Texto: A casa ilhada
Milton Hatoum
Era junho, auge da
enchente, por isso tivemos que embarcar na beira do Igarapé do Poço Fundo e
navegar até a casa no meio da ilhota.
Os moradores das palafitas nos
olhavam com surpresa, como se fôssemos dois forasteiros perdidos num lugar d
Manaus que podia ser tudo, menos uma atração turística. No entanto, o cientista
Lavedan, antes de voltar para Zurique, insistiu para que o acompanhasse até a
casa ilhada, teimando em navegar num rio margeado de casebres pobres.
[...]
Eu conhecia de vista a casa
ilhada: um bangalô atraente e misterioso, que só parecia das sinal de vida
depois do anoitecer, quando as luzes iluminavam a fachada e o jardim. Sempre
que atravessava a ponte sobre o igarapé, via uma ponta do telhado vermelho e,
de um ângulo, podia ver as portas e janelas fechadas, como se algo ou alguém no
interior da casa fosse proibido à cidade ou ao olhar dos outros.
[...]
O catraieiro atracou
ao lado de um barco abandonado, em cuja proa se podia ler Terpsícore em letras
vermelhas e desbotadas Lavedan soletrou o nome do barco, enganchou a alça da
sacola no ombro e saltou na lama; sem olhar para trás, caminhou com firmeza na
direção da casa.
Entendi que devia
esperá-lo na canoa.
Hoje, não saberia dizer
quanto tempo Lavedan demorou dentro da casa. O catraieiro me emprestou um
chapéu de palha; depois assobiei, cantarolei, observei detalhes da casa e do
lugar; talvez tenha injuriado o suíço misterioso, de quem só sabia o nome e as
qualidades de ictiólogo contadas por ele
mesmo. Meses mais tarde conheceria algo do homem transtornado que ele foi ou
que sempre será. No entanto, ao regressar da casa, Lavedan parecia sereno,
reconfortado; murmurou palavras de agradecimento e pediu desculpa por ter ocupado
uma parte da minha manhã.
[...]
Isso aconteceu em 1990. Ou,
para ser preciso: 16 de junho de 1990. Não me lembro com nitidez do que me
ocorreu há duas semanas, mas, se me lembro desta data, é porque no dia 18 de
junho daquele ano os jornais noticiaram a morte do único morador da casa
ilhada. O corpo, sem sinal de violência, fora encontrado na tarde do dia
anterior. A fotografia da casa me conduziu à notícia da morte. Encarei
tudo isso como uma coincidência Até que, dois meses depois, recebi uma carta de
Lavedan. [...]
HATOUM,
Milton. A cidade ilhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. P. 69-72.
(Fragmento.)
01 – Milton Hatoum apresenta uma linguagem enxuta, objetiva e,
nesse conto, revive algumas lembranças de sua cidade natal, Manaus.
a) Explique por que os
dois visitantes despertaram tanto a atenção dos moradores.
Com a enchente, quase ninguém deveria
navegar por aquele local, que era pouco atraente; e também por serem pessoas
estranhas à região.
b) O que tornava
a casa ilhada um lugar diferente?
Ela ficava completamente isolada e fechada;
não se via ninguém; só a noite era iluminada.
02 – Ao chegar a casa ilhada, o suíço Lavedan, pesquisador de
peixes, desceu rapidamente da canoa e entrou na casa.
a) Na sua opinião, por que ele
conferiu o nome do barco ao lado da casa, antes de entrar sozinho?
Lavedan deveria conhecer o morador da
casa e seu barco, por isso se assegurou, antes de entrar, se essa pessoa continuava
a residir ali.
b) Segundo o texto, Lavedan
teria se demorado muito na visita à casa ilhada? Justifique sua resposta.
Sim, pois o narrador e acompanhante
precisou colocar um chapéu de palha para se proteger do sol, enquanto tentava
ocupar o tempo, à espera do suíço.
c) De acordo com o texto,
Lavedan parecia agitado e decidido, ao dirigir-se à casa; mas voltou calmo. O
que teria se passado nesse lugar?
O suíço talvez tivesse resolvido algum
problema pessoal com o morador da casa.
03 – A atitude tensa de Lavedan encontra explicação no último
parágrafo.
a) O que se pode concluir
quanto aos fatos ocorridos na casa ilhada?
É possível que o suíço estivesse
envolvido na morte do morador da casa.
b) Na última frase, o que
o emprego da locução até que nos sugere em relação à frase anterior?
O narrador, que antes não tinha
suspeitado de nada, mudou sua opinião ao receber a carta de Lavedan.
04 – Releia este trecho.
“Lavedan soletrou o nome do barco,
enganchou a alça da sacola no ombro e saltou na lama [...]”
a) Observe as ações praticadas
pelo sujeito. Quantos são os verbos que expressam essas ações?
Três: soletrou, enganchou, saltou.
b) Como cada verbo flexionado
constitui uma oração, quantas são as orações nesse trecho? Separe-as e observe
se, separadas, elas têm o sentido completo.
São três: 1ª oração: Lavedan soletrou o
nome do barco; 2ª enganchou a alça da sacola no ombro; 3ª e saltou na lama.
Todas apresentam sentido completo.
a) Que orações, no
trecho em estudo, estão unidas por uma palavra?
Que sentido essa palavra
expressa? Por quê?
A 2ª e a 3ª orações estão ligadas pela
palavra e, que expressa a soma ou o acréscimo de outra ação que acontece em
sequência à anterior.
d) Observe que entre a primeira
e a segunda orações se empregou uma virgula, separando-as. Nesse caso, as ações
ocorrem da mesma forma que entre a segunda e a terceira orações? Por quê?
Não, pois não há uma palavra ligando-as,
por isso as ações acontecem sem a ideia de continuidade; são ações separadas.
e) A palavra e pode
unir palavras da mesma natureza (substantivo + substantivo, adjetivo + adjetivo
etc.). No caderno, copie do texto uma passagem em que isso ocorre.
“Atraente e misterioso”, “a fachada e o
jardim”, “as portas e janelas”.
f) As palavras que ligam
elementos da mesma natureza ou ligam orações recebem o nome de conjunções. No
caderno, transcreva do segundo parágrafo as conjunções que unem orações
expressando:
-
comparação
-
oposição
- finalidade
Comparação: “Como se fôssemos dois
forasteiros perdidos num lugar de Manaus”. Oposição: “No entanto, o
cientista Lavedan [...] insistiu”.
Finalidade: “para que o acompanhasse até
a casa ilhada”.
g) No terceiro parágrafo, há duas
orações introduzidas por conjunções que situam o tempo em que os fatos ocorrem.
Quais são elas?
“...quando as luzes iluminavam a fachada e o jardim” e “sempre que atravessava
a ponte sobre o igarapé”.
h) Como já pôde observar,
as orações ficam, em geral, separadas por pontuação ou ligadas por conjunção.
Explique a diferença de sentido, quando isso acontece, lendo estas frases.
- “[...] depois
assobiei, cantarolei, observei detalhes da casa e do lugar;
- [...] depois
assobiei e cantarolei e observei detalhes da
casa e do lugar;
No primeiro caso, cada ação termina antes que a outra comece, pois são ações
separadas, não contínuas. No segundo
caso, as ações são contínuas, encadeadas, acontecem em sequência à anterior,
dando maior dinamismo aos fatos.
i)
No quarto parágrafo, explique por que a conjunção no entanto introduz
uma oração cuja ideia se opõe a um fato anterior.
Na oração anterior (“que sempre será”), o narrador julga que Lavedan será
sempre um homem transtornado; mas afirma, logo depois, o contrário, ou seja,
que “Lavedan parecia sereno”.
j) No último parágrafo, que
conjunção também expressa uma ideia contrária a outra?
Esclareça sua resposta.
A conjunção mas. O narrador diz que não conseguia
se lembrar de fatos recentes ocorridos com ele, mas não se esquecera de uma
data distante, a da morte do morador da ilha.
k)
Que conjunção introduz uma oração que explica o motivo de ele se lembrar
daquela data?
A conjunção
explicativa porque (“é porque no dia... da casa ilhada”).
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