sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

CRÔNICA: A HISTÓRIA MAIS OU MENOS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: A História Mais ou Menos
                              Luís Fernando Veríssimo

        Negócio seguinte. Três reis magrinhos ouviram um plá de que tinha nascido um Guri. Viram o cometa no Oriente e tal e se fla­graram que o Guri tinha pintado por lá. Os profetas, que não eram de dar cascata, já tinham dicado o troço: em Belém da Judeia vai nascer o Salvador, e tá falado. Os três magrinhos se mandaram. Mas deram o maior fora. Em vez de irem direto para Belém, como mandava o catálogo, resolveram dar uma incerta no velho Herodes, em Jerusalém. Pra quê! Chegaram lá de boca aberta e entregaram toda a trama. Perguntaram: Onde está o rei que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Quer dizer, pegou mal. Muito mal. O velho Herodes, que era um oligão, ficou grilado. Que rei era aquele? Ele é que era o dono da praça. Mas comeu em boca e disse: Joia. Onde é que esse guri vai se apresentar? Em que canal? Quem é o empresário? Tem baixo elétrico? Quero saber tudo. Os magrinhos disseram que iam flagrar o Guri e na volta dicavam tudo para o coroa.
        Bom. Seguiram o cometa, chegaram numa estrebaria e lá esta­va o Guri com a Mãe e o Pai. Sensacional. Parecia até presépio vivo. Os magrinhos encheram o Guri de presente. Era Natal, pô. Mirra, incenso, ouro, autorama. Tava na hora de darem no pé quando chega um telex. É do céu. Um anjo avisando aos magrinhos que não, repi­to, não voltem à presença de Herodes porque o coroa tá a fim de apagar o Guri. E, depois que os magrinhos se mandaram, chega outro telex, desta vez para o velho do Guri. Te manda e leva a família. O Herodes vem atrás de vocês e não é pra dar presente. O velho pegou a mulher e o Guri e voou para o Egito. Na estrebaria as vacas ficaram se entreolhando meio acanhadas, mas depois esquece­ram tudo. Aliás, um dos carneiros, mais tarde, quis vender a história toda para um jornal de Jerusalém, mas não acertaram o tutu.
      Bom, o Herodes, é claro, ficou chutando as paredes quando soube da jogada dos magrinhos. Mandou que todo bebinski nascido nas bocas fosse cancelado. Se tiver fralda, apaga. Foi chato. Muito chato. Morreu neném que não foi fácil. Mas o Guri tava no Egito, vivão. Pouco depois Deus achou que o Herodes tava se passando e cassou a licença dele. E mandou passar outro telex para o velho do Guri: Pode voltar. Segue carta. Mas o velho foi vivo e em vez de pintar na Judeia – onde o filho de Herodes, outro mauca, reinava ­foi para a Galileia, para uma cidadezinha chamada Nazaré. Ali o Guri cresceu legal. Acabou Rei mesmo, dando o maior Ibope. Aliás, os profetas já tinham dito que o Guri seria chamado Nazareno. Naquela época, profeta não dava uma fora! Se tivesse a Loteria Esportiva, já viu, né?

              VERÍSSIMO, Luís Fernando. A História, mais ou menos. In:
O nariz e outras crônicas. São Paulo: Ática, 1994, p. 30-1. (Para gostar de ler).

Entendendo a crônica:
01 – Qual é o texto que serviu de base para essa crônica de Luís Fernando Veríssimo?
      O texto bíblico que narra o nascimento de Jesus.

02 – A crônica possui um narrador, cujas características podem ser facilmente deduzidas a partir de uma análise das escolhas linguísticas feitas. Quais dos perfis abaixo se aproxima do narrador representado no texto?
a)   Criança, com 8 ou 9 anos.
b)   Adolescente, com 13 a 17 anos.
c)   Adulto, executivo, pai.

03 – É possível classificar o texto “A História, mais ou menos” como sendo uma paródia ou uma paráfrase? Por quê?
      É difícil classificar o texto como sendo uma paródia ou uma paráfrase, porque, apesar de não haver inversões em relação aos sentidos do enredo original, dá-se voz a um narrador totalmente diferente do narrador bíblico, o que implica em um outro texto, produzido com outra finalidade, para outros interlocutores, em outra situação comunicativa.

04 – Apesar de usar muitas gírias, o texto também possui algumas palavras inventadas, atitude essa própria da criatividade jovem. A partir de semelhança com palavras que você conhece e de análise do contexto linguístico, deduza o que significam as seguintes palavras abaixo:
·        “Oligão” = é uma referência à Oligarquia, forma de governo em que poucas pessoas governam.

·        “Mauca” = deduzindo-se pelo contexto, pode significar “pessoa desprezível” ou “cruel”.

05 – Que palavras no texto representam objetos que “atualizam” a história?
      Telex, autorama, baixo elétrico, fralda.

06- Observe as expressões a seguir: "ouviram um plá", "maior fora" e "dar uma incerta". Considerando o contexto apresentado nesse trecho da crônica, o que cada uma delas significa?
"ouviram um plá" = ficaram sabendo de algum acontecimento;
"maior fora" = cometer um erro;
"dar uma incerta" = verificar, sem avisar previamente.

07 - Qual é o tipo de linguagem utilizada no texto?
O texto apresenta linguagem informal.

08 - De acordo com a situação de uso, qual é o efeito de sentido produzido no texto com o uso dessas expressões?
O efeito é de tornar a história descontraída e bem-humorada, pois é uma forma não convencional de narrar uma história conhecida mundialmente.



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