quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

REPORTAGEM: UM ESTRANHO MERCADO - ADRIANA DIAS LOPES - COM GABARITO

 Reportagem: Um estranho mercado

          Em busca de clientes, os bancos particulares de sangue de cordão umbilical recorrem a estratégias agressivas de marketing

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0WsHU3bW11BQHrTobPrOvrAuz618hmSLGAmiO_rRNUBWHP6ncMcsQhZGaX_e_fmCqPYUgwSRqrf1Z-MD0FMENFjI0hDwbWlfUbbprbEfy3vLxdvvfu7skUZ_FBguh0NpEimKesbNo2kEiC3XvyCYdVXbmOD2aXOi8WXDY7R0pWk5KfDVi0nWGp12FO3U/s320/Celula-Tronco-1.jpg


        Nos últimos cinco anos, o Brasil registrou um crescimento extraordinário no número de bancos para o armazenamento de sangue do cordão umbilical. Riquíssimo em células-tronco, aquelas com capacidade de formar vários tecidos e órgãos do corpo humano, o sangue do cordão umbilical pode ser congelado em vinte centros – praticamente o triplo em relação a 2004. O aumento mais estrondoso ocorreu entre os bancos privados, responsáveis hoje pela manutenção de 70% de todas as amostras do país. O interesse dos brasileiros em guardar o sangue do cordão umbilical de seus bebês foi em grande parte despertado pelo marketing agressivo dos bancos particulares. A estratégia publicitária é bastante simples: sugere a ideia de que aquele tantinho de sangue, coletado rapidamente, ali mesmo na sala de parto, funciona como uma espécie de seguro-saúde, sem prazo de validade. No futuro, se o recém-nascido vier a sofrer de doenças graves, como leucemia, linfoma, diabetes, Alzheimer, Parkinson ou derrame, o sangue de seu cordão umbilical poderá representar a diferença entre a cura e uma vida de sofrimento – aventam os anúncios. Tudo isso por, em média, 3 500 reais pela coleta e 500 reais de anuidade. Quem resiste a uma promessa dessas?


        A bióloga Tatiana da Costa Silva, de 31 anos, é testemunha de como as investidas dos bancos privados de sangue de cordão umbilical vêm se acirrando. há cinco anos, depois de preencher os documentos necessários para o parto de Felipe, seu primeiro filho, ela foi abordada no saguão da maternidade por uma vendedora de um desses centros privados. A mocinha falou sobre a importância de Tatiana pensar no futuro da criança, garantiu facilidades no pagamento e mostrou um folheto com fotografias de celebridades que, zelosas da saúde de seus pimpolhos, optaram por preservar o sangue do cordão umbilical. "Além de constrangedora, essa abordagem é desrespeitosa", diz a bióloga. "O assédio dos vendedores acontece num momento de vulnerabilidade emocional do casal, quando a mulher está prestes a dar à luz." Três anos atrás, ao engravidar de Beatriz, Tatiana notou que o cerco havia se intensificado. No pré-natal, aonde quer que ela fosse, encontrava sempre o folheto de algum banco de cordão. era no consultório do obstetra, nos laboratórios, nas clínicas de exames de imagem... "eu só não aceitei porque sou bióloga e entendo um pouco de células-tronco", diz Tatiana. "Do contrário, teria sucumbido facilmente."

        O sangue extraído do cordão umbilical é de fato rico em células-tronco. Mas em um tipo de células-tronco, as hematopoiéticas.  Até agora, as pesquisas científicas mostraram que elas têm o poder de se transformar somente em células sanguíneas. De cerca de 500 000 células-tronco encontradas em 100 mililitros de sangue do cordão umbilical, apenas 0,1% pertence ao grupo das mesenquimais, que têm potencial para originar células de gordura, músculo, cartilagem e ossos. "Trata-se de um volume extremamente reduzido para surtir algum efeito terapêutico", diz a geneticista Mayana Zatz, pesquisadora da Universidade de São Paulo. Não bastasse a pequena quantidade de mesenquimais, nem todo cordão umbilical contém esse tipo de célula-tronco. em um estudo publicado em 2008 na revista americana Stem cells, Mayana demonstrou que, de cada dez amostras de sangue de cordão umbilical, só uma contém células mesenquimais. "O único uso clínico para o sangue de cordão umbilical comprovado até agora é o tratamento das doenças do sangue", afirma a geneticista.

        Todos os anos, cerca de 10.000 brasileiros recebem o diagnóstico de alguma doença do sangue, como leucemia, linfoma e mieloma, entre outras. Para 6.000 deles, o tratamento é a substituição das células sanguíneas doentes por células sadias. essa troca pode ser feita tanto pelo uso de células-tronco do sangue do cordão umbilical quanto pelo transplante de medula óssea, a estrutura responsável pela fabricação de sangue. Ao recorrerem a um banco particular, os pais estão teoricamente garantindo a seus filhos um tratamento sem o risco de rejeição e sem demora, já que elimina a necessidade de um doador. há que levar em conta, no entanto, que pelo menos 30% das doenças do sangue são de origem genética. Nesse caso, é grande a probabilidade de que as células-tronco coletadas na sala de parto também estejam doentes e, por isso, não possam ser usadas. Além disso, o volume de células-tronco disponível no sangue de um cordão umbilical é suficiente para o tratamento de pessoas com no máximo 50 quilos. Quem opta por estocar o sangue de cordão umbilical num centro particular tem de fazê-lo ciente de que aquele punhado de células-tronco, congelado em galões de nitrogênio líquido a 196 graus negativos, não é garantia de cura para todos os males – como, muitas vezes, alardeiam os vendedores nas maternidades, clínicas, consultórios...

LOPES, Adriana Dias. Veja, edição 2137, p. 118-120. 4 nov. 2009.

Fonte: Português – Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 482-484.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual o principal motivo do crescimento dos bancos privados de sangue de cordão umbilical no Brasil?

a) Aumento da incidência de doenças sanguíneas.

b) Estratégias agressivas de marketing.

c) Maior conscientização da população sobre a importância das células-tronco.

d) Políticas públicas que incentivam a doação de sangue de cordão umbilical.

02 – Qual a principal promessa feita pelos bancos privados de sangue de cordão umbilical para atrair clientes?

a) Cura para todas as doenças.

b) Um seguro de vida para o futuro.

c) Melhor desenvolvimento físico e intelectual da criança.

d) Imortalidade.

03 – Qual a principal crítica da bióloga Tatiana da Costa Silva em relação às práticas dos bancos privados?

a) O alto custo do serviço.

b) A falta de informações claras sobre os riscos e benefícios.

c) A abordagem agressiva e invasiva dos vendedores.

d) A falta de comprovação científica da eficácia do armazenamento.

04 – Qual a principal função das células-tronco hematopoiéticas presentes no sangue do cordão umbilical?

a) Formar todos os tipos de células do corpo humano.

b) Formar células sanguíneas.

c) Reparar tecidos danificados.

d) Combater infecções.

05 – Qual a principal limitação do uso das células-tronco mesenquimais presentes no sangue do cordão umbilical?

a) A quantidade insuficiente para tratamentos eficazes.

b) A alta taxa de rejeição pelo organismo.

c) A falta de estudos científicos sobre sua aplicação.

d) O alto custo do armazenamento.

06 – Qual o principal motivo pelo qual o sangue do cordão umbilical não é uma garantia de cura para todas as doenças?

a) A falta de tecnologia para manipular as células-tronco.

b) A possibilidade de as células-tronco estarem doentes, caso a doença tenha origem genética.

c) A baixa qualidade do sangue coletado.

d) A falta de profissionais qualificados para realizar os transplantes.

07 – Qual o objetivo principal da reportagem?

a) Incentivar a doação de sangue de cordão umbilical.

b) Alertar sobre os riscos e benefícios do armazenamento de sangue de cordão umbilical.

c) Criticar os bancos de sangue de cordão umbilical.

d) Promover os avanços da medicina regenerativa.

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