quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

CONTO: O PAR DE SAPATOS - PIERRE GRIPARI - COM GABARITO

Conto: O par de sapatos          

               Pierre Gripari

    Era uma vez dois sapatos casados, que formavam um par. O sapato direito, que era homem, chamava-se Nicolau; o esquerdo, que era mulher, chamava-se Tina.
        Os dois moravam numa caixa de papelão muito bonita, enrolados em papel de seda. Sentiam-se muito felizes e tinha a esperança de que aquilo durasse para sempre.
      Mas certa manhã uma vendedora tirou o par de sapatos da caixa, para uma senhora experimentar.

     A mulher os calçou, deu alguns passos, achou que estavam ótimos e disse:
        -- Vou levar esses.
        -- Quer que eu embrulhe? Perguntou a vendedora.
        -- Não precisa – disse a mulher – vou calçada com eles.
        Ela pagou e saiu, com os sapatos novos no pé. Foi assim que Nicolau e Tina andaram um dia inteiro sem se verem. Só foram se encontrar à noite, dentro de um armário escuro.
        -- É você Tina?
        -- Sou eu, sim, Nicolau.
        -- Ah, que felicidades! Pensei que tivesse perdido você!
        -- Eu também. Mas onde você estava?
        -- Eu? No pé direito.
        -- Agora eu estou entendendo. Sempre que você estava na frente, eu estava atrás, e quando você estava atrás eu estava na frente. Por isso a gente não conseguia se ver.
        -- E vai ser essa vida todos os dias? – Perguntou Tina.
        -- Acho que sim!
        -- Mas que horrível! Ficar o dia inteiro sem você, meu amor! Não vou me acostumar nunca, Nicolau!
        -- Tive uma ideia – Disse Nicolau. – Já que eu estou sempre à direita e você sempre à esquerda, quando eu for para frente vou me desviar um pouquinho para seu lado. Assim a gente se vê. Combinado?
        -- Combinado!
        E assim fez Nicolau. No dia seguinte a dona dos sapatos não conseguia dar três passos sem que o pé direito se enrolasse, e plaf! Lá ia ela para o chão.
        Naquele mesmo dia ela foi consultar o médico, muito preocupada.
        -- Doutor, não sei o que tenho. Fico toda hora tropeçando em mim mesma.
        -- Tropeçando na senhora mesma?
        -- Isso mesmo doutor! A cada passo, meu pé direito se enrosca no me salto esquerdo e eu tombo!
        -- Isso é muito grave – disse o médico. – Se continuar assim, vamos ter que cortar seu pé direito. Aqui está a receita: são dez mil francos de remédio. A senhora me deve dois mil francos de consulta, e volte amanhã.
        Aquela noite, dentro do armário, a Tina perguntou ao Nicolau:
        -- Você ouviu o que o médico disse?
        -- Ouvi, sim.
        -- Que horror! Se cortarem o pé direito da mulher, ela vai jogar você no lixo e nós vamos ficar separados para sempre! Temos que fazer alguma coisa!
        -- Mas o quê?
        -- Tive uma ideia: já que eu fico à esquerda, amanhã sou eu que vou desviar um pouco para a direita cada vez que der um passo à frente. Combinado?
        E assim fez a Tina. Então durante todo o segundo dia, o pé esquerdo é que se enroscava toda hora no salto direito e plaf! A coitada da mulher ia para o chão. Cada vez mais preocupada, ela voltou ao médico.
        -- Doutor, estou cada vez pior. Agora é o pé esquerdo que se enrosca no salto direito.
        -- Cada vez mais grave – disse o médico. – Se continuar assim, vamos ter que cortar os dois pés! Aqui está mais uma receita. São vinte francos de remédio. A senhora me deve mil francos de consulta, e não se esqueça de voltar amanhã.
        Aquela noite Nicolau perguntou a Tina:
        -- Você ouviu?
        -- Ouvi.
        -- E se cortaremos dois pés da mulher, o que será de nós?
        -- Não quero nem pensa!
        -- Mas eu te amo, Tina!
        -- Eu também te amo, Nicolau!
        -- Não quero me separar de você, nunca!
        -- Eu também não, nunca!
        Estavam ali, conversando no escuro, sem saber que a dona deles estava andando no corredor de lá para cá, de chinelo, sem conseguir dormir, por causa do que o médico tinha dito. Ao passar pela porta do armário ela ouviu tudo e, como era muito inteligente, entendeu tudo.
        -- Então é isso – pensou a mulher. – Não estou doente. Meus sapatos é que se amam! Que coisa linda!
        Ela jogou no lixo os trinta mil francos de remédio que tinha comprado e, no dia seguinte, disse a faxineira:
        -- Está vendo este par de sapatos? Não vou mais usá-los, mas quero que fique com ele. Quero que os dois pés estejam sempre bem limpos, engraxados e lustrosos. E lembre-se de uma coisa: nunca separe um do outro!
        Assim que ficou sozinha, a faxineira pensou:
        -- A patroa está louca! Guardar esses sapatos sem usar! Daqui uns quinze dias, quando ela tiver esquecido, vou pegá-los pra mim!
        Quinze dias depois, ela pegou os sapatos e os calço, mas logo começou a tropeçar. Um dia, na escada, quando ela estava descendo com a lata de lixo, Nicolau e Tina resolveram se beijar e badabum! Vlang! Bong! A faxineira caiu sentada, com um monte de lixo na cabeça e uma casca de batata pendurada na testa, como se fosse um cacho de cabelo.
        -- Esses sapatos são mágicos – ela pensou. – Não vou mais calçá-los. Vou dá-los para minha sobrinha, que é manca!
        E foi o que ela fez. A sobrinha, que era manca mesma, passava o dia todo sentada, com os pés juntos. Quando por acaso andava um pouco, era devagar que nem dava pra tropeçar. Os sapatos estavam felizes porque, mesmo durante o dia, ficam quase sempre um ao lado do outro.
        Essa situação durou um bom tempo. Infelizmente, como a sobrinha era manca, gastava mais um pé de sapato o que o outro.
        Uma noite, a Tina disse ao Nicolau:
        -- Estou sentindo que a minha sola está ficando fininha, logo vou furar!
        -- Não faça isso! – disse Nicolau. – Se jogarem a gente fora, vamos ficar separados outra vez!
        -- Eu sei. – disse Tina.  – Mas o que você quer que eu faça? Não posso impedir de envelhecer!
        De fato, oito dias depois a sola de Tina furou. A manca comprou um par de sapatos novos e jogou Tina e Nicolau na lata de lixo.
        -- O que vai ser de nós? – perguntou Nicolau.
        -- Não sei. – disse Tina. – Eu só queria ter certeza de que nunca vou ficar sem você!
        -- Chegue mais perto – falou Nicolau – e segure o meu cordão com o seu. Assim a gente fica junto.
        Assim foi. Foram juntos para a lata de lixo, foram juntos para o caminhão de lixo e foram juntos, até o dia em que foram encontrados por um menino e uma menina.
        -- Olha só! Esses sapatos! Estão de braço dado!
        -- É que eles são casados – disse a menina.
        -- Bom, já que eles são casados, vão fazer a viagem e lua de mel!
        O menino pegou os sapatos e pregou um ao lado do outro, numa tábua. Depois pôs a tábua no rio e ela foi descendo, carregada pela natureza. Enquanto ela ia se afastando, a menina acenava com o lenço e gritava:
        -- Adeus, sapatos, e boa viagem!
        Foi assim que Nicolau e Tina, que não esperava mais nada da vida. Tiveram uma viagem linda de lua de mel.

                              Contos da Rua Brocá – Editora Martins Fontes.

Entendendo o conto:

01 – “O par de sapatos”, é um conto que narra uma história de amor. O que os protagonistas queriam?
      Queriam ficar juntos, pois eram casados e formavam um par.

02 – Geralmente um conto apresenta poucos personagens.
a)   Quem são as personagens principal?
Nicolau e Tina.

b)   Como é descrita fisicamente?
·        O sapato direito, que era homem.
·        O sapato esquerdo, que era mulher.

c)   Como ela se sente ao longo da história?
Se sentia triste, porque ficava o dia inteiro sem seu amor.

03 – O conto retrata um único conflito.
a)   Qual é esse conflito?
O fato de Nicolau e Tina andarem um dia inteiro sem se verem. Só se viam à noite, dentro de um armário escuro.

b)   Em que espaços ocorreram os fatos narrados?
Numa caixa de papelão, num armário escuro, na lata de lixo e no rio.

04 – No conto os fatos narrados ocorrem num curto espaço de tempo.
a)   Copie do texto os trechos que indicam tempo.
“... Mas certa manhã” / “No dia seguinte / No segundo dia / Quinze dias depois / ... oito dias depois”.

b)   Quem narra a história?
É um narrador observador.

05 – Que gênero textual costuma ter início com a expressão era uma vez?
(   ) Novela.
(   ) Romance.
(X) Conto.

06 – Nos contos maravilhosos utiliza-se os verbos no passado. Por quê?
      Indica um acontecimento que se prolongou ao longo do tempo com início e fim no passado.

07 – Aponte ou copie do texto alguns exemplos de emprego de verbos no pretérito imperfeito do indicativo, que são formas terminadas em –ava ou –ia.
      Formavam / moravam / estavam / sentiam.

08 – Qual o desfecho do conto?
      Um menino e uma menina, o encontraram na lata de lixo e perceberam que eram casados, porque estavam amarrados. Então, o menino teve a ideia de pregá-los um do lado do outro numa tábua e soltou rio abaixo. E foi assim que Nicolau e Tina não se separaram nunca mais.



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