Crônica: A meu amigo, o Piracicaba.
Lourenço Diaféria
Xará, a gente não deve nunca cuspir num rio, por menor que seja esse rio, porque ninguém pode dizer dessa água não beberei. Um rio tem curvas e voltas. O rio é como a vida: mistérios, sombras, grotas, reflexos de prata, remansos e correntezas. O rio, por menor que seja, é uma lição de descobertas. Na escola as professoras mandam decorar que um rio é um curso de água que corre para o mar. Mas um rio é muito mais que isso. Um rio está acima das noções de Geografia; é mais que um traço trêmulo no mapa, é mais mistério que um artefato hidráulico.
Um rio são os pedregulhos, a barranca, os chorões, os galhos
debruçados sobre o espelho, anteriores às pontes de concreto. Um rio são os
olhos insones dos peixes irrequietos, o lodo frio, a loca dos cascudos,
o remoinho, a corredeira, o réquiem dos defuntos afogados, a urina dos
moleques, o olor da pele das
mulheres, o agachar das lavadeiras, o itinerário
dos barcos e o silêncio dos pescadores.
O rio é o patrimônio das pessoas simples, das cabritas e dos pássaros.
O rio é o grande monumento da cidade.
Xará, dize-me que rio tens, te direi quem és.
Teu rio é o horóscopo do teu futuro: claro, pardo ou escuro.
Teu rio mostra o que pensas das pessoas, o que fazes com as pessoas e às
pessoas; se és um homem livre, bom, sensato, feliz ou se é apenas um homem que
não tem sequer a alegria de um rio.
O cheiro do rio é teu atestado de antecedentes.
Xará, um rio pode ser o riso líquido das crianças ou as lágrimas secas
dos velhos.
O rio é a fração ideal de teus sonhos; o brinquedo que restou à
humanidade salva do incêndio, que a espada de fogo ateou no paraíso perdido
entre o Tigre e o Eufrates. Xará, o rio é tua carteira de identidade, teu
certificado de sanidade, teu comprovante de civilidade, teu erregê; registro de
gente. Um rio é feito para ser amado, para correr e saltitar, para beijar as
margens com volúpia. Um rio é
feito para ser prestigiado, namorado, para ser mostrado aos turistas e aos de
casa, com orgulho, assim:
_ Olhe, veja como cuidamos deste tesouro, deste símbolo, destas raízes,
desta cortina de névoa que à noite se levanta, deste véu de noiva que escorre
da colina, desta fonte de luz e graça, desta benção.
Veja como somos amigos do rio, como abrimos uma avenida na cidade para
recebê-lo com alegria. E veja como o rio percorre, tranquilo e terno, as doces
horas das núpcias com a cidade.
Há grandes rios.
Há rios tão grandes que as pessoas devaneiam o outro lado do horizonte líquido.
Nesses rios grandes as crianças nascem botos e as mulheres engravidam em
canoas de remos.
Esses rios disputam com o oceano; são restos do dilúvio.
Navegando nesses rios, o rei da terra não passa de traíra.
Mas os rios modestos, mesmo os riozinhos, também são importantes, e
também nesses não se deve cuspir, xará.
Um ribeiro, um regato, um riacho, um ribeirão, um córrego, todos eles
fazem o mar, onde ninguém distingue o
grande do pequeno.
E essa igualdade é, talvez, a maior lição que os rios dão.
Não foi à toa, xará, e sim por sabedoria das coisas, que a Independência
foi proclamada às margens de um rio (tão pequeno e raso que quase morre, por cuspirem
nele).
(Lourenço Diaféria)
Entendendo o texto
01.Substitua as palavras negritadas, no texto-discurso,
por outras com o mesmo sentido.
Substituições:
- Cuspir: espirrar, jogar
saliva, poluir
- Remansos: águas paradas,
poças
- Chorões: árvores que se
inclinam sobre a água
- Loca: esconderijo,
abrigo
- Cascudos: tipo de peixe
- Réquiem: canto fúnebre
- Itinerário: caminho, rota
02- Assinale (V) para aquilo que julgar
pertinente ao texto e (F) para o que não julgar pertinente:
a-( F ) Pode-se
notar o discurso de referência à vida futura das pessoas a partir da atenção
dada, atualmente, aos rios;
b-( F ) Pode-se notar o discurso de que as águas não
têm nada a ver com a vida;
c-( V ) Pode-se notar o discurso de que muitos conteúdos
vistos, em sala de aula, são meras definições técnicas sem qualquer relação com
a vida;
d-( V ) Pode-se
notar o discurso de que algumas pessoas não demonstram prudência com os córregos,
ribeirões e rios;
e-( V ) Pode-se notar o discurso de que a natureza fomenta
a igualdade entre os seres;
f-( V ) Pode-se
notar o discurso de que o tratamento dispensado às águas evidencia o grau de civilidade
de seus habitantes;
g-( V ) Pode-se
notar o discurso de preservação das águas;
h-( F ) Pode-se
notar o discurso de que a água é um recurso inesgotável;
i-( V ) Pode-se
notar o discurso de que as águas e a pessoa humana estão interligadas;
j-( V ) Pode-se
notar o discurso de que as pessoas não dão importância às águas dos rios, córregos
e ribeirões que banham as cidades;
03-No enunciado “Xará, a gente não
deve nunca cuspir num rio”, o vocativo sublinhado aponta:
a- uma proximidade com o leitor/leitora, convidando-o/a para desenvolver
hábitos de cuidado com as águas;
b- uma
gíria descontraída para interpelar o leitor/leitora, frente aos cuidados com as
águas;
c- um
estilo próprio de chamar o leitor/leitora do texto-discurso a conhecer o rio de
sua cidade;
d- um
modo de dizer que ele (o autor) tinha o mesmo nome que o leitor.
04-O enunciado ”Ninguém pode dizer dessa água
não beberei...” sugere que:
a- ninguém pode afirmar que não dependerá das águas bem ou mal cuidadas
de um rio;
b- as
pessoas, em geral, não bebem tanta água e não a valorizam;
c- o zelo
ou os maus tratos às águas jamais incidirão sobre a vida das pessoas;
d- a atenção
com as águas refletirá, parcialmente, no dia a dia das pessoas.
05-O argumento “...O cheiro do rio é teu
atestado de antecedentes...” defende, possivelmente, que:
a- a condição das águas não se relaciona ao tempo atual ou
passado das pessoas;
b- a
situação das águas revela a atenção que as pessoas dispensaram-lhes, no
passado;
c- o
estado das águas não exprime as atitudes positivas das pessoas para com elas;
d- a
condição das águas não comprovam a conduta negativa das pessoas para com elas.
06-O argumento ” Teu rio é o horóscopo do teu
futuro” aponta:
a-
uma clara explicação de como será promissor o futuro das pessoas a partir do
que estas fazem, hoje, aos rios;
b-
uma personificação/prosopopeia em que atribui-se uma atitude humana a um ser
inanimado;
c-
uma metonímia para ilustrar que o rio é somente uma parte das águas do país;
d- uma metáfora que mostra a vida futura das pessoas baseada no
tratamento dado ao rio, no tempo presente.
07- Assinale a opção que substitui apropriadamente
o termo destacado, no enunciado ”A gente não deve nunca cuspir num
rio...”, pelo pronome nós:
a-
Nós não deveremos nunca cuspir num rio;
b-
Nós não deveríamos nunca cuspir num rio;
c- Nós não devemos nunca cuspir num rio;
d-
Nós não devêramos nunca cuspir num rio.
08- No enunciado ”A gente não deve nunca
cuspir num rio...”, o termo sublinhado é uma variante da norma:
a-
padrão;
b- coloquial;
c-
científica;
d-
técnica.
09- No enunciado ”Um ribeiro, um regato, um riacho, um ribeirão, um córrego, todos eles fazem o mar, onde
ninguém distingue o grande do pequeno”, qual ou quais palavras ditas
anteriormente que o pronome todos
resume?
10- No título: “A meu amigo, o Piracicaba”, o termo destacado indica:
a-
um jeito engraçado que o narrador utilizou para chamar seu amigo;
b-
uma explicação sobre a qual amigo o narrador faz referência;
c-
uma maneira que o narrador usou para desqualificar o amigo;
d- um modo de qualificar, positivamente, o amigo.
11- No argumento ”Um rio é feito para ser
prestigiado, namorado, para ser mostrado aos turistas e aos de casa, com
orgulho, assim...”, a locução
adverbial pode ser substituída, sem alteração do sentido, por:
a-
engraçadamente;
b-
tranquilamente;
c-
francamente;
d- orgulhosamente.
12- Produza um texto-discurso, discutindo sobre
a importância de preservação de nossos rios e nascentes.
Texto Dissertativo: A Importância da
Preservação de Nossos Rios e Nascentes
O texto de Lourenço Diaféria nos convida a uma profunda reflexão
sobre a importância dos rios em nossas vidas e a necessidade de preservá-los. O
autor, com maestria, tece uma rica metáfora, comparando os rios à vida humana,
revelando a intrínseca relação entre ambos.
Os rios são muito mais do que simples cursos d'água. Eles são a
própria essência da vida, fornecendo água para consumo humano e animal,
irrigando plantações, gerando energia e moldando paisagens. Além disso, os rios
possuem um valor cultural e histórico incalculável, sendo palco de inúmeras
histórias e tradições.
Infelizmente, a ação humana tem causado danos irreparáveis aos
nossos rios. A poluição industrial, o desmatamento, o assoreamento e a ocupação
irregular das margens são alguns dos principais problemas que enfrentamos.
Essas ações não apenas degradam a qualidade da água, mas também afetam a
biodiversidade e o equilíbrio dos ecossistemas aquáticos.
A preservação dos rios é fundamental para garantir a qualidade de
vida das presentes e futuras gerações. É preciso que todos nós, enquanto
cidadãos, nos conscientizemos da importância da água e adotemos práticas mais
sustentáveis. Algumas medidas podem ser tomadas, como:
- Redução do consumo
de água:
Pequenas atitudes no dia a dia, como fechar a torneira enquanto escova os
dentes e optar por banhos mais curtos, podem fazer grande diferença.
- Tratamento
adequado do esgoto: O tratamento adequado do esgoto é fundamental para
evitar a contaminação dos rios e garantir a qualidade da água.
- Preservação das
matas ciliares:
As matas ciliares desempenham um papel fundamental na proteção dos rios,
evitando a erosão do solo e a contaminação da água.
- Conscientização da
população:
É preciso investir em educação ambiental para que as pessoas compreendam a
importância da água e a necessidade de preservá-la.
Ao cuidar dos nossos rios, estamos cuidando de nós mesmos e do
planeta. A água é um bem precioso e finito, e devemos tratá-la com o respeito
que ela merece. Que possamos seguir o exemplo do autor e construir um futuro
mais sustentável para todos.
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