segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

CONTO: ROBBIE - (FRAGMENTO) - ISAAC ASIMOV - COM GABARITO

 Conto: Robbie – Fragmento

            Isaac Asimov

        — Noventa e oito, noventa e nove, cem.

        Gloria tirou o bracinho rechonchudo da frente dos olhos e ficou de pé por um instante, franzindo o nariz e piscando sob a luz do Sol. Então, tentando observar todas as direções ao mesmo tempo, ela se afastou com alguns passos cautelosos da árvore na qual estava encostada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjOvt1AbtK3sdgqcZb1HC4Nxp9x6Ld9mcRUANAYFR92jS6rassB-i3iMXvu_RIFdyMhHQpjwuEi_rlNLi_6yt4wbXLM51npRLarMUVJMu69cQs0uDyQmn47K9CT4GClD7uxjoV5LgJJHmG3OmXFixqDokCpUGgEbxVFI6X3LDPTQxkwNDcfn6uSR8eKKy8/s320/ROBO.jpg


        Ela levantou a cabeça para investigar as possibilidades de um amontoado de arbustos à direita, depois afastouse para obter um ângulo melhor a fim de ver seus vãos escuros. O silêncio era profundo, exceto pelo incessante zumbido de insetos e o ocasional gorjeio de um pássaro robusto, desafiando o sol do meio dia.

        — Aposto que ele foi para dentro de casa – disse Glória, fazendo beicinho –, e eu disse a ele um milhão de vezes que isso é justo.

        Apertando os pequenos lábios e fazendo uma carranca que lhe franzia a testa, ela seguiu de maneira resoluta para a construção de dois andares que ficava logo após a entrada da garagem para os carros.

        Ela ouviu, tarde demais, o farfalhar atrás de si, seguido pelo ploc-ploc característico e ritmado dos pés metálicos de Robbie. Ela se virou para ver seu companheiro triunfante sair do esconderijo e correr para a árvore a toda velocidade.

        Gloria gritou, aflita.

        — Espera, Robbie! Isso não foi justo, Robbie! Prometeu que não iria correr até eu encontrar você. – Seus pezinhos não conseguiriam fazer grandes progressos contra as passadas gigantescas de Robbie. Então, a pouco mais de três metros do alvo, as passadas de Robbie diminuíram de repente a um mero passo de tartaruga; com a última arrancada em velocidade, ela passou correndo por ele, ofegante, para tocar no tronco da árvore primeiro.

        [...]

        A sra. Weston esperou pacientemente por dois minutos, depois impacientemente por mais dois, e por fim quebrou o silêncio.

        -- George!

        -- Hum?

        -- George, estou falando com você! Quer fazer o favor de baixar esse jornal e olhar pra mim? 

        Farfalhando, o jornal caiu ao chão e Weston virou-se para a mulher com ar aborrecido.

        -- O que foi, querida?

        -- Você sabe o que é, George. É Gloria e aquela máquina terrível.

        -- Que máquina horrível?

        -- Não finja que não sabe do que eu estou falando. É aquele robô que Glória chama de Robbie. Ele não a deixa nem por um segundo.

        -- Bem, e por que ele deveria? Ele não deve deixá-la. E ele com certeza não é uma máquina horrível. É o melhor robô que dinheiro pode comprar e tenho certeza absoluta de que me custou a renda de seis meses. Mas ele valeu a pena, é muito mais esperto que metade do pessoal do meu escritório.

        Ele fez um movimento para pegar o jornal de volta, mas sua mulher foi mais rápida e o pegou com violência.

        -- Ouça o que eu digo, George. Não vou confiar a minha filha uma máquina, e não me importa quão esperta ela seja. Ela não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando. Crianças simplesmente não foram feitas para serem protegidas por um coisa de metal.

        Weston franziu as sobrancelhas.

        -- Quando você decidiu isso? Ele está com Glória há anos e eu não vi você se preocupar até agora.

        -- Era diferente no começo. Era novidade, diminuiu a quantidade de trabalho que eu tinha e... e estava na moda. Mas agora não sei. Os vizinhos...

        -- Bom, o que os vizinhos têm a ver com isso? [...]

        A sra. Weston encontrou o marido à porta duas noites depois.

        -- Você precisa ouvir isso, George. Há um mau pressentimento na vizinhança.

        -- Sobre o quê? – perguntou Weston. Ele entrou no lavatório e sufocou qualquer resposta possível com o esguicho da água.

        A sra. Westoon esperou.

        -- Sobre Robbie – respondeu ela.

        Weston saiu do lavatório com a toalha na mão, o rosto vermelho e bravo.

        -- Do que você está falando?

        -- Ah, é algo que está ganhando cada vez mais força. Tentei fechar os olhos à questão, mas não vou mais fazer isso. A maioria dos moradores considera Robbie perigoso. As crianças estão proibidas de chegar perto da nossa casa à noite. [...]

        Dez vezes ao longo da semana seguinte ele gritou “Robbie fica, e esta é a minha última palavra”, e o grito era cada vez mais fraco e acompanhado por um gemido mais alto e mais agonizante. Chegou por fim o dia em que Weston se aproximou da filha de modo culposo e sugeriu que fossem a um “lindo” show visivox na cidade.

        Glória bateu palmas, alegre:

        -- Robbie pode ir?

        -- Não, querida – disse ele, e recuou diante do som da própria voz –, não vão permitir um robô no visivox; mas você pode contar tudo a ele quando voltar. – ele tropeçou sobre as últimas palavras e desviou o olhar.

        Glória voltou da cidade transbordando de entusiasmo, pois o visivox tinha sido de fato um espetáculo lindo. Ela esperou o pai colocar o carro a jato na garagem em desnível.

        -- Espere só até eu contar a Robbie, papai. Ele teria adorado o show. Principalmente quando Francis Fram, que estava se afastando tããão quietinho, acabou encostando em um dos Homens-Leopardo e teve que correr. Glória riu de novo. – Papai, existem de verdade Homens-Leopardo na Lua?

        -- É provável que não – disse Weston, distraído. – É só um faz-de-conta divertido. – Ele não demoraria muito mais tempo com o carro. Iria ter de encarar a situação.

        Glória correu pelo gramado. – Robbie! Robbie!

        Então ela parou de repente ao avistar um lindo collie que olhava para ela com sérios olhos castanhos enquanto abanava o rabo contra uma coluna da varanda.

        -- Ah, que cachorro lindo!

        Glória subiu os degraus, aproximou-se com cautela e o acariciou.

        -- É para mim, papai?

        A mãe tinha se juntado a eles.

        -- É sim, Glória. Não é lindo, macio e peludo? Ele é muito dócil e gosta de garotinhas.

        -- É claro. Ele sabe fazer inúmeros truques. Você gostaria de ver alguns deles?

        -- Agora mesmo. Quero que Robbie veja também. – Robbie! [...]

        -- Mamãe, Robbie não está no quarto. Onde ele está?

        Não houve resposta; George Weston tossiu e demonstrou, de repente, um interesse excessivo em uma nuvem que vagava a esmo.

        -- Onde está Robbie, mamãe? – perguntou Glória com voz trêmula, a ponto de chorar.

        A sra. Weston se sentou e puxou a filha delicadamente para perto de si.

        -- Não fique triste, Glória. Acho que Robbie foi embora.

        -- Foi embora? Para onde? Para onde ele foi embora, mamãe?

        -- Ninguém sabe, querida. Ele simplesmente foi embora. Procuramos, e procuramos, e procuramos por ele, mas não conseguimos encontra-lo.

        -- Quer dizer que ele nunca mais vai voltar? – Seus olhos estavam arregalados de terror.

        -- Pode ser que o encontremos logo. Continuaremos procurando por ele. E enquanto isso pode brincar com o seu novo cachorrinho lindo. Olhe para ele! O nome dele é Relâmpago e ele pode...

        Mas os olhos de Glória estavam marejados.

        -- Eu não quero esse cachorro nojento; quero Robbie. Quero que encontre Robbie pra mim.

        Seus sentimentos tornaram-se profundos demais para serem expressos por palavras e, balbuciando, ela soltou um gemido agudo. [...]

        -- Por que você está chorando, Glória? Robbie era só uma máquina, só uma máquina velha e asquerosa. Ele sequer estava vivo!

        -- Ele nem não era uma máquina! – gritou Glória de maneira furiosa e antigramatical. – Era uma pessoa como eu e você e era meu amigo.

       [...].

ASIMOV, Isaac (1920-1992). Eu, robô. Tradução: Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014. p. 20-33.

Fonte: Maxi: Séries Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 72-75.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação entre Glória e Robbie?

      A relação entre Glória e Robbie é profunda e baseada em amizade. Robbie, um robô, é o melhor amigo de Glória, sendo uma figura presente e companheira em sua vida.

02 – Qual a reação dos pais de Glória em relação a Robbie?

      Inicialmente, os pais de Glória aprovam a presença de Robbie, mas com o tempo começam a se preocupar com a influência do robô na filha e com a opinião dos vizinhos.

03 – Por que os vizinhos se opõem à presença de Robbie?

      Os vizinhos se opõem à presença de Robbie por medo e preconceito. Eles veem o robô como uma ameaça e temem que ele possa causar algum mal.

04 – Qual o papel do medo na história?

      O medo é um elemento central na história, pois é ele que leva os pais de Glória a se separarem de Robbie. O medo do desconhecido, do diferente e da tecnologia gera uma reação de rejeição e exclusão.

05 – Qual a lição que a história nos ensina sobre a amizade?

      A história nos ensina que a amizade pode transcender as diferenças e que a lealdade e o companheirismo são valores importantes em qualquer relacionamento. A amizade entre Glória e Robbie mostra que a amizade pode existir entre humanos e máquinas.

06 – Como a história aborda o tema da tecnologia?

      A história aborda o tema da tecnologia de forma ambígua. Por um lado, Robbie é apresentado como um companheiro leal e inteligente, capaz de proporcionar alegria e conforto para Glória. Por outro lado, a história mostra como a tecnologia pode gerar medo e preconceito, e como ela pode ser utilizada para manipular as pessoas.

07 – Qual o papel da família na história?

      A família desempenha um papel fundamental na história, pois é através das relações familiares que os conflitos e as emoções são expressos. A decisão dos pais de Glória de se separar de Robbie gera um grande sofrimento para a menina e questiona os valores familiares.

08 – Como a história retrata a infância?

      A história retrata a infância de forma realista, mostrando as alegrias, os medos e as angústias de uma criança. A amizade entre Glória e Robbie é um reflexo da imaginação e da pureza da infância.

09 – Qual a importância da figura do robô na narrativa?

      O robô Robbie é uma figura central na narrativa, pois é através dele que são explorados temas como amizade, lealdade, medo e preconceito. Robbie representa a inocência e a pureza, em contraste com a complexidade e as contradições do mundo adulto.

10 – Qual a mensagem principal da história?

      A mensagem principal da história é que a amizade é um valor universal que transcende as diferenças e que o medo e o preconceito podem levar à perda de coisas importantes. A história também nos convida a refletir sobre a nossa relação com a tecnologia e a importância de valorizar os laços humanos.

 

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