segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

CONTO: TEMPO DA CAMISOLINHA - (FRAGMENTO) - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Conto: Tempo da camisolinha – Fragmento

            Mário de Andrade

        [...]

        Guardo esta fotografia porque se ela não me perdoa do que tenho sido, aos menos me explica. Dou a impressão de uma monstruosidade insubordinada. [...].

        [...] Não sei por que não destruir em tempo também essa fotografia, agora é tarde. Muitas vezes passei minutos compridos me contemplando, me buscando dentro dela. E me achando. Comparava-a com meus atos e tudo eram confirmações. Tenho certeza que essa fotografia me fez imenso mal, porque me deu muita preguiça de reagir. [...]

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjixJhIVcmgImicv392hyphenhyphenWksL8ZgzhEXGNE1tbNQSKfmLZJP8bOUXffcvQ6F2d4J0iHNGFAZHYgCsQTJaf8PYRN2mIznxVAP-P7KN7xrmYZN7sSLw5_RBdzK48CKct2mfd2RDpklif0_yJmvTQWdqlv2DyuY6Yn2WIdNCavu9X4ug7dy-6nXObOO8rZhZk/s320/TRAJE.jpg

        Toda a gente apreciava os meus cabelos cacheados, tão lentos! E eu me envaidecia deles, mais que isso, os adorava por causa dos elogios. Foi por uma tarde, me lembro bem, que meu pai suavemente murmurou uma daquelas suas decisões irrevogáveis: “É preciso cortar os cabelos desse menino”. Olhei de um lado, de outro, procurando um apoio, um jeito de fugir daquela ordem, muito aflito. Preferi o instinto e fixei os olhos já lacrimosos em mamãe. Ela quis me olhar compassiva, mas me lembro como se fosse hoje, não aguentou meus últimos olhos de inocência perfeita, baixou os dela, oscilando entre a piedade por mim e a razão possível que estivesse no mando do chefe. Hoje, imagino um egoísmo grande da parte dela, não reagindo. As camisolinhas, ela as conservaria ainda por mais de ano, até que se acabassem feitas trapos. Mas ninguém percebeu a delicadeza da minha vaidade infantil. Deixassem que eu sentisse por mim, me incutissem aos poucos a necessidade de cortar os cabelos, nada: uma decisão à antiga, brutal, impiedosa, castigo sem culpa, primeiro convite às revoltas íntimas: “é preciso cortar os cabelos desse menino”. [...]

ANDRADE, Mário de. Tempo da camisolinha. Disponível em: www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=36858#OLADR%C3%83O. Acesso em: 28 fev. 2022.

Fonte: Língua Portuguesa. Linguagens – Séries finais, caderno 1. 8º ano – Larissa G. Paris & Maria C. Pina – 1ª ed. 2ª impressão – FGV – MAXI – São Paulo, 2023. p. 100.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação do narrador com a fotografia?

      O narrador sente uma relação complexa com a fotografia. Por um lado, ele a vê como uma comprovação de sua personalidade e de seus atos, mas por outro, reconhece que ela o influencia negativamente, alimentando sua inércia.

02 – Qual o significado dos cabelos cacheados para o narrador?

      Os cabelos cacheados representam a vaidade infantil do narrador e são uma fonte de orgulho para ele. Eles simbolizam uma parte de sua identidade e de sua autoestima.

03 – Como a família do narrador reage à decisão de cortar seus cabelos?

      A família, especialmente a mãe, demonstra uma certa indiferença à dor do menino. A decisão de cortar os cabelos é imposta de forma autoritária, sem considerar os sentimentos do narrador.

04 – Qual o impacto da decisão de cortar os cabelos na vida do narrador?

      A decisão de cortar os cabelos marca um momento de grande sofrimento para o narrador, representando uma perda de sua identidade e um primeiro contato com a imposição da vontade alheia. Esse evento desencadeia um sentimento de rebelião interior.

05 – Que sentimentos o narrador expressa em relação à sua mãe?

      O narrador demonstra ressentimento em relação à mãe por não ter defendido sua vontade. Ele a acusa de egoísmo e de não ter compreendido a importância dos cabelos cacheados para ele.

 

 

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