domingo, 29 de dezembro de 2024

POEMA EM PROSA: OS OLHOS DOS POBRES - (FRAGMENTO) - CHARLES BAUDELAIRE - COM GABARITO

 Poema em prosa: OS OLHOS DOS POBRES – Fragmento

                             Charles Baudelaire

        Ah! Então você quer saber por que a odeio hoje... Sem dúvida lhe será menos fácil compreendê-lo do que a mim explicá-lo; pois você é, acredito, o mais belo exemplo da impermeabilidade feminina que se possa encontrar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh1osWye123S4ku0h9li6OhgdGyy7oS8ed6jRxFR4EEcNpqEGunisTJpbsz6atKtpssZlsZTfzdvGIKqmChZ5c53pB8GF-uEmhyD-88c9u2s3LO4xOVEGxIoyexY01kX2nXtOYaa-ThyphenhyphenZBXJxQlyMWXbTCi5AsBayMMBCa57QY6I8iYHe6XwRNFA7oCkOw/s1600/CHARLES.jpg

        Havíamos passado juntos um longo dia, que me parecera curto. Tínhamos jurado um ao outro que todos os nossos pensamentos nos seriam comuns, e nossas duas almas, daquele dia em diante, não seriam mais do que uma só; sonho que, além de tudo, nada tem de original, a não ser que, sonhando por todos os homens, ainda não foi realizado por nenhum.

        Ao anoitecer, um pouco fatigada, você desejou sentar-se diante de um novo café, na esquina de um novo bulevar que, ainda cheio de entulho, já ostentava gloriosamente os seus esplendores inacabados. O café resplandecia.

        [...]

        Na calçada, diante de nós, víamos plantado um pobre homem dos seus quarenta anos, de ar fatigado, barba meio grisalha, que segurava por uma das mãos um menino e trazia no outro braço um pequeno ser ainda muito frágil, incapaz de caminhar. Servindo de ama, fazia os filhos respirarem o ar da noite. Todos em trapos. Eram três fisionomias extraordinariamente sérios, e seis olhos que contemplavam o novo café com admiração igual, mas diversamente colorida pela idade.

        Os olhos do pai diziam: – “Como é belo! Como é belo! Dir-se-ia que todo o ouro do pobre mundo foi transportado para estas paredes.” – Os olhos do menino: “Como é belo! como é belo! Mas é uma casa onde só podem entrar as pessoas que não é como nós.” – Os olhos do menorzinho, esses, de tão fascinados, revelavam apenas uma alegria estúpida e profunda.

        Dizem os cancionistas que o prazer torna a alma boa e abranda o coração. Em relação a mim, tinham razão as canções, naquela noite. Eu não só me sentia enternecido com essa família de olhos, senão também um pouco envergonhado de nossos copos e nossas garrafas, maiores que nossa sede. Voltava os meus olhores para os seus, querido amor, neles procurando ler o meu pensamento; mergulhava nos seus olhos tão belos e tão estranhamente doces, nos seus olhos verdes, habitados pelo Capricho e inspirados pela Lua, quando você me disse:

        – Que gente insuportável aquela, com uns olhos escancarados como portas-cocheiras!  Você não poderia pedir ao dono do café que os afastasse daqui?

        Tanto é difícil entenderem-se as criaturas, meu anjo querido, e tão incomunicável é o pensamento, mesmo entre aqueles que se amam!

BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa. Trad. de Aurélio Buarque de Holanda. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966. p. 79-80. Fragmento.

Fonte: Português – Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 214-215.

Entendendo o poema em prosa:

01 – De acordo com o texto, qual o significado da palavra portas-cocheiras?

      Portas largas e altas, por onde passam coches ou carruagens.

02 – Qual a principal dicotomia apresentada no fragmento?

      A principal dicotomia presente no fragmento é a oposição entre a riqueza e a pobreza, representada pela beleza e luxo do novo café e a miséria da família na calçada. Essa oposição revela a desigualdade social e a insensibilidade da burguesia diante do sofrimento alheio.

03 – Qual a reação da narradora ao ver a família pobre?

      A narradora inicialmente se sente comovida e envergonhada diante da pobreza da família. Ela reconhece a beleza e a dignidade nos olhos daquela família, contrastando com a sua própria superficialidade e consumismo.

04 – Qual a reação da amada do narrador?

      A amada do narrador, ao contrário da narradora, demonstra insensibilidade e desprezo pela família pobre. Ela deseja que a família seja retirada do local, revelando uma completa falta de empatia e compreensão pela situação dos menos favorecidos.

05 – Qual o papel dos olhos na construção do poema?

      Os olhos desempenham um papel fundamental no poema. Eles são a janela da alma, revelando os sentimentos, as emoções e as diferentes perspectivas de cada personagem. Através dos olhos, Baudelaire explora a complexidade da experiência humana e a desigualdade social.

06 – Qual a crítica social implícita no poema?

      O poema critica a desigualdade social e a insensibilidade da burguesia. Ao contrastar a beleza e o luxo do novo café com a miséria da família pobre, Baudelaire denuncia as injustiças sociais e a falta de empatia daqueles que possuem privilégios.

07 – Qual a importância do título "Os Olhos dos Pobres"?

      O título "Os Olhos dos Pobres" enfatiza a importância do olhar como meio de expressão e comunicação. Os olhos dos pobres revelam uma profundidade e uma dignidade que contrastam com a superficialidade daqueles que possuem tudo. O título também sugere uma crítica à sociedade que ignora o sofrimento dos mais desfavorecidos.

08 – Qual a mensagem principal do fragmento?

      A mensagem principal do fragmento é a necessidade de empatia e compreensão diante do sofrimento alheio. Baudelaire nos convida a olhar para além das aparências e a reconhecer a humanidade que existe em cada indivíduo, independentemente de sua condição social. O poema nos alerta para os perigos da indiferença e da insensibilidade, e nos convida a construir uma sociedade mais justa e igualitária.

 

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