Conto: Robbie – Fragmento
Isaac Asimov
— Noventa e oito, noventa e nove, cem.
Gloria tirou o bracinho rechonchudo da
frente dos olhos e ficou de pé por um instante, franzindo o nariz e piscando
sob a luz do Sol. Então, tentando observar todas as direções ao mesmo tempo, ela
se afastou com alguns passos cautelosos da árvore na qual estava encostada.
Ela levantou a cabeça para investigar
as possibilidades de um amontoado de arbustos à direita, depois afastou‑se para obter um ângulo melhor
a fim de ver seus vãos escuros. O silêncio era profundo, exceto pelo incessante
zumbido de insetos e o ocasional gorjeio de um pássaro robusto, desafiando o
sol do meio dia.
— Aposto que ele foi para dentro de
casa – disse Glória, fazendo beicinho –, e eu disse a ele um milhão de vezes
que isso é justo.
Apertando os pequenos lábios e fazendo
uma carranca que lhe franzia a testa, ela seguiu de maneira resoluta para a
construção de dois andares que ficava logo após a entrada da garagem para os
carros.
Ela ouviu, tarde demais, o farfalhar
atrás de si, seguido pelo ploc-ploc característico e ritmado dos pés metálicos
de Robbie. Ela se virou para ver seu companheiro triunfante sair do esconderijo
e correr para a árvore a toda velocidade.
Gloria gritou, aflita.
— Espera, Robbie! Isso não foi justo, Robbie!
Prometeu que não iria correr até eu encontrar você. – Seus pezinhos não
conseguiriam fazer grandes progressos contra as passadas gigantescas de Robbie.
Então, a pouco mais de três metros do alvo, as passadas de Robbie diminuíram de
repente a um mero passo de tartaruga; com a última arrancada em velocidade, ela
passou correndo por ele, ofegante, para tocar no tronco da árvore primeiro.
[...]
A sra. Weston esperou pacientemente por
dois minutos, depois impacientemente por mais dois, e por fim quebrou o
silêncio.
-- George!
-- Hum?
-- George, estou falando com você! Quer
fazer o favor de baixar esse jornal e olhar pra mim?
Farfalhando, o jornal caiu ao chão e
Weston virou-se para a mulher com ar aborrecido.
-- O que foi, querida?
-- Você sabe o que é, George. É Gloria
e aquela máquina terrível.
-- Que máquina horrível?
-- Não finja que não sabe do que eu estou
falando. É aquele robô que Glória chama de Robbie. Ele não a deixa nem por um segundo.
-- Bem, e por que ele deveria? Ele não
deve deixá-la. E ele com certeza não é uma máquina horrível. É o melhor robô
que dinheiro pode comprar e tenho certeza absoluta de que me custou a renda de
seis meses. Mas ele valeu a pena, é muito mais esperto que metade do pessoal do
meu escritório.
Ele fez um movimento para pegar o jornal de
volta, mas sua mulher foi mais rápida e o pegou com violência.
-- Ouça o que eu digo, George. Não vou
confiar a minha filha uma máquina, e não me importa quão esperta ela seja. Ela
não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando. Crianças simplesmente não
foram feitas para serem protegidas por um coisa de metal.
Weston franziu as sobrancelhas.
-- Quando você decidiu isso? Ele está
com Glória há anos e eu não vi você se preocupar até agora.
-- Era diferente no começo. Era novidade,
diminuiu a quantidade de trabalho que eu tinha e... e estava na moda. Mas agora
não sei. Os vizinhos...
-- Bom, o que os vizinhos têm a ver com
isso? [...]
A sra. Weston encontrou o marido à
porta duas noites depois.
-- Você precisa ouvir isso, George. Há
um mau pressentimento na vizinhança.
-- Sobre o quê? – perguntou Weston. Ele
entrou no lavatório e sufocou qualquer resposta possível com o esguicho da
água.
A sra. Westoon esperou.
-- Sobre Robbie – respondeu ela.
Weston saiu do lavatório com a toalha
na mão, o rosto vermelho e bravo.
-- Do que você está falando?
-- Ah, é algo que está ganhando cada
vez mais força. Tentei fechar os olhos à questão, mas não vou mais fazer isso.
A maioria dos moradores considera Robbie perigoso. As crianças estão proibidas
de chegar perto da nossa casa à noite. [...]
Dez vezes ao longo da semana seguinte
ele gritou “Robbie fica, e esta é a minha última palavra”, e o grito era cada
vez mais fraco e acompanhado por um gemido mais alto e mais agonizante. Chegou
por fim o dia em que Weston se aproximou da filha de modo culposo e sugeriu que
fossem a um “lindo” show visivox na cidade.
Glória bateu palmas, alegre:
-- Robbie pode ir?
-- Não, querida – disse ele, e recuou
diante do som da própria voz –, não vão permitir um robô no visivox; mas você
pode contar tudo a ele quando voltar. – ele tropeçou sobre as últimas palavras
e desviou o olhar.
Glória voltou da cidade transbordando
de entusiasmo, pois o visivox tinha sido de fato um espetáculo lindo. Ela
esperou o pai colocar o carro a jato na garagem em desnível.
-- Espere só até eu contar a Robbie,
papai. Ele teria adorado o show. Principalmente quando Francis Fram, que estava
se afastando tããão quietinho, acabou encostando em um dos Homens-Leopardo e
teve que correr. Glória riu de novo. – Papai, existem de verdade
Homens-Leopardo na Lua?
-- É provável que não – disse Weston,
distraído. – É só um faz-de-conta divertido. – Ele não demoraria muito mais
tempo com o carro. Iria ter de encarar a situação.
Glória correu pelo gramado. – Robbie!
Robbie!
Então ela parou de repente ao avistar
um lindo collie que olhava para ela com sérios olhos castanhos enquanto abanava
o rabo contra uma coluna da varanda.
-- Ah, que cachorro lindo!
Glória subiu os degraus, aproximou-se
com cautela e o acariciou.
-- É para mim, papai?
A mãe tinha se juntado a eles.
-- É sim, Glória. Não é lindo, macio e
peludo? Ele é muito dócil e gosta de garotinhas.
-- É claro. Ele sabe fazer inúmeros
truques. Você gostaria de ver alguns deles?
-- Agora mesmo. Quero que Robbie veja
também. – Robbie! [...]
-- Mamãe, Robbie não está no quarto.
Onde ele está?
Não houve resposta; George Weston
tossiu e demonstrou, de repente, um interesse excessivo em uma nuvem que vagava
a esmo.
-- Onde está Robbie, mamãe? – perguntou
Glória com voz trêmula, a ponto de chorar.
A sra. Weston se sentou e puxou a filha
delicadamente para perto de si.
-- Não fique triste, Glória. Acho que
Robbie foi embora.
-- Foi embora? Para onde? Para onde ele
foi embora, mamãe?
-- Ninguém sabe, querida. Ele
simplesmente foi embora. Procuramos, e procuramos, e procuramos por ele, mas
não conseguimos encontra-lo.
-- Quer dizer que ele nunca mais vai voltar?
– Seus olhos estavam arregalados de terror.
-- Pode ser que o encontremos logo.
Continuaremos procurando por ele. E enquanto isso pode brincar com o seu novo
cachorrinho lindo. Olhe para ele! O nome dele é Relâmpago e ele pode...
Mas os olhos de Glória estavam
marejados.
-- Eu não quero esse cachorro nojento;
quero Robbie. Quero que encontre Robbie pra mim.
Seus sentimentos tornaram-se profundos
demais para serem expressos por palavras e, balbuciando, ela soltou um gemido
agudo. [...]
-- Por que você está chorando, Glória?
Robbie era só uma máquina, só uma máquina velha e asquerosa. Ele sequer estava
vivo!
-- Ele nem não era uma máquina! –
gritou Glória de maneira furiosa e antigramatical. – Era uma pessoa como eu e
você e era meu amigo.
[...].
ASIMOV, Isaac
(1920-1992). Eu, robô. Tradução: Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.
p. 20-33.
Fonte: Maxi: Séries
Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas
de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 72-75.
Entendendo o conto:
01 – Qual a relação entre
Glória e Robbie?
A relação entre
Glória e Robbie é profunda e baseada em amizade. Robbie, um robô, é o melhor
amigo de Glória, sendo uma figura presente e companheira em sua vida.
02 – Qual a reação dos pais de
Glória em relação a Robbie?
Inicialmente, os
pais de Glória aprovam a presença de Robbie, mas com o tempo começam a se
preocupar com a influência do robô na filha e com a opinião dos vizinhos.
03 – Por que os vizinhos se
opõem à presença de Robbie?
Os vizinhos se
opõem à presença de Robbie por medo e preconceito. Eles veem o robô como uma
ameaça e temem que ele possa causar algum mal.
04 – Qual o papel do medo na
história?
O medo é um
elemento central na história, pois é ele que leva os pais de Glória a se
separarem de Robbie. O medo do desconhecido, do diferente e da tecnologia gera
uma reação de rejeição e exclusão.
05 – Qual a lição que a
história nos ensina sobre a amizade?
A história nos
ensina que a amizade pode transcender as diferenças e que a lealdade e o
companheirismo são valores importantes em qualquer relacionamento. A amizade
entre Glória e Robbie mostra que a amizade pode existir entre humanos e
máquinas.
06 – Como a história aborda o
tema da tecnologia?
A história aborda
o tema da tecnologia de forma ambígua. Por um lado, Robbie é apresentado como
um companheiro leal e inteligente, capaz de proporcionar alegria e conforto
para Glória. Por outro lado, a história mostra como a tecnologia pode gerar
medo e preconceito, e como ela pode ser utilizada para manipular as pessoas.
07 – Qual o papel da família
na história?
A família
desempenha um papel fundamental na história, pois é através das relações
familiares que os conflitos e as emoções são expressos. A decisão dos pais de
Glória de se separar de Robbie gera um grande sofrimento para a menina e
questiona os valores familiares.
08 – Como a história retrata a
infância?
A história retrata
a infância de forma realista, mostrando as alegrias, os medos e as angústias de
uma criança. A amizade entre Glória e Robbie é um reflexo da imaginação e da
pureza da infância.
09 – Qual a importância da
figura do robô na narrativa?
O robô Robbie é
uma figura central na narrativa, pois é através dele que são explorados temas
como amizade, lealdade, medo e preconceito. Robbie representa a inocência e a
pureza, em contraste com a complexidade e as contradições do mundo adulto.
10 – Qual a mensagem principal
da história?
A mensagem
principal da história é que a amizade é um valor universal que transcende as
diferenças e que o medo e o preconceito podem levar à perda de coisas
importantes. A história também nos convida a refletir sobre a nossa relação com
a tecnologia e a importância de valorizar os laços humanos.
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