Conto: Esperança (fragmento)
Giselda Laporta
Nicolelis
-- Criança? – Marcelo deu um salto e
saiu correndo pra atender o telefone.
-- É o
Marcelo?
-- Sou sim.
Como é seu nome? Você quer o Buscapé?
-- Espere um pouco. Eu me chamo Wanderlei mas
quem vai falar com você é o Claudinei, o meu irmão.
-- Oi,
Marcelo.
-- Oi,
Claudinei. Quantos anos você tem?
-- Treze.
-- Ah, que
bom! Você quer o Buscapé?
-- Quero – disse o menino. – Eu preciso
muito de um cachorro. Quando a minha mãe leu a notícia pra mim no jornal eu
pensei: “Agora eu resolvo tudo”.
-- Resolve o quê? Por que você não leu
sozinho?
-- Sabe, eu sou cego. Preciso de um cão
guia. Mas sou pobre, não posso comprar um cachorro de raça. Será que o Buscapé
consegue fazer isso?
-- É muito difícil? – quis saber o
Marcelo.
-- Não é fácil, não. O cão precisa
parar antes de atravessar a rua, antes de um buraco, qualquer coisa perigosa.
Andar sempre na minha frente para me avisar. Com ele eu podia sair sozinho, ser
livre.
-- E se eu treinasse o Buscapé pra
você? – ofereceu o Marcelo, num impulso. – Sabe, ele só obedece a mim, quando
obedece. Nós tínhamos que nos encontrar pra ele ir acostumando com você.
-- Puxa, ia ser bom! – animou-se o
Claudinei. – Por que você não vem até a minha casa? Pra você é mais fácil.
-- Dê seu endereço e telefone – pediu o
menino.
-- Telefone eu não tenho. Estou falando
do orelhão da esquina. Tome nota do endereço.
-- Clau, Claudinei, amanhã sem falta eu
vou aí na sua casa.
[...]
Tocaram a campainha da casa e veio
atender um menino mais ou menos do tamanho do Marcelo, moreno de cabelos
crespos.
-- Por favor, o Claudinei está?
-- Sou eu.
-- Eu sou o Marcelo.
-- Oi, Marcelo – o menino sorriu –,
você trouxe o Buscapé?
-- Trouxe sim e a dona Fátima, minha
professora, veio junto.
-- Como vai, Claudinei? – perguntou a
professora.
-- Muito bem, e a senhora? Vamos
entrar?
Na sala, o Buscapé se enfiou embaixo da
cadeira do Marcelo.
-- Se você não tivesse contado eu nem
ia perceber que você não enxergava – disse o Marcelo.
-- Ah, por aqui eu ando muito bem. Mas
meu sonho é sair por aí, em liberdade, atravessar avenidas, levar uma vida
normal, entende? Mamãe é medrosa, com o Buscapé aposto que ela deixa eu ir.
-- Você vai à escola? – quis saber dona
Fátima.
-- Vou, claro, só que os meus livros
são todos em braile. Eu estou na quinta série e vou ser advogado.
-- Braile? – estranhou o Marcelo. – Que
é isso?
-- É uma escrita especial para ser lida
com os dedos – explicou a professora. – Você encontra facilmente os livros,
Claudinei?
-- Que nada, às vezes, é difícil, não
existem. O meu irmão então copia os livros em braile pra mim. Ele está na mesma
classe.
-- Na mesma classe?
-- Ele é mais novo dois anos, eu estou
um pouco atrasado. Nós conseguimos uma licença especial para ficar na mesma
classe para ele me ajudar nas provas. Eu faço as provas em braile e ele passa
para a linguagem comum.
-- Puxa, ele tem de ser honesto pra
burro, hein? – falou o Marcelo. – É difícil aprender braile?
-- Um pouco. Mas foi o único jeito de
eu poder frequentar a escola.
-- Muito bem pensado – aplaudiu a
professora. – Tenho certeza que você e o Buscapé serão grandes amigos. Afinal
vocês precisam um do outro.
-- Tomara. Vamos treinar ele, Marcelo?
-- Mãos à obra. A senhora espera, dona
Fátima?
-- Mamãe saiu mas já volta – avisou o
Claudinei.
-- Não se preocupem comigo. Vão treinar
e boa sorte.
[...]
Mas tarde na hora da saída, foi aquele
rebuliço.
-- Segura o Buscapé – gritou o Marcelo
para o Claudinei.
-- Tô segurando – falou o menino,
usando todas as suas forças para conter o cachorro que esperneava.
-- Depressa, Marcelo – pediu o
Claudinei, abrindo só um pouco o portão para a professora e o menino passarem.
Nessa altura, o Buscapé deu um arranco
e livrou-se do Vanderlei. Mas fecharam o portão bem no focinho dele. Mesmo
assim ficou latindo e uivando, como um condenado, até o carro sumir de vista.
NICOLELIS, Giselda Laporta.
Um dono para Buscapé.
São Paulo, Moderna,
1983. p. 21-7.
Entendendo o conto:
01 – Pelo texto dá para
perceber algumas funções de um cão guia. Quais são elas?
Ele precisa parar
antes de atravessar a rua, antes de um buraco, ficar atento a coisas perigosas.
02 – O que Marcelo propôs ao
Claudinei?
Treinar o cão Buscapé para guia-lo.
03 – Que tipo de cão
normalmente é utilizado nessas tarefas?
Cão de raça.
04 – Como é Claudinei
fisicamente?
Moreno de cabelos crespos.
05 – Qual é o sonho de
Claudinei? O que ele quer ser?
Seu sonho é andar
livremente. Quando crescer quer ser advogado.
06 – Por que foi difícil
encontrar uma escola que aceitasse o Claudinei?
Porque geralmente
as escolas convencionais não possuem uma infraestrutura adequada ao ensino de
deficientes físicos.
07 – Como reagiu o Buscapé
na saída de Marcelo? Por que ele reagiu assim?
Ficou latindo e
uivando, porque não queria se separar de Marcelo.
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