segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

ROMANCE: GERMINAL - PARTE II - FRAGMENTO - ÉMILE ZOLA - COM GABARITO

 Romance: Germinal parte II – Fragmento

                 Émile Zola

        [...]

        Em casa dos Maheu, no número dezesseis do segundo grupo de casas, tudo era sossego. O único quarto do primeiro andar estava imerso nas trevas, como se estas quisessem esmagar com seu peso o sono das pessoas que se pressentiam lá, amontoadas, boca aberta, mortas de cansaço. Apesar do frio mordente do exterior, o ar pesado desse quarto tinha um calor vivo, esse calor rançoso dos dormitórios, que, mesmo asseados, cheiram a gado humano.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiINUDm9RnJVfGTBeI-7v2SUYVi2MPPjT-ya7LYHV25L7cfSofBiWQz5DWHsal5yvgF6uz2xvF5zdUJSitP8YbXtFEKd9Ke_f0VEUvzk-COH7_o4Dcn_j5VD4DEnii-G3NXOQKLlYZvOpq_WanT6EvL94hwUTk3BDfgni1lnbSo7OIYEo_HOu3cDdQAFBs/s320/GERMINAL.jpg


        O cuco da sala do térreo deu quatro horas, mas ninguém se moveu. As respirações fracas continuaram a soprar, acompanhadas de dois roncos sonoros. Bruscamente, Catherine levantou-se. No seu cansaço, tinha ela, pela força do hábito, contado as quatro badaladas que atravessaram o soalho, mas continuara sem o ânimo necessário para acordar de todo. Depois, com as pernas para fora das cobertas, apalpou, riscou um fósforo e acendeu a vela. Mas continuou sentada, a cabeça tão pesada que tombava nos ombros, cedendo ao desejo invencível de voltar ao travesseiro.

        Agora, a vela iluminava o quarto, quadrado, com duas janelas, atravancado com três camas. Havia um armário, uma mesa e duas cadeiras de nogueira velha, cujo tom escuro manchava duramente as paredes pintadas de amarelo-claro. E nada mais, a não ser roupa de uso diário pendurada em pregos, uma moringa no chão ao lado de um tacho vermelho que servia de bacia. Na cama da esquerda, Zacharie, o mais velho, um rapaz de vinte e um anos, estava deitado com o irmão, Jeanlin, com quase doze anos; na da direita, dois pequenos, Lénore e Henri, a primeira de seis anos, o segundo de quatro, dormiam abraçados; Catherine partilhava a terceira cama com a irmã Alzire, tão fraca para os seus nove anos, que ela nem a sentiria ao seu lado, não fosse a corcunda que deformava as costas da pequena enferma. A porta envidraçada estava aberta, podiam-se ver o corredor do patamar e o cubículo onde pai e mãe ocupavam uma quarta cama, contra a qual tiveram de instalar o berço da recém-nascida, Estelle, de apenas três meses.

        Entretanto, Catherine fez um esforço desesperado. Espreguiçava-se, crispava as mãos nos cabelos ruivos que se emaranhavam na testa e na nuca. Franzina para os seus quinze anos, não mostrava dos membros senão uns pés azulados, como tatuados com carvão, que saíam da bainha da camisola estreita, e braços delicados, alvos como leite, contrastando com a cor pálida do rosto, já estragado pelas contínuas lavagens com sabão preto. [...]

ZOLA, Émile. Germinal. Trad. De Francisco Bittencourt. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 20-21. (Fragmento).

Fonte: Português – Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 131.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Rés do chão: nesse caso, o piso térreo.

·    Alguidar: vaso de barro ou outro material que tem a borda mais larga que o fundo, como uma espécie de tigela.

·     Sabão preto: sabão de fabricação doméstica, feito com cinzas e gordura animal.

02 – Qual a atmosfera criada pela descrição do quarto da família Maheu?

      A descrição do quarto da família Maheu cria uma atmosfera de pobreza, opressão e sofrimento. O quarto é pequeno, escuro, superlotado e com poucas posses, refletindo as condições de vida precárias dos trabalhadores da mina. A imagem do "calor rançoso dos dormitórios" e a comparação com "gado humano" enfatizam a desumanização e as condições subumanas a que os operários estão submetidos.

03 – Como a descrição física dos personagens contribui para a compreensão da obra?

      A descrição física dos personagens, como a de Catherine, revela as marcas da pobreza e do trabalho exaustivo. Seus pés azulados e braços delicados contrastando com o rosto pálido e marcado pelo trabalho são sinais visíveis das condições de vida difíceis. Essa descrição física serve como um retrato social, evidenciando as desigualdades e as consequências do sistema capitalista explorador.

04 – Qual a importância da referência ao cuco e às horas no início do fragmento?

      A referência ao cuco e às quatro horas da manhã marca o início de um novo dia de trabalho para a família Maheu. O som do relógio destaca a rotina exaustiva e a falta de tempo livre dos trabalhadores. A contagem das badaladas por Catherine, mesmo estando cansada, demonstra a importância do tempo e da organização na vida da família, que precisa se adaptar a um ritmo de trabalho intenso.

05 – Como a família Maheu se organiza no espaço do quarto?

      A família Maheu ocupa um único quarto, dividindo o espaço em três camas. A descrição do quarto revela a falta de privacidade e o convívio próximo entre os membros da família. A presença de uma criança recém-nascida e de uma filha doente, Alzire, evidencia as dificuldades enfrentadas pela família para cuidar de todos os seus membros.

06 – Qual o papel da luz na descrição do ambiente?

      A luz da vela, que ilumina o quarto, revela a pobreza e a simplicidade do ambiente. A falta de móveis e objetos decorativos, além da roupa pendurada em pregos, reforçam a ideia de um espaço limitado e funcional. A luz da vela também cria uma atmosfera intimista e melancólica, enfatizando o sofrimento e a angústia dos personagens.

07 – Como o fragmento se conecta com a temática central de "Germinal"?

      Este fragmento se conecta diretamente com a temática central de "Germinal", que é a denúncia das condições de vida dos trabalhadores nas minas de carvão na França do século XIX. A descrição da família Maheu e de seu cotidiano serve como um exemplo das dificuldades enfrentadas por essa classe social, explorada e marginalizada.

08 – Qual a importância da descrição do quarto para a compreensão da obra?

      A descrição do quarto da família Maheu é fundamental para a compreensão da obra, pois ela cria um cenário realista e impactante que permite ao leitor se conectar com a realidade dos personagens. Através dessa descrição, Zola denuncia as condições de vida miseráveis dos trabalhadores, a exploração do trabalho infantil e a falta de condições básicas de higiene e saúde. Essa descrição também contribui para a construção de uma atmosfera de opressão e revolta, preparando o leitor para os acontecimentos que se seguirão na narrativa.

 

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