CRÔNICA: O CARIOCA E A ROUPA
Paulo Mendes Campos
[...] Deu-se comigo outro dia uma experiência engraçada: fui ao centro da
cidade de blusa, coisa que me aconteceu várias vezes, mas só então acrescida de
um pormenor que introduziu um caráter inédito à situação: levava debaixo do
braço uma pasta de papéis, feita de nylon.
Sim, pela primeira vez fui à cidade de blusa e pasta. Qualquer um desses
fatores quase nada significa isoladamente; reunidos, alteraram radicalmente o
tratamento que me deram todas as pessoas desconhecidas.
Quando tomei um táxi, vi que o motorista torceu a cara, mas não percebi o que
se passava, pois experimentei semelhante má vontade em outras circunstâncias.
Reparei também certa estranheza do motorista quando lhe dei de gorjeta o troco,
mas permaneci opaco ao fenômeno social que se realizava. Em um restaurante comum,
sentei-me para almoçar. O garçom, que até então eu não vira mais gordo,
tratou-me com uma intimidade surpreendente e, em vez de elogiar os pratos pelos
quais eu indagava, entrou a diminuí-los: “aqui a gororoba é uma
coisa só; serve para encher o bandulho”. Não sou
de raciocínio rápido mas, em súbita iluminação, percebi, com todo o prazer da
novidade, que eu estava vestido de mensageiro: pasta e blusa. Ao longo da
tarde, fui compreendendo que, até hoje, não tinha a menor ideia do que é ser um
mensageiro. Pois eu lhes conto. Um mensageiro é, antes de tudo, um triste.
Tratado com familiaridade agressiva pelos epítetos de
“amigo”, “chapa” e “garotão”, o que há de afetivo nestes nomes é apenas um
disfarce, pois atrás deles o tom de voz é de comando. “Quer deixar o papai
trabalhar, garotão”, disse-me o faxineiro de um banco, cutucando-me os pés com
a ponta da vassoura.
Entendi muitas outras coisas humildes: o mensageiro não tem direito a réplica; é
barrado em elevadores de lotação ainda não atingida; posto a esperar sem oferecimento
de cadeira; atendido com um máximo de lentidão; olhado de cima para baixo;
batem-lhe com vigor no ombro para pedir passagem; ninguém lhe diz “obrigado” ou
“por favor”; prestam-lhe informações em relutância; as
mulheres bonitas sentem-se ofendidas com o olhar de homenagem do mensageiro; os
vendedores lhe dizem “não tem” com um deleite sádico.
Foi uma incursão involuntária à natureza de uma sociedade
dividida em castas. Preso à minha classe e a algumas roupas, dizia o poeta, vou de
branco pela rua cinzenta. No fim da tarde, eu já procedia como um mensageiro,
só me aproximando dos outros com precauções e humildade, recolhendo de meu
rosto qualquer veleidade de um sorriso inútil, jamais correspondido. Dentro de mim
uma vontade de sofrer. Por todos os mensageiros do mundo, meus irmãos. Por
todos os meus irmãos para os quais a humilhação de cada dia é certa como a
própria morte. Porque o pior de tudo é que as pessoas não sorriam. O pior é que
ninguém sorri para os mensageiros.
CAMPOS, Paulo Mendes. Crônicas.
São Paulo: Ática,1982. (Para gostar de ler,5).
Entendendo
o texto:
01 – Esse
texto foi escrito há algum tempo. Estar “vestido de mensageiro” corresponde a
que profissão hoje em dia?
Essa profissão corresponde à profissão de office boy, boy (há também a forma
aportuguesada “bói”) ou contínuo. Hoje. Normalmente, quem realiza as funções do
mensageiro é a motoboy.
02 –
Segundo o texto, o motorista do táxi “torceu a cara” ao narrador da história.
Em sua opinião, que razões ele teria para fazê-lo?
Ele, talvez, estivesse imaginando que o “mensageiro” não teria dinheiro para
pagar a corrida; ou que ele não iria ganhar gorjeta, pois “mensageiros” não
devem ter dinheiro de sobra.
03
– O garçom não destratou o “mensageiro”. Entretanto, o narrador sentiu que
o tratamento a ele oferecido era inadequado. O que teria sido desagradável no
episódio com o garçom?
O narrador não gostou da inesperada intimidade do garçom, bem como das palavras
desagradáveis que ele utilizou para se referir à comida, como “gororoba” e
“bandulho”.
04
– Você acha que o “mensageiro” sofreu discriminação? Justifique sua
resposta.
A discriminação fica explícita no tratamento que o narrador recebe do
motorista, do garçom e do faxineiro. No 4º parágrafo, o narrador enumera outras
várias situações em que ele viveu o preconceito sofrido pelos mensageiros.
05
– “Entendi muitas outras coisas humildes”, afirma o narrador. De acordo
com o texto, quais são elas?
Foram as situações descritas pelo narrador no 4º parágrafo, como não ter
direito a réplica;
Ser barrado em elevadores; esperar sem
que uma cadeira seja oferecida; ser atendido com lentidão; ser olhado de cima
para baixo, etc.
06
– Você acha que, nos dias de hoje, os mensageiros sofrem essas mesmas
discriminações? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal.
07
– Ao escrever a frase “Pois eu lhes conto”, o autor se refere a quem? Com
que intenção ele fez esse tipo de referência?
Refere-se ao leitor. A intenção é aproximar-se mais do leitor.
Releia o trecho a seguir:
ResponderExcluira) registro linguístico é usado na crônica ? Por que o autor fez esse uso ?
B) pode-se afirmar que as palavras destacadas são gírias ou expressões populares da época?explique
Em sua opinião que público o autor desejava atingir ao escrever essa crônica?
ResponderExcluirEm sua opinião ele foi discriminado?Justifique sua resposta.
O que significa essa familiaridade agressiva de que o autor fala no texto?
Ao escrever a frase destacada, o autor se refere a quem?
Com que intenção ele fez esse tipo de referência?
Relate a sua opinião sobre o assunto abordado no texto e o que as pessoas vivenciam ainda hoje em sociedade.
Mim responda
ResponderExcluirQual e o conflito que desequilibra o cotidiano do cronista ?
ResponderExcluirAs pessoas acharem que ele era um mensageiro por ter saído de camisa e pasta na mão.
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