Conto: A dança dos ossos cap. III – Fragmento
Bernardo Guimarães
[...]
-- Eu te conto um caso que me
aconteceu.
Eu ia viajando sozinho — por onde não
importa — de noite, por um caminho estreito, em cerradão fechado, e vejo ir,
andando a alguma distância diante de mim, qualquer coisa, que na escuridão não
pude distinguir. Aperto um pouco o passo para reconhecer o que era, e vi clara
e perfeitamente dois pretos carregando um defunto dentro de uma rede.
Bem poderia ser também qualquer
criatura viva, que estivesse doente ou mesmo em perfeita saúde; mas, nessas
ocasiões, a imaginação, não sei por quê, não nos representa senão defuntos. Uma
aparição daquelas, em lugar tão ermo e longe de povoação, não deixou de me
causar terror.
Contudo o caso não era extraordinário;
carregar um cadáver em rede, para ir sepultá-lo em algum cemitério vizinho, é
coisa que se vê muito nesses sertões, ainda que àquelas horas o negócio não
deixasse de tornar bastante suspeito.
Piquei o cavalo para passar adiante
daquela sinistra visão que me estava incomodando o espirito, mas os condutores
da rede também apressaram o passo, e se conservavam sempre na mesma distância.
Pus o cavalo a trote; os pretos
começaram também a correr com a rede. O negócio ia-se tornando mais feio.
Retardei o passo para deixá-los adiantarem-se: também foram indo mais devagar.
Parei; também pararam. De novo marchei para eles; também se puseram a caminho.
Assim andei por mais de meia hora, cada
vez mais aterrado, tendo sempre diante dos olhos aquela sinistra aparição que
parecia apostada em não me querer deixar, até que, exasperado, gritei-lhes que
me deixassem passar ou ficar atrás, que eu não estava disposto a fazer-lhes
companhia. Nada de resposta!... o meu terror subiu de ponto, e confesso que
estive por um nada a dar de rédea para trás a bom fugir.
Mas negócios urgentes me chamavam para
diante: revesti-me de um pouco de coragem que ainda me restava, cravei as
esporas no cavalo e investi para o sinistro vulto a todo galope. Em poucos
instantes o alcancei de perto e vi... adivinhem o que era?... nem que deem
volta ao miolo um ano inteiro, não são capazes de atinar com o que era. Pois
era uma vaca!...
— Uma vaca!... como!...
— Sim, senhores, uma vaca malhada, que
tinha a barriga toda branca — era a rede, — e os quartos traseiros e dianteiros
inteiramente pretos; era os dois negros que a carregavam. Pilhada por mim
naquela caminho estreito, sem poder desviar nem para uma banda nem para outra,
porque o mato era um cerradão tapado o pobre animal ia fugindo diante de mim,
se eu parava, também parava, porque não tinha necessidade de viajar; se eu
apertava o passo lá ia ela também para diante, fugindo de mim. Entretanto se eu
não fosse reconhecer de perto o que era aquilo, ainda hoje havia de jurar que
tinha visto naquela noite dois pretos carregando um defunto em uma rede, tão
completa era a ilusão. E depois se quisesse indagar mais do negócio, como era
natural, sabendo que nenhum cadáver se tinha enterrado em toda aquela
redondeza, havia de ficar acreditando de duas uma: ou que aquilo era coisa do
outro mundo, ou, o que era mais natural, que algum assassinato horrível e
misterioso tinha sido cometido por aquelas criaturas. [...]
GUIMARÃESS, Bernardo. A
dança dos ossos. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000038.pdf.
Acesso em: 31 jan. 2022.
Fonte: Língua
Portuguesa. Linguagens – Séries finais, caderno 1. 8º ano – Larissa G. Paris
& Maria C. Pina – 1ª ed. 2ª impressão – FGV – MAXI – São Paulo, 2023. p.
43-44.
Entendendo o conto:
01
– Qual a principal sensação do narrador ao encontrar a "coisa" no
caminho?
a)
Curiosidade.
b) Terror.
c)
Alegria.
d)
Indiferença.
02
– O que o narrador imagina que a "coisa" seja inicialmente?
a)
Dois viajantes.
b)
Dois animais.
c)
Dois ladrões.
d) Dois homens carregando um defunto.
03
– Por que a imaginação do narrador o leva a pensar em um defunto?
a) Por causa do local ermo e da hora da noite.
b)
Porque ele já havia tido experiências sobrenaturais antes.
c)
Porque ele tinha medo de ser assaltado.
d)
Porque ele era uma pessoa muito supersticiosa.
04
– Qual a reação dos "carregadores" da rede quando o narrador tenta
ultrapassá-los?
a)
Aceleram o passo.
b)
Param e o atacam.
c)
Desaparecem misteriosamente.
d) Mantêm a mesma velocidade.
05
– O que o narrador descobre que a "coisa" realmente era?
a)
Uma carroça.
b) Uma vaca.
c)
Um grupo de pessoas.
d)
Um monstro.
06
– Qual a lição que o narrador aprende com essa experiência?
a)
Que não se deve viajar sozinho à noite.
b) Que a imaginação pode nos pregar peças.
c)
Que é importante ter fé em Deus.
d)
Que os animais são perigosos.
07
– Qual o gênero literário ao qual pertence o conto "A Dança dos
Ossos"?
a)
Romance histórico.
b)
Crônica.
c) Conto de terror.
d)
Fábula.
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