Reportagem: O ALUNO DEPENDE DEMAIS DO GOOGLE
Para o historiador, o desafio é educar
a nova geração a usar a “máquina” chamada livro.
Ele é um rato de biblioteca. Robert
Darnton ama os livros. Especialmente se forem antigos, com mais de 200 anos.
Darnton é um dos maiores historiadores americanos. Por quatro décadas, explorou
os meandros das grandes bibliotecas da Europa à caça de volumes perdidos de
romances amorais do antigo Regime ou da única cópia de um folhetim subversivo
da França pré-revolucionária. Darnton, de 69 anos, se aposentou da Universidade
Princeton em 2007 e assumiu a direção da Biblioteca da Universidade Harvard.
Tomou a missão de digitalizar e tornar acessível gratuitamente pela Internet o
conjunto da produção intelectual de Harvard. Defensor d nova tecnologia,
Darnton detecta nos alunos a perda de intimidade com uma tecnologia mais antiga
– o livro.
Época – O livro tem futuro?
Robert Darnton – O livro é uma
grande invenção. É agradável de manusear e ler. Não desaparecerá. Mas crianças
e adolescentes têm hoje pouco contato com ele. Sua fonte de entretenimento é o
computador. Os jovens são fascinados pelas pequenas doses de informação a que
têm acesso pelos diferentes tipos de máquina e não desenvolvem o hábito das
longas horas de leitura. Para eles, o livro é menos convidativo, confortável e
familiar que para nós. Isso me preocupa. Creio que veremos surgir diversas
formas de leitura e toda uma variedade de meios de comunicação. Os livros
acadêmicos serão híbridos, publicados em parte na forma convencional, em parte
on-line, com dados, links e material suplementar em áudio, vídeo e imagem. No
caso dos livros de não ficção, que escrevo para o público leigo, acho ótimo
poder exibir aspectos do passado graças à nova tecnologia.
Época – Seus alunos ainda leem
livros?
Robert Darnton – Meus alunos em
Harvard são ávidos pela leitura. Mas não conhecem suas convenções, não sabem
usar uma biblioteca, não sabem fazer pesquisas nem acompanhar as notas de
rodapé. Eles dependem demais do Google. Ele é uma ferramenta fantástica, mas
não é adequada para oferecer ao leitor o tipo de experiência, de degustação,
que só o livro possibilita, como quando usamos o sumário para nos orientar ou
folheamos capítulos aleatoriamente. O Google não permite isso. Haverá uma perda
se dependermos demais desses mecanismos. Nesse sentido, sou pessimista. Devemos
educar a nova geração a usar essa “máquina”, o livro, do modo como foi criada
para ser usada.
Época – Existe a impressão de que as
bibliotecas estão se tornando obsoletas.
Robert Darnton – Há diversos
tipos de biblioteca. É possível que as pequenas bibliotecas públicas se tornem
cada vez mais dependentes da Internet e adquiram menos livros. Elas podem se
transformar em pontos de encontro da comunidade, como acontece nas bibliotecas
de bairro em Nova York. Podem também funcionar como um tipo de creche, onde os
pais deixam seus filhos de tarde.
Época
– E as grandes bibliotecas?
Robert Darnton – As grandes
bibliotecas acadêmicas têm outra função. No caso de Harvard, ela é de longe a
maior biblioteca de pesquisa do mundo. São cerca de cem bibliotecas com mais de
16 milhões de volumes. Somos responsáveis pela conservação de nossas coleções,
mas também por liderar o caminho na direção do mundo digital. Temos dezenas de
especialistas pesquisando como preservar os livros que nasceram digitais. Assim
como compramos coleções particulares, passamos a adquirir bancos de dados. A
Faculdade de Artes e Ciências decidiu digitalizar todos os seus artigos
acadêmicos e torna-los acessíveis a qualquer pessoa no planeta. Toda a produção
científica de Harvard estará disponível de graça na internet a partir de
outubro – e para sempre. O papel da biblioteca não é mais servir apenas aos
professores e estudantes de Harvard, mas compartilhar nossa riqueza
intelectual. Não quero dizer que devemos parar de comprar livros. O
encantamento com a digitalização traz risco de negligenciar as coleções
tradicionais.
Época – O Google quer digitalizar
todos os livros já impressos. É factível?
Robert Darnton – As coleções de
Harvard são tão vastas que não creio que algum dia sejam inteiramente
digitalizadas, nem mesmo pelo Google Book Search (http://books.google.com/). O
grande problema é o direito autoral. Nos Estados Unidos, qualquer coisa
publicada desde 11923 está protegida por lei e nem sempre pode ser
digitalizada. Como fazer para oferecer essa enorme quantidade de conhecimento
protegida por copyright? O Google queria digitalizar tudo, mas foi processado
pelos sindicatos dos autores e das editoras. Isso o obrigou a parar em 1923.
Temo que interesses comerciais tentem monopolizar o acesso à informação, à
medida que os livros forem digitalizados.
Época – O Google emprega milhares de
engenheiros, mas nenhum bibliotecário.
Robert Darnton – Sim, é verdade.
isso mostra que eles não estão interessados nos livros enquanto fonte de
conhecimento, mas como fonte de dados. Não lhes interessa qual edição colocarão
on-line. Um exemplo é a primeira edição das obras de Shakespeare, publicada por
várias editoras londrinas a partir de 1623, sete anos após a morte do autor. Como
nenhum manuscrito original de Shakespeare sobreviveu, estudiosos tiveram de
estabelecer o texto original de cada uma das peças, pois o texto de uma
impressão era radicalmente diferente do de outra. Se o Google Book Search jogar
na web a primeira versão que lhe cair nas mãos, estará sendo irresponsável.
Época – Com a rápida obsolescência
das tecnologias digitais, o Google não corre o risco de sumir antes das
bibliotecas?
Robert Darnton – Esse
risco existe. Ninguém solucionou o problema de como preservar textos digitais.
Para conservá-los, temos de migrar os arquivos de uma máquina para outra e atualizar
os programas. Se o Google desaparecer, quem gastará milhões de dólares para
manter o acervo? Desde que a Microsoft abandonou seu projeto de digitalização,
o Google não tem concorrentes. Caso seu acervo virtual desapareça, será uma
perda terrível, quanto mais se as bibliotecas deixarem de guardar os originais.
Época – E quanto aos jornais e
revistas, também não é o caso de digitaliza-los?
Robert Darnton – Espero que esse
seja o próximo passo do Google. Até o momento, não fizeram nada. Apesar das
minhas críticas, sou um entusiasta do Google Book Search. Só temo que as
pessoas comecem a achar que ele é a solução para tudo e que não precisamos
manter bibliotecas. No caso dos jornais, sua digitalização é urgente. Como são
impressos em papel de qualidade inferior, desaparecem rápido. O mesmo se dá com
a literatura popular. No caso do cinema mudo, metade dos filmes desapareceu.
Muitos eram obras-primas, um patrimônio perdido.
Época – O livro eletrônico parece
ter deslanchado com o Kindle, da Amazon.
Robert Darnton – Nunca
usei um Kindle, mas é uma questão de tempo até termos livros eletrônicos muito
bons. Outra tecnologia que observo com atenção é a impressão sob demanda, onde
o leitor escolhe, compra e copia um livro da web, para imprimi-lo e
encaderná-lo em casa a um custo muito baixo.
Época – Ninguém mais escreve cartas.
Enviamos e-mail. Como preservá-los?
Robert Darnton – É um
grande desafio. Em Harvard, estamos armazenando todo o correio eletrônico
tocado na universidade. É um volume imenso. O projeto inclui preservar as
informações em sites e blogues. Até o momento, esse acervo estava
irremediavelmente perdido.
Época, São Paulo, n.
537, p. 129-130, 1 set. 2008.
Fonte: Português –
Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas
Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 453-455.
Entendendo a reportagem:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
Meandros: caminhos difíceis.
Híbridos: compostos de diferentes elementos.
Ávidos: ansiosos.
Degustação: apreciação.
Factível: que pode ser realizado.
Obsolescência: condição do que está próximo de se tornar obsoleto,
ultrapassado.
02
– Qual a principal preocupação de Robert Darnton em relação à nova geração e a
leitura?
Darnton teme que
a nova geração esteja perdendo a intimidade com o livro e o hábito da leitura
profunda, substituindo-os por um consumo rápido e superficial de informações
através de dispositivos eletrônicos.
03
– Como a tecnologia digital pode complementar a experiência de leitura?
A tecnologia pode
enriquecer a experiência de leitura, permitindo o acesso a materiais
suplementares, como imagens, vídeos e áudios, e facilitando a pesquisa e a
interação com o texto. No entanto, Darnton alerta para o risco de que a
tecnologia se torne uma distração e substitua a leitura profunda.
04
– Qual o papel das bibliotecas no mundo digital?
As bibliotecas
estão se adaptando ao mundo digital, digitalizando seus acervos e oferecendo
novos serviços. As grandes bibliotecas acadêmicas, como a de Harvard, assumem
um papel central na preservação do conhecimento e na disponibilização gratuita
de informações.
05
– Quais os desafios da digitalização de livros e outros materiais?
A digitalização
de livros enfrenta desafios como o direito autoral, a preservação dos arquivos
digitais e a garantia da qualidade da digitalização. Além disso, existe o risco
de que as empresas que digitalizam os livros monopolizem o acesso à informação.
06
– Qual a diferença entre a abordagem do Google e a das bibliotecas em relação à
digitalização de livros?
O Google busca
digitalizar livros em grande escala, mas prioriza a quantidade em detrimento da
qualidade e da preservação do contexto histórico. As bibliotecas, por sua vez,
se preocupam em preservar a integridade dos textos e em oferecer acesso a
informações contextuais.
07
– Como a digitalização pode impactar a preservação do conhecimento?
A digitalização
pode garantir a preservação de materiais que estão se deteriorando, como
jornais e filmes. No entanto, a preservação de arquivos digitais exige
investimentos contínuos e pode ser comprometida pela obsolescência tecnológica.
08
– Quais as perspectivas para o futuro do livro impresso?
Darnton acredita
que o livro impresso não desaparecerá, mas que coexistirá com os formatos
digitais. Ele destaca a importância do livro como objeto físico e a experiência
única que ele proporciona ao leitor.
09
– Como preservar a correspondência eletrônica e outras formas de comunicação
digital?
A preservação da
correspondência eletrônica e de outros materiais digitais é um grande desafio.
As instituições estão buscando soluções para armazenar e preservar esses dados
a longo prazo.
10
– Qual o papel das pequenas bibliotecas públicas no mundo digital?
As pequenas
bibliotecas públicas podem se adaptar ao mundo digital, oferecendo serviços
como acesso à internet e atividades culturais. No entanto, elas podem enfrentar
dificuldades para manter seus acervos físicos.
11
– Qual a importância de ensinar as novas gerações a utilizar o livro de forma
eficaz?
Ensinar as novas
gerações a utilizar o livro de forma eficaz é fundamental para garantir que
elas desenvolvam habilidades de leitura crítica e analítica. O livro oferece
uma experiência de leitura mais profunda e completa do que os dispositivos
eletrônicos.
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