Texto: Louvor da manhã
[...] Era silencioso o amor. Podia-se
adivinhá-lo no cuidado da mãe enxaguando as roupas nas águas de anil. Era
silencioso, mas via-se o amor entre seus dedos cortando a couve, desfolhando
repolhos, cristalizando figos, bordando flores de canela sobre o arroz –doce
nas tigelas.
Lia-se o amor no corpo forte do pai, em
seu prazer pelo trabalho, com sua mansidão para com os longos domingos. Era
silencioso, mas escutava-se o amor murmurando – noite adentro – no quarto do casal.
A casa, sem forro, deixava vazar esse murmúrio com o aroma de fumo e canela,
que invadia lençóis e dúvidas, para depois filtrar-se por entre telhas.
Experimentava-se o amor quando, assentados
ao calor da cozinha, pai e mãe falavam de distâncias, dos avós, das origens,
dos namoros, dos casamentos.
E, quando o sono chegava, para cada
menino em cada tempo, era o amor que carregava cada filho nos braços para a
cama, ajeitando o cobertor debaixo do queixo.
[...] Em tardes de domingo, sempre
muito longas e vestidas de sossego, a mãe se fazia criança para os
filhos.
Ao pé da escada, junto da porta da
cozinha, estava o tanque.
De cimento cinza, ele guardava a água fria que
despencava do morro, escorregando dentro dos bambus – veias cristalinas. A
umidade favorecia viver e crescer ali, musgos verdes, tapetes por onde pequenas
formigas passavam, arrastando montes de folhas. Mesmo o olhar se sentia
acariciado por veludo assim tão fino.
Com anilinas para doces a mãe coloria
as águas no tanque, uma cor de cada vez, e mergulhava as alvas galinhas
legornes em banho colorido: azul, verde, amarelo, vermelho, roxo. Em pouco
tempo o quintal, como por milagre, era pátio e castelo, povoado de aves –
legornes agora raras – desenhadas em livro de fadas. Ficava tudo encantamento.
Não havia livro, mesmo aqueles vindos de muito longe, com história mais bonita
do que as que a mãe sabia fazer. Não era difícil para Antônio imaginar-se
príncipe e filho de mágicos.
Quando o dia ameaçava esconder o sol,
entre seios e montanhas, aquele inofensivo bando, filho do arco-íris que morava
na cabeça da mãe, se empoleirava nos galhos até não poder mais, com seus
antigos moradores vestindo roupa nova de festa, feita pela mãe; pensava na
árvore de Natal que não tardaria a brotar no canto da sala, com sombra
protegendo presentes.
No outro dia, o barulho do milho na
cuia trazia para junto dos meninos um arco-íris faminto e já meio desbotado
pela noite e seu sereno. Mas ficava a certeza de que a mãe, em qualquer
momento, brincaria de outra coisa.
Bartolomeu Campos de Queirós
Entendendo o Texto:
01 – Segundo o texto, o amor
era silencioso na casa de Antônio. O que significa isso?
O amor não era expresso em palavras, não
era declarado, percebe-se sua presença pelos gestos e pelas atitudes da mãe e
do pai.
02 – Em que momento ocorria
a manifestação silenciosa do amor?
Nas atividades comuns do cotidiano: nos instantes de lazer da
família, na bate-papo na cozinha da casa ou a noite, na hora de dormir.
03 – Na casa de Antônio, pais e filhos mantinham-se unidos, cultivando um profundo amor. Como os pais buscam manter os laços familiares que julgavam tão importantes?
Falando das
pessoas importantes da vida deles já falecidas, da história da família para
manter viva o passado e realizando com satisfação as tarefas de casa.
04 – “Não havia livro, mesmo
aqueles vindos de muito longe, com história mais bonita do que as que a mãe sabia
fazer". Qual é a diferença entre contar uma história e fazer uma história?
Contar uma história é narrar somente,
enquanto que fazer uma história é dá vida aos personagens para que se torne
algo concreto.
05 – O que significa a expressão 'filho do arco-íris que morava na cabeça da mãe”?
Era o bando de
pintinhos/galinhas que a mãe pintava porque sua imaginação achava que era um
arco-íris.
06 – No texto, quais
elementos permitem identificar o lugar em que Antônio vive como uma região
rural?
O
cheiro do fumo, a água não encanada, galinhas, montanhas, etc.
07 – Esse texto mostra que a
mãe dava afeto aos filhos e também participava da vida deles, inventando
brincadeiras. De que forma ela tornava concretas as histórias que imaginava?
Ela usava as galinhas e transformava o
quintal em um livro.
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