sábado, 12 de janeiro de 2019

CONTO: MARIA ANGULA - JORGE RENAN DE LA TORRE (EQUADOR) - COM GABARITO

Conto: Maria Angula
Jorge Renan de la Torre (Equador)  
  

        Maria Angula era uma menina alegre e viva, filha de um fazendeiro de Cayambe. Era louca por uma fofoca e vivia fazendo intrigas com os amigos para jogá-los uns contra os outros. Por isso tinha fama de leva-e-traz, linguaruda, e era chamada de moleca fofoqueira.
        Assim viveu Maria Angula até os dezesseis anos, dedicada a armar confusão entre os vizinhos, sem ter tempo para aprender a cuidar da casa e a preparar pratos saborosos.
        Quando  Maria Angula se casou começaram seus problemas. No primeiro dia, o marido pediu-lhe que fizesse uma sopa de pão com miúdos, mas ela não tinha a menor ideia de como prepará-la.
        Queimando as mãos com uma mecha embebida em gordura, ascendeu o carvão e levou ao fogo um caldeirão com água, sal e colorau, mas não conseguiu sair disso: não fazia ideia de como continuar.
        Maria lembrou-se então de que na casa vizinha morava dona Mercedes, cozinheira de mão-cheia, e, sem pensar duas vezes, correu até lá.
        -- Minha cara vizinha, por acaso a senhora sabe fazer sopa de pão com miúdos?
        -- Claro, dona Maria. É assim: primeiro coloca-se o pão de molho em uma xícara de leite, depois despeja-se este pão no cavalo e, antes que ferva, acrescentam-se os miúdos.
        -- Só isso?
        -- Só, vizinha.
        -- Ah – disse Maria Angula – mas isso eu já sabia!
        -- E voou para sua cozinha a fim de não esquecer a receita.
        No dia seguinte, como o marido lhe pediu que fizesse um ensopado de batatas com toicinho, a história se repetiu:
        -- Dona Mercedes, a senhora sabe como se faz o ensopado de batatas com toicinho?
        E como da outra vez, tão logo a sua boa amiga lhe deu todas as explicações, Maria Angula exclamou:
        -- Ah! É só? Mas isso eu já sabia! – E correu imediatamente para a casa a fim de prepará-lo.
        Como isso acontecia todas as manhãs, dona Mercedes acabou se enfezando. Maria Angula vinha sempre com a mesma história: "Ah é assim que se faz o arroz com carneiro? Mas isso eu já sabia! Ah, é assim que se prepara a dobradinha? Mas isso eu já sabia!" Por isso a mulher decidiu dar-lhe uma lição e, no dia seguinte...
        -- Dona Mercedinha!
        -- O que deseja, Dona Maria?
        -- Nada, querida. Só que o meu marido quer comer no jantar caldo de tripas e bucho e eu...
        -- Ah! Mas isso é fácil demais! – Disse dona Mercedes. E antes que Maria Angula a interrompesse, continuou:
        -- Veja: vá ao cemitério levando um facão bem afiado. Depois espere chegar o último defunto do dia, e sem que ninguém a veja, retire as tripas e o estômago dele. Ao chegar em casa, lave-os muito bem e cozinhe-os com água, sal e cebolas. Depois que ferver uns dez minutos, acrescente alguns grãos de amendoim e está pronto. É o prato mais saboroso que existe.
        -- Ah! – disse como Maria Angula – É só? Mas isso eu já sabia!
        E, num piscar de olhos, estava ela no cemitério, esperando pela chegada do defunto mais fresquinho. Quando já não havia mais ninguém por perto, dirigiu-se em silêncio à tumba escolhida. Tirou a terra que cobria o caixão, levantou a tampa e... Ali estava o pavoroso semblante do defunto! Teve ímpetos de fugir, mas o próprio medo a deteve ali. Tremendo dos pés à cabeça, pegou o facão e cravou-o uma, duas, três vezes na barriga do finado e, com desespero, arrancou-lhe as tripas e o estômago. Então voltou correndo para casa. Logo que conseguiu recuperar a calma, preparou a janta macabra que, sem saber, o marido comeu lambendo os beiços.
        Nessa mesma noite, enquanto Maria Angula e o marido dormiam, escutaram-se uns gemidos nas redondezas.
        Ela acordou sobressaltada. O vento zumbia misteriosamente nas janelas, sacudindo-as, e de fora vinham uns ruídos muito estranhos, de meter medo a qualquer um.
        De súbito, Maria Angula começou a ouvir um rangido nas escadas. Eram os passos de alguém que subia em direção ao seu quarto, com um andar dificultoso e retumbante, e que se deteve diante da porta. Fez-se um minuto eterno de silêncio e logo depois Maria Angula viu o resplendor fosforescente de um fantasma. Um grito surdo e prolongado paralisou-a.
        -- Maria Angula, devolva minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da santa sepultura!
        Maria Angula sentou-se na cama, horrorizada, e, com os olhos esbugalhados de tanto medo, viu a porta se abrir, empurrada lentamente por essa figura luminosa e descarnada.
        A mulher perdeu a fala. Ali, diante dela, estava o defunto, que avançava mostrando-lhe o seu semblante rígido e o seu ventre esvaziado.
        -- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
        Aterrorizada, escondeu-se debaixo das cobertas para não vê-lo, mas imediatamente sentiu umas mãos frias e ossudas puxarem-na pelas pernas e arrastarem-na gritando:
        -- Maria Angula, devolva as minhas tripas e o meu estômago, que você roubou da minha santa sepultura!
        Quando Manuel acordou, não encontrou mais a esposa e, muito embora tenha procurado por ela em toda parte, jamais soube do seu paradeiro.
               TORRE, Jorge Renán de la. Trad. Maria Angula.
In: Contos de assombração. São Paulo, Ática, 1987. p. 33-40.
Entendendo o conto:
01 – Quem é o personagem principal da história? Como ele é apresentado no início do texto?
      Maria Angula. É uma garota fofoqueira, que gosta de provocar as pessoas e de arrumar confusão.

02 – Durante a narrativa, Maria Angula enfrenta um problema. Qual é ele? Como ela o resolve?
      Ela não sabe preparar os pratos pedidos pelo marido. Ela pede ajuda para vizinha, dona Mercedes.

03 – De que forma Maria Angula reage após a ajuda que recebe da vizinha?
      Ela não se mostra agradecida pelas receitas recebidas, chegando mesmo a ser antipática com a vizinha.

04 – Qual o significado das palavras abaixo, se necessário utilize-se de um dicionário.
·        Intriga: mexerico, traição.
·        Miúdos: entranhas de animais (coração, fígado, etc.).
·        Tumba: túmulo.
·        Ímpetos: impulsos instantâneos.
·        Deteve: segurou.
·        Macabra: fúnebre, tétrica.
·        Sobressaltada: assustada.
·        Retumbante: barulhento.
·        Resplendor: brilho intenso.

05 – Que atitude dona Mercedes toma diante do pouco-caso de Maria Angula? Por que age assim?
      Ela resolve dar uma receita macabra para Maria Angula. Seu objetivo era vingar-se da vizinha, fazendo com que ela passasse por boba.

06 – O que Maria Angula devia fazer para preparar o caldo de tripas e bucho?
      Ela devia ir ao cemitério e retirar do defunto mais fresco suas tripas e seu estômago. Depois cozinhar tudo com água, sal e cebola e acrescentar amendoins.

07 – O que ocorreu na noite em que Maria Angula preparou o macabro jantar para seu marido?
      O defunto foi até a casa de Maria Angula em busca de suas tripas e de seu estômago e ela desapareceu para sempre.

08 – Selecione uma passagem do texto que demonstre ser esta uma narrativa fantástica.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: “Fez-se um minuto eterno de silêncio e logo depois Maria Angula viu o resplendor fosforescente de um fantasma.”

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