admirado: 

         – Como é que o senhor viu?  

         – Porque uma pessoa que gosta tanto de música, em geral toca. Seu instrumento qual é?  

          Virou-se com tristeza na voz?

         – Atualmente nenhum. O senhor sabe, essa crise geral, a gasolina pela hora da morte, e não é só a gasolina: a comida, o sapato, o resto. Tive de vender pra tapar uns buracos. Mas se as coisas melhorarem este ano...  

         – Melhoram. As coisas tem que melhorar – achei do meu dever confortá-lo.

         – Porque clarinetista sem clarinete, o senhor sabe, é um negócio sem sentido. Clarinete tem esta vantagem: dá o recado sem precisar de orquestra. Um solo bem executado, não precisa mais pra encantar a alma. Mas clarinetista, sozinho, fica até ridículo.  

         – Não diga isso. E não desanime. O dia em que arranjar outro clarinete – quem sabe?, talvez até seja o mesmo que lhe pertenceu – será uma festa.  

         – Mas se demorar muito eu já estarei tão desacostumado que nem sei se volto a tocar razoavelmente. Porque, o senhor compreende, eu não sou um artista, minha vida não dá folga pra estudar nem meia hora por dia.  

         – O importante é gostar de música, tem amor e devoção por música, e está-se vendo que o senhor tem de sobra.

        – Lá isso tá certo.

       – Não importa que o senhor não seja solista de uma grande orquestra, e mesmo de uma orquestra comum. Ninguém precisa ser grande em nada, desde que cultive alguma coisa bonita na vida. 

       Seu rosto iluminou-se.  

        – Que bom ouvir uma coisa dessas. Agora vou lhe confessar que isso de não ser músico dos tais que arrebatam o auditório sempre me doeu um pouco. Não era por vaidade não, quem sou pra ter vaidade? Mas um sonho esquisito. Sei lá. Ficava me imaginando num palco iluminado, tocando... Bobagem, o senhor desculpe. Agora a sua palavra deixou tudo claro. Basta eu gostar de música. Não é preciso que gostem de mim, nem que ela goste de mim. Obrigado ao senhor.  

           Olhei o taxímetro, tirei a carteira.  

           – Eu nem devia cobrar do senhor. Fico até encabulado!

(Boca de Luar, 6ª ed., págs. 69-71, Editora Record, Rio, 1987).

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=http%3A%2F%2Fwww.vistocar.com.br%2Frenovacao-de-crm-para-taxis&psig=AOvVaw1E1GUYqLMA0klwuvM6jdas&ust=1609024559455000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCPC09d6h6u0CFQAAAAAdAAAAABAD


 ENTENDENDO A CRÔNICA

01 - A finalidade principal do texto é

a) contar como é o cotidiano prazeroso de um motorista de táxi e a vida dos passageiros que viajam com ele.

b) denunciar as injustiças sociais que fazem com que um músico, por falta de oportunidades, exerça um outro tipo de profissão.

c) mostrar que um motorista de táxi também pode ser culto e surpreender as pessoas.

d) mostrar que, quando menos se espera, podemos romper com a rudeza do cotidiano e encontrar prazer em uma situação inesperada.

e) falar de profissões simples que contribuem para a sociedade.

 

02 - Em “Quando menos se espera...”, sem alteração de sentido, o conectivo em destaque pode ser substituído por

a) embora.

b) desde que.

c) mesmo que.

d) uma vez que.

e) no momento em que.

03 -  “... e os acordes melódicos dos Contos dos Bosques de Viena irrompem do fusca amarrotado, mas digno.” A palavra em destaque no trecho acima significa

a) invadir subitamente.     

b) manifestar-se em alto volume.

c) fazer-se ouvir delicadamente.

d) entrar delicadamente.

e) aparecer misteriosamente.

04 - No trecho “Bem, não é a Nona Sinfonia nem um título menor da grande música, mas não estamos na Sala Cecília Meireles, e isso vale como homenagem especial a um passageiro distinto, que pede por favor”, observamos um narrador que

a) relata como se não conhecesse os pensamentos e sentimentos das personagens.

b) apenas observa os fatos da história.

c) participa da história como personagem.

d) conta uma história e não participa da ação relatada.

e) tudo sabe e conhece o pensamento e os sentimentos das personagens que participam da história.

 

05 -  Em relação à acentuação gráfica, analise as proposições a seguir:

I.             As palavras rádio, negócio e auditório são acentuadas por serem proparoxítonas.

II.            Ninguém e também são acentuadas por serem oxítonas terminadas em “em”.

III.           A palavra agradável é acentuada por ser uma paroxítona terminada em “l”.

IV.          As palavras táxi, será e está obedecem à mesma regra de acentuação.

É correto o que se afirma em

a) I e II.

b) I e III.

c) II e III.

d) I, II e III.

e) I, II e IV.

 

06 - Transportando-se para a voz passiva a frase. “Clarinete dá o recado sem precisar de orquestra”, a forma verbal resultante será:

a) será dado.

b) é dado.

c) está sendo dado.

d) foi dado.

07 - Em “Quando se tem pressa”. O termo sublinhado estabelece relação de:

a) oposição.

b) causa.

c) condição.

d) tempo.

08 - A frase “Quando menos se espera”... (1º parágrafo) relaciona-se com um adjetivo do 2º parágrafo. Assinale o:

a) amarrotado.

b) digno.

c) melódicos.

d) imprevisto.

09 - De acordo com o texto, durante o trajeto percorrido pelo táxi, o passageiro sente-se agradecido por

a) encontrar música, em vez das tragédias diárias noticiadas pelas rádios.

b) poder ajudar o motorista a recuperar o seu clarinete.

c) não ter de pagar a corrida ao motorista do táxi.

d) poder ajudar alguém desanimado a recuperar sua autoestima.

e) poder conversar com alguém que também gosta de música.

 

10 - Na fala do motorista “Ficava me imaginando num palco iluminado, tocando...”, as reticências foram usadas para

a) indicar que alguém interrompeu a fala do motorista.

b) sinalizar uma interrupção brusca da história.

c) representar, na escrita, hesitações comuns na língua falada.

d) sugerir emoção, num intervalo de silêncio.

e) indicar que uma parte da história foi suprimida.

 

11 - No trecho “O senhor já pensou: chamar Tchaikovsky de ‘esse troço’?”, a observação feita por um passageiro provocou no motorista a) ódio.

b) revolta.

c) agressividade.

d) indiferença.

e) raiva.

12 - A frase que encerra a mensagem principal dessa crônica é

a) “Não desanime. O dia em que arranjar outro clarinete – quem sabe?, talvez até seja o mesmo que lhe pertenceu – será uma festa.”

 b) “O importante é gostar de música, tem amor e devoção por música, e está-se vendo que o senhor tem de sobra.”

c) “Ninguém precisa ser grande em nada, desde que cultive alguma coisa bonita na vida.”

d) “Ficava me imaginando num palco iluminado, tocando... Bobagem...”

e) “Não é preciso que gostem de mim, nem que ela goste de mim.”

 

13 - No trecho “Se não gostasse, eu desligava.”, a oração em destaque mantém com a outra do período relação de

a) concessão.

b) finalidade.

c) causa.

d) consequência.

e) condição.

POEMA: LIÇÃO DE ESCURIDÃO - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

 Poema: LIÇÃO DE ESCURIDÃO

              Thiago de Mello

Caboclo companheiro meu de várzea,
contigo cada dia um pouco aprendo
as ciências desta selva que nos une.

Contigo, que me ensinas o caminho dos ventos,
me levas a ler, nas lonjuras do céu,
os recados escritos pelas nuvens,
me avisas do perigo dos remansos
e quando devo desviar de viés a proa da canoa
para varar as ondas de perfil.

Sabes o nome e o segredo de todas as árvores,
a paragem calada que os peixes preferem
quando as águas começam a crescer.
Pelo canto, a cor do bico, o jeito de voar.
identificas todos os pássaros da selva.
Sozinho (eu mais Deus, tu me explicas).
atravessas a noite no centro da mata.
corajoso e paciente na tocaia da caça.
a traição dos felinos não te vence.

Contigo aprendo as leis da escuridão,
quando me apontas na distância da margem,
viajando na noite sem estrelas,
a boca (ainda não consigo ver) do Lago Grande
de onde me fui pequenino e te deixei.

De novo no chão da infância,
contigo aprendo também
que ainda não tens olhos para ver
as raízes de tua vida escura,
não sabes quais são os dentes que te devoram
nem os cipós que te amarram à servidão.

Nos teus olhos opacos
aprendo o que nos distingue.
Já repartes comigo a ciência e a paciência.
Quero contigo repartir a esperança,
estrela vigilante em minha fronte
e em teu olhar apenas um tição
encharcado de engano e cativeiro.



Barreirinha, 1981
Publicado no livro Mormaço na Floresta (1981).
In: MELLO, Thiago de. Vento geral, 1951/1981: doze livros de poemas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 198.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.ecycle.com.br%2F4807-florestas&psig=AOvVaw0oL9Vvl1CrtjP-_azzWxjk&ust=1609004182254000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCNix1PDV6e0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o poema:

01 – Que tema é abordado no poema?

      A sabedoria da mãe natureza.

02 – É possível fazer uma reflexão com a leitura do poema. Você concorda com as afirmações feitas pelo eu lírico?

      Resposta pessoal do aluno.

03 – O título do poema motiva a leitura?

      Sim. Ele desperta a curiosidade para saber que lição se tira da escuridão.

04 – Em que pessoal verbal o eu lírico conta o fato no poema? Comprove com um verso.

      Em primeira pessoal do singular. “Contigo, que me ensinas o caminho dos ventos...”.

 

POEMA: CATANDO OS CACOS DO CAOS - AFFONSO ROMANO DE SANT´ANNA - COM GABARITO

 Poema: Catando os cacos do caos

Affonso Romano de Sant’Anna

Catar os cacos do caos, como quem cata no deserto
o cacto - como se fosse flor.
Catar os restos e ossos da utopia, como de porta em porta
o lixeiro apanha detritos da festa fria e pobre no crepúsculo se aquece na fogueira erguida com os destroços do dia.

Catar a verdade contida em cada concha de mão,
como o mendigo cata as pulgas, no pelo - do dia cão.

Recortar o sentido, como o alfaiate-artista,
costurá-lo pelo avesso com a inconsútil emenda
à vista.

Como o arqueólogo
reunir os fragmentos,
como se ao vento
se pudessem pedir as flores
despetaladas no tempo.

Catar os cacos de Dionísio e Baco, no mosaico antigo
e no copo seco erguido beber o vinho, ou sangue vertido.

Catar os cacos de Orfeu partido, pela paixão das bacantes
e com Prometeu refazer o fígado - como era antes.

Catar palavras cortantes no rio do escuro instante
e descobrir nessas pedras o brilho do diamante.

É um quebra-cabeça? Então de cabeça quebrada vamos
sobre a parede do nada deixar gravada a emoção

Cacos de mim, Cacos do não, Cacos do sim, Cacos do antes
Cacos do fim

Não é dentro nem fora, embora seja dentro e fora
no nunca e a toda hora, que violento o sentido nos deflora.

Catar os cacos do presente e outrora e enfrentar a noite
com o vitral da aurora

                                            Affonso Romano de Sant’Anna

Entendendo o poema:

01 – De que se trata o poema?

      Trata-se de retalhos de vida que passamos a construir das peças que sempre sobram... como são cacos têm arestas e nem sempre é fácil encaixá-los no lugar certo.

02 – Na primeira estrofe o eu lírico fala em catar cacos, de onde?

      Mostra que o cacos se intensifica nos cacos. São estilhaços da alma espalhados no cotidiano.

03 – Por que o eu lírico evoca o precioso gesto de catar?

      Catar é juntar, é ultrapassar barreiras, incômodos fortalezas, cactos. Verter cacto em flor.

04 – Utopias invadem as almas em momentos aflitos, e como seria catar os restos da utopia?

      É dar voz ao coração regado pela liberdade, e a liberdade está nas palavras.

05 – Nos versos: “Catar os cacos de Dionísio e Baco, no mosaico antigo / e no copo seco erguido beber o vinho, ou sangue vertido.”. O eu lírico nesses versos cita o copo erguido, por quê?

      Talvez Dionísio e Baco estavam clamando pelo vinho, o vinho da concórdia, da audácia poética, necessária para que o mundo se reencontre na poesia.

 

POEMA: PARA SER GRANDE, SÊ INTEIRO: NADA - RICARDO REIS (FERNANDO PESSOA) - COM GABARITO

 Poema: Para ser grande, sê inteiro: nada

“Para ser grande, sê inteiro: nada

 Teu exagera ou exclui.

 Sê todo em cada coisa. Põe quanto és

 No mínimo que fazes.

 Assim em cada lago a lua toda

 Brilha, porque alta vive.”

 

Ricardo Reis PESSOA, Fernando. Poesia; poesias de Ricardo Reis. São Paulo.

Entendendo o poema:

01 – Qual o sentido da palavra “grande”, no primeiro verso do poema?

      No sentido da grandeza humana das pessoas que vivem respeitando sempre o outro.

02 – De que trata o poema?

      Propõe uma reflexão sobre valores humanos.

03 – Quais são os verbos no modo imperativo que há no poema?

      “Sê, exclui, põe”.

04 – Com que intenção o eu lírico usa estes verbos?

      Para dar conselhos sugerindo que se seja íntegro e que se mostre entrega / compromisso nas ações e na vida.

05 – Segundo o eu lírico, o que é ser inteiro?

      É aceitar aquilo que se é, e ter coragem de agir em conformidade em todos os momentos da vida, sendo coerente. É ser empenhado e ter espírito de entrega.

06 – Nos últimos dois versos: “Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive”. O que o eu lírico conclui?

      Conclui que as pessoas que mantém esta atitude nobre que ele descreve, serão admiradas e vistas como exemplo por todos os outros...

07 – Nos versos: “Põe quanto és / No mínimo que fazes”. Que quer dizer?

      Que devemos dar sempre o nosso melhor em tudo aquilo que fazemos, porque assim ficaremos satisfeitos e de consciência tranquila.

08 – No poema, o verbo “sê” está em segunda pessoa e pertence a um modo verbal que estabelece um efeito de sentido, cujo tom é de:

a)   Aconselhamento.

b)   Desregramento.

c)   Condição.

d)   Certeza.

e)   Suposição.