BIOGRAFIA: UM OLHAR SOBRE CLARICE LISPECTOR
Olga
Borelli
"Ela possuía a dignidade do
silêncio. Seu porte altivo era todo contido e movia-se pouco. Quando o fazia,
era como se estivesse procurando uma direção a seguir: então, encaminhava-se
diretamente, sem desvios, ao seu objetivo. O cabelo era louro-dourado, muito
fino e sedoso, as orelhas pequenas. Os olhos tinham o brilho baço dos místicos.
Pareciam perscrutar todos os mistérios da vida: profundos, serenos, fixavam-se
nas pessoas como se fossem os olhos da consciência, e ninguém os aguentava por
muito tempo, tal a sua intensidade. O olho esquerdo tinha uma expressão de
inquietante expectativa.
Os lábios, de rebordos bem definidos,
eram perfeitos e em harmonia com o contorno do rosto, de maçãs ligeiramente
salientes. O nariz, quase imperceptível na serenidade meditativa do conjunto.
Mas possuía narinas que se dilatavam nos raros momentos de "cólera
sagrada", como costumava definir suas zangas.
A voz soava grave e profunda. Quando
irritada, emergia rascante, em estranha autoridade, dotada de algo que infundia
respeito. Tinha um pequeno defeito de dicção: arrastava nos erres por causa da
língua presa.
A mão esquerda era um milagre de
elegância. Muito móvel, evolucionava no ar ou contornava os objetos com prazer.
No trabalho, ágil e decidida, parecia suprir deficiências da outra dura, com
gestos mal controlados, de dedos queimados, retorcidos, com profundas
cicatrizes.
Cumprimentava às vezes com a mão
esquerda. Talvez por pudor, receosa de constranger as pessoas, dirigia-se com
economia de gestos. Alguns de seus manuscritos eram quase ilegíveis. Assinava
com bastante dificuldade, mas utilizava ambas as mãos para datilografar.
Era profundamente feminina, exigia e se
exigia boas maneiras. Bem cuidada no vestir, vaidosa, mas sem
sofisticação.
Nunca saía sem estar maquiada e trajada
às vezes com algum requinte: turbante, xale, vários colares e grandes brincos.
O branco, o preto e o vermelho eram uma constante em seu guarda-roupa.
O batom geralmente era de tom rubro
forte; o rímel negro, colocado com sutileza, aumentava a obliquidade e fazia
ressaltar o verde marítimo dos olhos. Indiscutivelmente era mulher
interessante, de traços nobres e, talvez, inatingível. [...]
Dois atributos imediatamente visíveis:
integridade e intensidade. Uma intensidade que fluía dela e para ela refluía.
Procurava ansiosamente, lá, onde o ser se relaciona com o absoluto, o seu
centro de força - e essa convergência a consumia e fazia sofrer. Sempre tentou
de alguma maneira solidarizar-se e compreender o sofrimento do outro, coisa que
acontecia na medida da necessidade de quem a recebia. O problema social a
angustiava.
Sabia o quanto doíam as coisas e o
quanto custava solidão.
São muitos os "mistérios" que
aos olhos de alguns a transformaram em mito. Simplesmente, porém, em Clarice
não aparecia qualquer mistério. Ela descobrira intuitivamente o mistério da
vida e do ser humano; em compensação, era capaz de dissimular o seu próprio
mistério."
BORELLI,
Olga. Clarice Lispector: esboço para um possível retrato.
Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1981.
Entendendo o texto:
01 – Qual é o objetivo desse
texto?
Traçar o perfil físico e psicológico de
Clarice Lispector, grande autora da literatura brasileira.
02 – O que predomina, a
caracterização física ou psicológica da escritora?
Ambas. Para
descreve-la, a autora mescla características físicas e psicológicas.
03 – Em termos gerais,
predomina descrição objetiva ou subjetiva da escritora? Justifique sua
resposta.
Subjetiva. A
caracterização de Clarice tem adjetivos pouco exatos que marcam a presença da
emoção do sujeito, enquanto descreve, tais como: “bem definidos”; “perfeitos”;
“profundamente feminina”; “milagre de elegância”; etc.
04 – Em termos gerais, a
descrição feita de Clarice Lispector procura apresenta-la de forma positiva ou
negativa? Justifique sua resposta.
Procura
apresenta-la de forma positiva: Clarice é descrita como uma mulher elegante,
solitária, misteriosa, mas solidária, preocupada com problemas sociais.
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