Romance: Germinal parte II – Fragmento
Émile Zola
[...]
Em casa dos Maheu, no número dezesseis
do segundo grupo de casas, tudo era sossego. O único quarto do primeiro andar
estava imerso nas trevas, como se estas quisessem esmagar com seu peso o sono
das pessoas que se pressentiam lá, amontoadas, boca aberta, mortas de cansaço.
Apesar do frio mordente do exterior, o ar pesado desse quarto tinha um calor
vivo, esse calor rançoso dos dormitórios, que, mesmo asseados, cheiram a gado
humano.
O cuco da sala do térreo deu quatro
horas, mas ninguém se moveu. As respirações fracas continuaram a soprar,
acompanhadas de dois roncos sonoros. Bruscamente, Catherine levantou-se. No seu
cansaço, tinha ela, pela força do hábito, contado as quatro badaladas que
atravessaram o soalho, mas continuara sem o ânimo necessário para acordar de
todo. Depois, com as pernas para fora das cobertas, apalpou, riscou um fósforo
e acendeu a vela. Mas continuou sentada, a cabeça tão pesada que tombava nos
ombros, cedendo ao desejo invencível de voltar ao travesseiro.
Agora, a vela iluminava o quarto,
quadrado, com duas janelas, atravancado com três camas. Havia um armário, uma
mesa e duas cadeiras de nogueira velha, cujo tom escuro manchava duramente as
paredes pintadas de amarelo-claro. E nada mais, a não ser roupa de uso diário
pendurada em pregos, uma moringa no chão ao lado de um tacho vermelho que
servia de bacia. Na cama da esquerda, Zacharie, o mais velho, um rapaz de vinte
e um anos, estava deitado com o irmão, Jeanlin, com quase doze anos; na da
direita, dois pequenos, Lénore e Henri, a primeira de seis anos, o segundo de
quatro, dormiam abraçados; Catherine partilhava a terceira cama com a irmã
Alzire, tão fraca para os seus nove anos, que ela nem a sentiria ao seu lado,
não fosse a corcunda que deformava as costas da pequena enferma. A porta
envidraçada estava aberta, podiam-se ver o corredor do patamar e o cubículo
onde pai e mãe ocupavam uma quarta cama, contra a qual tiveram de instalar o
berço da recém-nascida, Estelle, de apenas três meses.
Entretanto, Catherine fez um esforço
desesperado. Espreguiçava-se, crispava as mãos nos cabelos ruivos que se
emaranhavam na testa e na nuca. Franzina para os seus quinze anos, não mostrava
dos membros senão uns pés azulados, como tatuados com carvão, que saíam da
bainha da camisola estreita, e braços delicados, alvos como leite, contrastando
com a cor pálida do rosto, já estragado pelas contínuas lavagens com sabão
preto. [...]
ZOLA, Émile. Germinal.
Trad. De Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 20-21.
(Fragmento).
Fonte: Português –
Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas
Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 131.
Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Rés do chão: nesse caso, o piso térreo.
· Alguidar: vaso de barro ou outro material que tem a borda mais larga
que o fundo, como uma espécie de tigela.
· Sabão preto: sabão de fabricação doméstica, feito com cinzas e gordura
animal.
02 – Qual a atmosfera criada
pela descrição do quarto da família Maheu?
A descrição do
quarto da família Maheu cria uma atmosfera de pobreza, opressão e sofrimento. O
quarto é pequeno, escuro, superlotado e com poucas posses, refletindo as
condições de vida precárias dos trabalhadores da mina. A imagem do "calor
rançoso dos dormitórios" e a comparação com "gado humano"
enfatizam a desumanização e as condições subumanas a que os operários estão
submetidos.
03 – Como a descrição física
dos personagens contribui para a compreensão da obra?
A descrição
física dos personagens, como a de Catherine, revela as marcas da pobreza e do
trabalho exaustivo. Seus pés azulados e braços delicados contrastando com o
rosto pálido e marcado pelo trabalho são sinais visíveis das condições de vida
difíceis. Essa descrição física serve como um retrato social, evidenciando as
desigualdades e as consequências do sistema capitalista explorador.
04 – Qual a importância da
referência ao cuco e às horas no início do fragmento?
A referência ao
cuco e às quatro horas da manhã marca o início de um novo dia de trabalho para
a família Maheu. O som do relógio destaca a rotina exaustiva e a falta de tempo
livre dos trabalhadores. A contagem das badaladas por Catherine, mesmo estando
cansada, demonstra a importância do tempo e da organização na vida da família,
que precisa se adaptar a um ritmo de trabalho intenso.
05 – Como a família Maheu se
organiza no espaço do quarto?
A família Maheu
ocupa um único quarto, dividindo o espaço em três camas. A descrição do quarto
revela a falta de privacidade e o convívio próximo entre os membros da família.
A presença de uma criança recém-nascida e de uma filha doente, Alzire,
evidencia as dificuldades enfrentadas pela família para cuidar de todos os seus
membros.
06 – Qual o papel da luz na
descrição do ambiente?
A luz da vela,
que ilumina o quarto, revela a pobreza e a simplicidade do ambiente. A falta de
móveis e objetos decorativos, além da roupa pendurada em pregos, reforçam a
ideia de um espaço limitado e funcional. A luz da vela também cria uma
atmosfera intimista e melancólica, enfatizando o sofrimento e a angústia dos
personagens.
07 – Como o fragmento se
conecta com a temática central de "Germinal"?
Este fragmento se
conecta diretamente com a temática central de "Germinal", que é a
denúncia das condições de vida dos trabalhadores nas minas de carvão na França
do século XIX. A descrição da família Maheu e de seu cotidiano serve como um
exemplo das dificuldades enfrentadas por essa classe social, explorada e
marginalizada.
08 – Qual a importância da
descrição do quarto para a compreensão da obra?
A descrição do
quarto da família Maheu é fundamental para a compreensão da obra, pois ela cria
um cenário realista e impactante que permite ao leitor se conectar com a
realidade dos personagens. Através dessa descrição, Zola denuncia as condições
de vida miseráveis dos trabalhadores, a exploração do trabalho infantil e a
falta de condições básicas de higiene e saúde. Essa descrição também contribui
para a construção de uma atmosfera de opressão e revolta, preparando o leitor
para os acontecimentos que se seguirão na narrativa.
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