CONTO: DOMINGO EM PORTO
ALEGRE
Enquanto
Luíza termina de pôr a criançada a jeito, ele confere o dinheiro que separou e
o prende num clipe. Tudo em ordem para o grande dia. Passa a mão na bolsa das
merendas e se apresenta na porta do quarto.
--- Tá na hora, pessoal.
--- Já vai, já vai – diz a mulher.
Marina quer levar o bruxo de pano, Marta não consegue afivelar a sandalinha,
Marietinha quer fazer xixi e Luíza se multiplica em torno delas.
--- Espero vocês lá embaixo.
Luíza se volta.
--- Por favor, vamos descer todos juntos.
Todos juntos, como uma família, papai e mamãe de braços dados à frente do
pequeno cortejo de meninas de tranças.
Chama um carro – o passeio de táxi também faz parte do domingo. As meninas vão
com a mãe no banco de trás. Na frente, ele espicha as pernas, recosta a nuca,
que conforto um automóvel e o chofer não é como o do ônibus, mudo e
mal-humorado, e até puxa conversa.
--- Dia bonito, não?
--- Pelo menos isso.
--- É, a vida tá dureza...
Dureza é apelido e do Alto Petrópolis ao Bom Fim viajam nesse tom, tom de
domingo e na sua opinião não é verdade que esse país já tá com a vela?
Na calçada, Luíza lhe passa o braço e comenta que o choferzinho era meio
corredor. Ele concorda e acha também que era meio comunista.
E caminham.
Nas vitrinas do Bom Fim vão olhando os ternos de sala, as mesinhas de centro,
ao quartos que sonham comprar um dia. Luíza se encanta num abajur dourado, que
lindo, ficaria tão bem ao lado da poltrona azul. E caminham. As garotinhas de
mãos dadas e o pai e a mãe troteando atrás, contentes, como se as semanas
vencidas e as vincendas não passassem de um sonho mal e cada coisa de suas
vidas estivesse em seu lugar, bem ajustada, bem sentada, como aquele abajur ao
lado da poltrona azul.
Atravessam a avenida e ali está, verde e cheiroso, o Parque da Redenção. As
garotinhas correm e á vão brincando de pegar, buliçosas, risonhas, e até Luíza,
na Redenção, fica um pouco bonita. Os olhos dela se movem mais rapidamente, as
mãos se umedecem e as faces recobram nuanças juvenis.
Papai compra passes para o carrossel e acomoda a meninada. Fora do cercado uns
quantos casais admiram seus filhos, como se agarram, não caem, como são lindos
e gorduchinhos e a vovó ia gostar tanto de ver. Os recém-chegados se orgulham
também dos seus, como rodam e rodam, dão gritinhos de prazer e nervosas
risadinhas. Luíza se ergue na ponta dos pés, saltita, ele vislumbra o peito no
decote e gaba suas estremeções de gelatina. Encosta-se nela com súbita volúpia,
mas o carrossel dá a última volta e Luíza precisa correr, Marietinha á vem
pendurada no pescoço do cavalinho.
Hora da merenda.
Mamãe faz uma distribuição criteriosa de sanduíches, copinhos, guardanapos.
Comem. Conversam sobre as maravilhas do parque e viste como estão caros os
churros uruguaios? Mariana vai pegar o último sanduíche e Marta avança.
--- É meu.
--- Não, é meu!
E se empurram e já choramingam, mas Luísa fala na roda-gigante, ficam todas
louquinhas e lá se vão mastigando mortadela e interjeições.
Das alturas, entre as copas das grandes árvores, Luíza chama:
--- Meu bem, aqui.
Ele abana. E as meninas chamam:
--- Pai, pai.
Abana também, e se finge que se assusta à passagem de seus bancos voadores, quase
se finam de tanto rir.
Comem pipocas, amendoim torrado, percorrem alamedas de arbustos e namorados,
brincam de esconde-esconde no Recanto Chinês e andam todos no trenzinho – é uma
pintura quando ele vai costeando o lago, vendo-se de cima os barquinhos de
pedal.
Começa a escurecer e eles vão retornando pelos caminhos da Redenção, vão
chegando perto da avenida e do corredor dos ônibus. E vão ficando sérios,
intimidados sem saber por quê.
Na parada, agrupam-se e pouco ou nada falam, até que veem assomar no corredor,
roncando, soltando fumaça negra, o dragão de lata.
--- Qual é aquele? – pergunta Luíza. – Alto Petrópolis?
Ele aperta os olhos.
--- Acho que é.
Mas não é. E por instantes eles ficam se olhando, sorrindo, querendo acreditar
que o domingo ainda não terminou.
FORACO, Sérgio. Majestic Hotel. Porto Alegre:
L&PM, 1991. p. 47-50.
Entendendo
o texto:
01 – Que
tipo de narrador conta a história?
Um narrador observador em terceira pessoa.
02 –
Neste conto, o espaço é um elemento significativo crucial. Por quê?
Porque aas
ações se passam nas ruas da cidade.
03 – Note
que o conto muda repentinamente de tom. Em que ponto da narrativa isso
acontece?
No 30º parágrafo (começa a escurecer...): o passeio chega ao fim, as
personagens vão para o ponto do ônibus" "[e] vão ficando sérios,
intimidados sem saber por quê”.
04 –
Observe um dado interessante quanto à fala das personagens: ela aparece ora na
forma de diálogo, ora em discurso indireto (“... comenta que o choferzinho era
meio corredor. Ele concorda e acha também que era meio comunista.”) e ora
diretamente mesclada com a fala do narrador. Localize exemplos deste último
caso ao longo do texto.
9º parágrafo:
“Na frente, ele espicha as pernas, que conforto um automóvel e o chofer
não é como o ônibus, mudo e mal-humorado, e até puxa conversa”.
16º parágrafo:
“Luíza se encanta num abajur dourado, que lindo, ficaria tão bem ao
lado da poltrona azul.”
18º parágrafo:
“Fora do cercado uns quantos casais admiram seus filhos, como se
agarram, não caem, como são lindos e gorduchinhos e a vovó ia gostar tanto de
ver.”
20º parágrafo:
“Conversam sobre as maravilhas do parque e viste como estão caros os
churros uruguaios?
Nenhum comentário:
Postar um comentário