DIÁRIO: O primeiro beijo
Querido diário
Ontem fui à festa de aniversário da
Adriana, um barato. Uma delícia. Mas por pouco eu não vou. Sabe por quê? Te
conto logo: minha mãe disse que não tinha grana para comprar presente. Eu bati
o pé, sem presente jamais. Já pensou eu chegando, todo mundo olhando a minha
cara limpa e as mãos abanando, mais limpas ainda!? Não e não. Por fim ela deu
um jeito e comprou um presente. Mixuruquinha, é verdade, mas comprou. Bem, sabe
quem estava por lá? Sabe quem? Ele mesmo, o Fabi. Mas não foi surpresa, não. Eu
sabia que ele iria, pois, afinal, a Adriana é amiga dele. Ele sabia, também, que
eu iria. Assim que eu cheguei, ele já estava lá, sentado num banco de madeira
na frente da casa, e logo veio conversar comigo. Primeiro conversamos sobre
roupa. O Fabi elogiou meu vestido amarelo, pobre vestido. Parecia novo mas não
era e, ainda por cima, era reformado. Eu queria mesmo é que ele reparasse no
meu rosto e na minha boca. No rosto tinha um pó suave que minha irmã disse que
veio de contrabando e nos lábios um batom delicado emprestado da minha mãe. O
batom era enfeite para esperar o beijo. Mas o Fabi parece que não entende
dessas coisas e do vestido ele pulou para a escola, da escola mudou para
cinema, daí para a praia e não parou mais. Nós dançamos tudo que tivemos
direito: música nova, pesada, música romântica, antiga, trilha de novela, o
diabo. Mas o beijo não veio, estava cheinho de gente e gente que bota reparo em
tudo. A certa hora, a festa quase acabando, muita gente tinha ido embora, a
Adriana chamou nós dois pra ver os presentes dela. Fomos até o quarto para ver
o que ela ia mostrando, apontando, manuseando. Uns dois minutos depois, a mãe
chamou-a para resolver qualquer coisa e lá foi ela. Ficamos só nós dois. Eu
senti que era chegado o momento, a hora do beijo. Olhei pro Fabi e ele pra mim.
O tempo era pequeno, mas a vontade era muito grande, quase não cabia ali no
quarto. Só nós dois, as duas mãos dadas, os corpos um de frente para o outro. Eu
fechei os olhos e esperei, de batom novo, um primeiro e gostoso beijo...Mas, querido
diário, amigo solitário, em vez do beijo eu senti e ouvi a voz ranzinza da mãe
da Adriana: “Na minha casa não! Se vocês querem aprontar, por favor, façam isso
lá fora, fora da minha casa...ou melhor, façam na casa de vocês!” Onde já se
viu! Ela quase nos expulsou da casa dela. Tem cada adulto neste mundo que eu
vou te contar. Será que ela nunca beijou? Depois dessa, ela não desgrudou da
gente, não saiu mais de perto, e lá se foi meu beijo pro espaço. Pouco depois,
meu pai passou por lá e me levou embora. Quando ele perguntou se eu tinha
gostado da festa, na mesma hora eu respondi: “Quase!”. Ele não entendeu como é
que uma pessoa pode “quase” gostar de uma festa, mas eu não tinha jeito nem coragem
para explicar, e a conversa sobre a festa acabou por aí mesmo. E eu acabo por
aqui, agora.
Beijos.
Biloca
Entendendo o texto:
01 – Onde se passa a situação narrada por Biloca?
Na festa de aniversário na casa de Adriana, amiga de Biloca.
02 – Por que Biloca fazia
questão de levar um presente, ainda que “mixuruquinha”?
Ela achava que
todo mundo iria notar que ela estava sem o presente, e se sentiria mal com
isso.
03 – O que Biloca esperava
que acontecesse na festa?
Ela esperava que
o Fabi lhe desse um beijo.
04 – Usando o foco narrativo
em 1ª pessoa, o personagem-narrador fica livre para expor os seus pensamentos.
O que Biloca comenta a respeito do fato de Fabi parecer não ter reparado na sua
maquilagem?
Comenta que ele parecia não entender nada dessas coisas.
05 – Biloca achou que
enquanto dançava com Fabi o beijo viria, mas frustrou-se. Que trecho do texto
demonstra isso? Como ela justifica o fato de o beijo não acontecer?
O trecho é: “Nós
dançamos tudo que tivemos direito... Mas o beijo não veio...”. A justificativa
que ela dá é que havia muita gente que ficava observando tudo.
06 – Em que outro momento
surgiu a oportunidade de o beijo acontecer?
No quarto, quando Adriana convidou Biloca
e Fabi para ver os presentes: a mãe de Adriana chamou-a e os dois ficaram
sozinhos.
07 – Como seria de esperar,
no texto do diário de uma jovem, o autor recorre a expressões da linguagem
coloquial. Procure exemplos dessas expressões.
“Um barato”; “Te conto”; “não tinha
grana”; “gente que bota reparo”; “Olhei pro Fabi”; “Tem cada adulto”; “não
desgrudou da gente”; “lá se foi meu beijo pro espaço”; etc.
Nenhum comentário:
Postar um comentário