terça-feira, 31 de dezembro de 2024

CONTO: A ESTRANHA PASSAGEIRA - STANISLAW PONTE PRETA - COM GABARITO

 Conto: A ESTRANHA PASSAGEIRA

            Stanislaw Ponte Preta

        -- O senhor sabe? É a primeira vez que eu viajo de avião. Estou com zero hora de voo – e riu nervosinha, coitada.

        Depois pediu que eu me sentasse ao seu lado, pois me achava muito calmo e isto iria fazer-lhe bem. Lá se ia a oportunidade de ler o romance policial que comprei no aeroporto, para me distrair na viagem. Suspirei e fiz de educado respondendo que estava às suas ordens. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLXJCV39TZSXSoyu6tlp31TYk0WWZMgZ9o7HZPk4KXRjTRnEe-SDPthudEpGrFoPV9ezIJX-3iuUDikOpT1OXRCwxrvyvUNkpum9rjGdAHdtM3RQ-6MMlDjFpeK7agMtof8kUOu-UU3syfuiGYcxGmvn927EnMp3ZT46Y9q4Y4CIpUUySXBGQAaIYixSM/s320/VIJAR.png


        Madame entrou no avião carregando um monte de embrulhos, que segurava desajeitadamente. Gorda como era, custou a se encaixar na poltrona e arrumar todos aqueles pacotes. Depois, não sabia como amarrar o cinto e eu tive de realizar essa operação em sua farta cintura.

        Afinal estava ali pronta para viajar. Os outros passageiros estavam já se divertindo às minhas custas, a zombar do meu embaraço ante as perguntas que aquela senhora me fazia aos berros, como se estivesse em sua casa, entre pessoas íntimas. A coisa foi ficando ridícula:

        -- Para que esse saquinho aí? – foi a pergunta que fez, num tom de voz que parecia que ela estava no Rio e eu em São Paulo.

        -- É para a senhora usar em caso de necessidade – respondi baixinho.

        Tenho certeza de que ninguém ouviu minha resposta, mas todos adivinharam qual foi, porque ela arregalou os olhos e exclamou: 

        -- Uai ...as necessidades neste saquinho? No avião não tem banheiro?

        Alguns passageiros riram, outros – por fineza – fingiram ignorar o lamentável equívoco da incômoda passageira de primeira viagem. Mas ela era um azougue. Olhava para trás, olhava para cima, mexia na poltrona e quase levou um tombo, quando puxou a alavanca e empurrou o encosto com força, caindo para trás e esparramando embrulhos por todos os lados. 

        O comandante já esquentava os motores e a aeronave estava parada, esperando ordens para ganhar a pista de decolagem. Percebi que minha vizinha de banco apertava os olhos e lia qualquer coisa. Logo veio a pergunta: 

        -- Quem é essa tal de emergência que tem uma porta só pra ela?

        Expliquei que emergência não era ninguém, a porta é que era de emergência, isto é, em caso de necessidade, saía-se por ela.

        Madame sossegou e os outros passageiros já estavam conformados com o término do “show”. Mesmo os que mais se divertiam com ele resolveram abrir jornais, revistas ou se acomodavam para tirar uma soneca durante a viagem.

        Foi quando madame deu o último vexame. Olhou pela janela (ela pediu para ficar do lado da janelinha para ver a paisagem) e gritou:

        -- Puxa vida!!!

        Todos olharam para ela, inclusive eu. Madame apontou para a janela e disse:

        -- Olha lá embaixo. 

        Eu olhei. E ela acrescentou: 

        -- Como nós estamos voando alto, moço! Olha só ... o pessoal lá embaixo parece formiga.

        Suspirei e lasquei:

        -- Minha senhora, aquilo são formigas mesmo. O avião ainda não levantou voo.

PRETA, Stanislaw Ponte. Garoto linha dura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.

Fonte: Língua Portuguesa. Linguagens – Séries finais, caderno 1. 8º ano – Larissa G. Paris & Maria C. Pina – 1ª ed. 2ª impressão – FGV – MAXI – São Paulo, 2023. p. 15-16.

Entendendo o conto:

01 – Qual a principal característica da passageira que torna a viagem do narrador tão peculiar?

      A principal característica da passageira é a sua completa inexperiência com viagens de avião, o que a leva a fazer perguntas e cometer gafes que geram situações cômicas e embaraçosas.

02 – Que sentimento o narrador demonstra em relação à passageira?

      O narrador demonstra inicialmente uma tentativa de ser educado e paciente com a passageira, mas ao longo da história, revela sinais de impaciência e embaraço diante das perguntas e atitudes dela.

03 – Qual o papel do humor na construção da narrativa?

      O humor é o elemento central da narrativa, construído a partir das situações inusitadas e das reações da passageira. As perguntas ingênuas, os equívocos e os gestos exagerados da personagem provocam o riso do leitor.

04 – Que tipo de crítica social pode ser inferida do conto?

      O conto pode ser interpretado como uma crítica sutil à falta de conhecimento e à ingenuidade de algumas pessoas, bem como à superficialidade e à falta de empatia dos outros passageiros que se divertem com a situação da mulher.

05 – Qual a importância do contraste entre o conhecimento do narrador e o da passageira para a história?

      O contraste entre o conhecimento do narrador, que já está acostumado a viajar de avião, e a completa inexperiência da passageira é fundamental para gerar o humor e as situações cômicas da história.

06 – Como a descrição física da passageira contribui para a caracterização da personagem?

      A descrição física da passageira como "gorda" e com dificuldade para se acomodar na poltrona reforça a ideia de uma pessoa desajeitada e pouco familiarizada com os espaços e as regras de um avião.

07 – Qual o desfecho da história e qual a sua importância para a compreensão do conto?

      O desfecho da história, com a revelação de que o avião ainda não havia decolado e a consequente constatação da passageira de que as pessoas no chão pareciam formigas, reforça a ideia da sua completa inexperiência e ingenuidade, proporcionando um final cômico e memorável.

 

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