terça-feira, 2 de janeiro de 2018

CRÔNICA: ANTES QUE ELAS CRESÇAM - AFFONSO R. DE SANT'ANNA - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO

TEXTO: ANTES QUE ELAS CRESÇAM

Fonte da imagem - https://www.blogger.com/blog/post/edit/7220443075447643666/2089821678238586458#

   Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. [...] crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

        Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente. Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade, que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
        Onde é que andou crescendo aquela danadinha, que você não percebia? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal ou escola experimental?
       Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil.  E você agora está ali na porta da discoteca esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins[...].
       Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então, com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração. [...]
        Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.
       Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante das próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route< bonne route” como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha lhe oferece o primeiro jantar no apartamento dela.
       Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância e os adolescentes cobertores naquele quarto cheio de colagens, posters e agendas coloridas de Pilot. Não, não as levamos suficientes vezes ao shopping, ao circo, ao teatro, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
        Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo nosso afeto.
      No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, disputa pela janela, pedidos de sorvetes e sanduíches, cantorias infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível largar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora dos pais nas montanhas terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.
        O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos, e que não pode morrer conosco. Por isto os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
        Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

Affonso Romano de Sant’Anna. O homem que conheceu o amor.
Rio de Janeiro: Rocco, 1988.

 ENTENDENDO O TEXTO:

        A crônica que você leu apresenta uma profunda visão do autor sobre o crescimento dos(as) filhos(as) e os sentimentos dos pais.
01 – Que frase no primeiro parágrafo sintetiza a visão do autor sobre esse aspecto? Assinale a alternativa correta.
a) (  )“Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.”
b) (x)“[...] elas crescem sem pedir licença”.
c) (  )“[...] crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância”.

02 – O que o cronista demonstra sentir ao empregar a frase que você indicou no item a: contentamento ou melancolia? Justifique sua resposta.
      Melancolia, porque tudo acontece muito rápido e os pais não se preparam para esta separação.

03 – O cronista inicia o texto com a frase: “Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos”.
Uma palavra nessa frase foi utilizada fora do uso comum pelo cronista. Qual é a palavra e o que ela significa na crônica?
      Pais ficando órfãos dos filhos. Significa que os filhos crescem e vão seguir sua vida.

04 – Que construção na frase informa que esse fato acontece aos poucos, à medida que o tempo passa?
      Quando diz: "vão ficando".
                  
05 – Algumas frases do texto fazem referência a diferentes período de crescimento do ser humano. A que fase de crescimento se refere cada um dos trechos a seguir?
a) “Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços[...]?”
      Infância.

b) “Saíram do banco de trás e passaram para o volante das próprias vidas”.
      Adulta.

06 – De acordo com o cronista, caso o amor pelos filhos não se esgote, “O jeito é espera.”. Em que momento da vida os pais poderão esgotar esse amor?
      Quando tiverem os netos, poderão gastar este amor estocado, não exercido nos próprios filhos, e que não pode morrer com eles.
     



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