ARTIGO DE OPINIÃO: Jerimum
tresandado
Ricardo Valladares
Por
que é ridículo o sotaque dos atores da Globo que interpretam personagens
nordestinos.
Sempre que a Rede Globo coloca no ar
uma novela passada fora do eixo Rio – São Paulo, nordestinos alisam o cabo da
peixeira. Tudo por causa do sotaque dos personagens, que soa ridículo aos
ouvidos dos moradores dessa região do Brasil. Segundo pesquisa do Ipesp,
instituto pernambucano, feita no Ceará durante a exibição da novela A Indomada,
no ano passado, apenas 13% dos moradores da região se sentiram bem
representados nas falas dos personagens. Os demais se dividiam entre os que
achavam ridículo e os que encaravam tudo como piada. No centro dessa discussão
está a professora de prosódia da Globo, Iris Gomes da Costa, hoje responsável
pelas aulas de “dialeto cearense” da novela Meu Bem Querer. Fluminense de São
Fidélis, Iris é formada em português e francês e faz um trabalho meticuloso.
Sempre que viaja leva um gravadorzinho na bolsa. Quando entabula uma conversa
com alguém do lugar que está visitando, pede autorização para gravar um trecho
do diálogo. Com isso, formou um arquivo de prosódias que mapeia o jeito de
falar de cada região. Ela o usa em suas aulas na emissora.
Mesmo com esse cuidados, o sotaque
nordestino dos atores da Globo está longe de ser realista. Um dos motivos
principais é que imitar o jeito de falar de uma região é uma das coisas mais
difíceis da arte dramática. Se atores de cinema tarimbados evitam esse constrangimento
– o britânico Hugh Grant, por exemplo, sempre faz papel de inglês em filmes
americanos –, que dizer, então, de galãs da Globo, recém-saídos da escola de
modelos, que tentam aprender o sotaque nos intervalos entre uma gravação e
outra? A própria Iris admite que a fala cearense da novela é de mentirinha. “É
uma obra de ficção, o importante é ter uma referência vaga”, defende-se.
A Globo começou a utilizar sotaques
regionais em novelas em 1975, quando o diretor Walter Avancini contratou Lúcia
Rocha, mãe do cineasta Glauber, para ensinar os personagens de Gabriela a falar
“baianês”. Quando fez isso, contrariou uma regra de ouro da dramaturgia: aquela
que reza que sotaques falsos devem ser utilizados apenas em peças cômicas, já
que soam invariavelmente ridículos. É assim desde a commedia dell’arte,
italiana, na qual os criados falavam sempre com acento napolitano – uma
brincadeira com o fato de que era do sul pobre do país que vinham os serviçais
da nobreza. A cantora baiana Daniela Mercury não se importa com a fajutice do
sotaque nordestino global. “Tem a vantagem de não massificar a televisão com as
falas de São Paulo e Rio”. O humorista Tom Cavalcante, que é cearense, acha que
imitações só caem bem em piadas. O escritor Ariano Suassuna, paraibano, é
radicalmente contra. “Nas adaptações de minhas peças para TV exijo que não
façam sotaque nenhum”. Quando o interlocutor pergunta a razão, Ariano começa a
imitar o jeito de falar de cariocas e paulistas – e se diverte com as risadas
que provoca.
VALLADARES,
Ricardo. Jerimum tresandado.
In: Veja, Abril, São
Paulo, ed. 1572, p. 198, 11 nov. 1998.
Entendendo o texto:
01 – Observe as acepções do dicionário para as seguintes
palavras:
·
Jerimum: Abóbora, aboboreira,
abóbora-moranga.
·
Tresandar: Fazer andar para trás, desandar,
transformar, confundir, perturbar, desordenar.
Explique a escolha do título para esse texto.
Jerimum e tresandar são palavras mais comumente usadas no
norte e nordeste do Brasil. Ao se aproveitar as duas palavras para formar a
expressão Jerimum desandado, obteve-se uma sugestão de confusão, de desordem.
02 – Afirma-se que o sotaque
dos atores da Rede Globo que interpretam personagens nordestinos é ridículo.
Que dados estatísticos o autor usa para fundamentar essa ideia?
A professora de “sotaque nordestino” e a atriz Carolina
Pavanelli. Adianta que, apesar das tentativas, o sotaque é falso.
03 – Que estratégias a
professora usa para ensinar “sotaque” a seus alunos? Por que, segundo o texto,
as aulas não dão resultado satisfatório?
Grava falares em regiões diferentes e
usa-os em suas aulas. Porque imitar o jeito de falar de uma região é muito
difícil.
04 – Qual foi o resultado da
pesquisa feita pela IPESP, com a relação à exibição da novela A Indomada, no
Ceará?
Apenas 13% dos moradores da região se sentiram representados
durante a exibição de uma novela com personagens nordestinos. Os demais se
dividiram entre os que acharam ridículo e os que encaravam tudo como piada.
05 – Releia: “Se atores de cinema tarimbados evitam esse
constrangimento – o britânico Hugh Grant, por exemplo, sempre faz papel de
inglês em filmes americanos –, que dizer, então, de galãs da Globo,
recém-saídos da escola de modelos, que tentam aprender o sotaque nos intervalos
entre uma gravação e outra?”
O que o autor do texto
sugere a respeito dos atores da Globo nesse trecho? Que pistas linguísticas dão
conta disso?
Os atores da Globo são inexperientes (em
oposição aos “tarimbados atores de cinema); “galãs” e não atores (“recém-
saídos da escola de modelos”).
06 – Que personalidades
foram consultadas para dar um parecer sobre o assunto? Que pontos em comum têm
essas pessoas que justifica a consulta?
Tom Cavalcante,
Daniela Mercury e Ariano Suassuna. Todos são do nordeste do Brasil e ligados à
área artística: respectivamente, humorista e ator, cantora e dramaturgo.
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