Texto: Rituais
antropofágicos
A antropofagia foi o ritual indígena
que mais atraiu a atenção dos europeus. Provavelmente surgido na época de
guerras, esse ritual estava muito longe da selvageria. Era antes uma homenagem
à coragem do adversário batido em combate. Nos guerreiros que caíam
prisioneiros era posto um colar de algodão – em casos especiais suas mãos eram
atadas ao colar. Antes de entrar na aldeia, recebiam tratamento especial:
tinham o cabelo cortado e ganhavam vistosos cocares. Na entrada, eram saudados
por todos com gritos.
A vida do prisioneiro não era difícil.
Ofereciam-lhe uma mulher, que lhe garantia alimentação e com quem dividia a
rede. Embora proibido de deixar a aldeia, podia andar por onde quisesse e
conversar com todos. Muitas vezes, nascia um filho de seu relacionamento com a
mulher que lhe fora destinada. A esta, na hora do sacrifício, cabiam várias providências,
como preparar as vasilhas e as bebidas do evento. Enquanto isso, os homens
tratavam de espalhar a notícia, convidando membros de outras tribos.
A cerimônia podia durar vários dias. No
primeiro, o prisioneiro recebia uma corda de algodão especial e era conduzido
ao terreiro, onde lhe pintavam todo o corpo. No segundo e no terceiro dia
realizavam-se danças em torno da grande figura. No quarto, ele era levado logo
cedo para um banho, e só então começava o sacrifício propriamente dito. Sua
coragem era testada durante todo o tempo, e esperava-se que demonstrasse
altivez para merecer morte tão importante.
No quinto dia consumava-se o
sacrifício. Pela manhã a mulher se despedia e ia chorar em sua oca. Toda a
preparação ritual, as danças e os cantos chegavam ao fim. Armado de borduna, um
guerreiro valente o abatia; se caía de costas, era sinal de que o matador iria
morrer; de bruços, que a tribo teria grande futuro. Então seus restos eram
levados para o lado de uma fogueira. Algumas partes do corpo eram comidas
cruas; outras, mais nobres, eram moqueadas ou assadas.
CALDEIRA, Jorge. Viagem pela
História do Brasil.
Cia das Letras: São
Paulo, p. 17.
Entendendo o texto:
01 – Qual é a finalidade desse texto?
Informar o leitor sobre o ritual indígena da antropofagia.
02 – Qual é a informação
mais importante de cada parágrafo?
Escreva-a no seu caderno.
1° parágrafo: A antropofagia, ritual
indígena que atraiu a atenção dos europeus, era uma homenagem à coragem do
prisioneiro.
2° parágrafo: O prisioneiro era bem
tratado durante os dias que antecedem sua morte: recebia alimentação e a ele
era destinada uma mulher.
3° parágrafo: O cerimônia podia durar
vários dias e sua coragem era testada o tempo todo.
4° parágrafo: Depois do sacrifício,
algumas partes de seu corpo eram comidas pelos adversários.
03 – Considere que esse
texto faz parte de um livro que tem, como finalidade, contar a História do
Brasil. A descrição detalhada do ritual antropofágico indígena constitui uma
pausa no decorrer do relato histórico, organizado em uma narração sistemática e
cronológica dos acontecimentos históricos. Que justificativa se dá para essas
informações?
O fato de este
ser o ritual indígena que mais atraiu a atenção dos europeus da época.
04 – Releia este comentário:
“Esse ritual estava muito longe da selvageria”.
a)
O dicionário traz alguns significados para a
palavra “selvagem”, que origina “selvageria”. Considerando o contexto
linguístico em que está inserida, responda: qual das acepções é a adequada?
1.
Das selvas, ou próprio delas; selvático, silvático,
silvestre.
2.
Habitante das selvas; silvícola, selvícola.
3.
Silvestre.
4.
Inculto, sáfaro, agreste.
5.
Desabitado, deserto, ermo.
6.
Bravo, bravio, feroz.
7.
Que ainda não foi domado, amansado,
domesticado, ou que é difícil de o ser.
8.
Sem civilização, primitivo, bárbaro.
b)
O termo possui conotação positiva ou
negativa?
Negativa.
c)
Com esse comentário, o autor estaria dando
uma resposta a quem considera o ritual uma selvageria. De quem poderia ser essa
tese?
Da cultura europeia, religiosa cristã, que não vê com bons olhos a
ideia de comer carne humana.
d)
Pode-se afirmar, portanto, que o comentário
pressupõe um leitor “ideal”? Explique.
Sim. Explicar que o ritual não era uma “selvageria”, significa
pressupor leitores que assim pensem ou leitores que conheçam a tese dos europeus
da época.
05 – Releia este trecho do
texto: “Sua coragem era testada o tempo todo, e esperava-se que demonstrasse
altivez para merecer morte tão importante”. O autor descreve como eram os
“testes”? Por que não o faz?
Não.
Provavelmente porque se supõe que o leitor poderia considerar esse detalhes
“atos de selvageria”.
06 – Além do pressupor um
leitor ideal, o comentário de que “esse ritual estava muito longe da
selvageria” também pode ser lido como uma tese, ou seja, uma proposição que se
expõe para ser defendida. Como o autor a defende?
O autor defende
tal tese com dois procedimentos: primeiro, descrevendo apenas os aspectos do
ritual que a cultura religiosa europeia cristã considera positivos: o
prisioneiro era bem tratado, recebia tratamento especial, podia andar e
conversar com quem quisesse, tinha mulher e era alimentado. Segundo, omitindo
detalhes das “provas” que testavam a coragem do prisioneiro e da execução
propriamente dita, detalhes esses que poderiam ser considerados pelo leitor,
atos de “selvageria”.
07 – Observe que a descrição
dos fatos sempre passa pela interpretação subjetiva do historiador. Considere,
por exemplo, o fato de o prisioneiro “ganhar” uma mulher para “dividir a rede”
com ele, e a possibilidade inclusa de se gerar um filho. O fato foi
interpretado pelo historiador de forma positiva, como um “presente”, uma
cortesia do inimigo. Há outra interpretação para esse aspecto do ritual?
Comente.
Sim. Considerando
que as nações indígenas admiravam a força, a coragem e a valentia do
prisioneiro a ser morto, a finalidade de promover o relacionamento com alguém
da aldeia poderia ser justamente a geração de um filho com as mesmas
características que tanto admiravam. Portanto, não haveria nenhuma relação com
“cortesia”.
08 – O texto “Rituais
antropofágicos” informa que a coragem do prisioneiro “era testada durante todo
o tempo, e esperava-se que demonstrasse altivez para merecer morte tão
importante”. Pode-se deduzir, a partir desse trecho, alguns valores atribuídos
à cultura indígena. Quais?
A valentia e a
coragem eram os valores cultuados. A morte em um ritual antropofágico era um
prêmio para o guerreiro corajoso.
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