Sermão
pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as da Holanda
[...]
Considerai, Deus meu – e perdoai se
falo inconsideravelmente – considerai a quem tirais as terras do Brasil, e a
quem as dais. Tirais estas terras aos portugueses a quem no princípio as
destes; e bastava dizer a quem as destes para perigar o crédito de vosso nome,
que não podem dar nome de liberal mercês com arrependimento. [...] Mas deixado
isto à parte, tirai estas terras àqueles mesmos portugueses, a quem escolhestes
entre todas as nações do mundo para conquistadores da vossa Fé, e a quem destes
por armas como insígnia e divisa singular vossas próprias chagas. E será bem,
Supremo Senhor e Governador do Universo, que às sagradas Quinas de Portugal, e
às armas e chagas de Cristo, sucedam as heréticas Listas de Holanda, rebeldes a
seu rei e a Deus? Será bem que estas se vejam tremular ao vento, vitoriosas, e
aquelas abatidas, arrastadas e ignominiosamente rendidas? [...].
Tirais, também o Brasil aos
portugueses, que assim estas terras vastíssimas, como as remotíssimas do
Oriente, as conquistaram à custa de tantas vidas e tanto sangue, mais por
dilatar vosso nome e vossa fé (que esse era o zelo daqueles cristianíssimos
reis), que por amplificar e estender seu império. Assim fostes servido que
entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão gloriosamente, e assim
permitis que saiamos agora (quem tal imaginaria de vossa bondade), com tanta
afronta e ignomínia! [...] Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos
trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o
derramar tanto e tão ilustre sangue nestas Conquistas? Para que abrimos os
mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não
conhecidos? Para que contrastamos os ventos e as tempestades com tanto arrojo,
que apenas há baixio no Oceano que não esteja infamado com miserabilíssimos
naufrágios de portugueses? E depois de tantos perigos, depois de tantas
desgraças, depois de tantas e tão lastimosas mortes, ou nas praias desertas sem
sepultura, os sepultados nas entranhas dos alarves das feras, dos peixes, que
as terras que assim ganhamos, as hajamos de perder assim! Oh quanto melhor nos
fora nunca conseguir, nem intentar tais empresas! [...]
Padre Antônio Vieira
Entendendo o texto:
01 – O sermão lido mantém o
caráter estritamente religioso? Explique.
Não. O discurso é
essencialmente político.
02 – Considere o contexto
histórico em que o discurso foi proferido. O que se está defendendo nesse
texto?
Está-se
defendendo que as terras do Nordeste devem pertencer a Portugal.
03 – Que argumento é usado
para defender tal tese?
A
de que Portugal merece mais a terra do que os holandeses, pois a conquistaram
para difundir a fé cristã, lutaram muito, cruzaram mares, sofreram e morreram.
04 – Qual foi a finalidade
da conquista de tantas terras pelos portugueses, segundo Vieira?
A expansão da fé católica e não o aumento do domínio do
império português.
05 – Fazer com que o
interlocutor aceite as ideias que se defende pressupõe duas estratégias:
convencer a partir de argumentos sólidos e persuadir com recursos de caráter
emocional. Você observou que o texto arrola argumentos para defender a tese de
que Portugal deve, por direito, ficar com as terras. Agora, analise quais foram
os recursos persuasivos empregados.
a)
Observe que o vocativo, na primeira frase,
sugere um interlocutor. Quem seria? Que efeito se obtém ao se usar tal
vocativo?
O sermão sugere que Deus é o interlocutor. Ao usar tal recurso,
legitima-se o pedido, como se a causa defendida pudesse ter o aval divino.
b)
O sermão possui um tom indignado. A escolha
do tom também pode ser um recurso de persuasão? Explique.
Sim. Dessa forma, reforça-se a ideia de que as terras só poderiam
pertencer a Portugal, e a hipótese de que isso não venha a ocorrer deva ser
considerado um absurdo.
c)
A caracterização dos personagens envolvidos pode
se tornar um poderoso recurso de persuasão. Releia o texto de Vieira e observe
como foram descritos os holandeses, os portugueses e os reis de Portugal.
Os holandeses são caracterizados como heréticos e rebeldes, por
professarem uma doutrina diferente daquela imposta pela Igreja Católica. Eles
eram protestantes.
O povo português é descrito como conquistadores, fiéis a Deus,
valentes, honrados e capazes de feitos gloriosos.
Os reis de Portugal são descritos como “cristianíssimos”.
d)
Observe que os argumentos no segundo
parágrafo foram construídos a partir de perguntas. Que efeito se produz?
Reforça-se o tom de revolta, de indignação, de profunda certeza
daquilo que se está defendendo.
e)
Releia este trecho: “Assim fostes servido que
entrássemos nestes novos mundos, tão honrada e tão gloriosamente, e assim
permitis que saiamos agora (quem tal imaginaria de vossa bondade), com tanta
afronta e ignomínia!” Qual é a função da ressalva que está entre parênteses?
Reforçar a ideia de que Deus, sendo tão bom, não pode permitir que
Portugal perca tal luta.
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