sábado, 28 de dezembro de 2024

ROMANCE: O MISSIONÁRIO CAP. XII - FRAGMENTO - INGLÊS DE SOUSA - COM GABARITO

 Romance: O missionário Cap. XII – Fragmento

                 Inglês de Sousa

        [...]

        Entregara-se, corpo e alma, à sedução da linda rapariga que lhe ocupara o coração. A sua natureza ardente e apaixonada, extremamente sensual, mal contida até então pela disciplina do Seminário e pelo ascetismo que lhe dera a crença na sua predestinação, quisera saciar-se do gozo por muito tempo desejado, e sempre impedido. Não seria filho de Pedro Ribeiro de Morais, o devasso fazendeiro do Igarapé-mirim, se o seu cérebro não fosse dominado por instintos egoísticos, que a privação de prazeres açulava e que uma educação superficial não soubera subjugar. E como os senhores padres do Seminário haviam pretendido destruir ou, ao menos, regular e conter a ação determinante da hereditariedade psicofisiológica sobre o cérebro do seminarista? Dando-lhe uma grande cultura de espírito, mas sob um ponto de vista acanhado e restrito, que lhe excitara o instinto da própria conservação, o interesse individual, pondo-lhe diante dos olhos, como supremo bem, a salvação da alma, e como meio único, o cuidado dessa mesma salvação. Que acontecera? 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjzXHKXULO_rheKj8bir5dD-05JzihyvreTFv83jIthoDp52lAoMotaMQngh0qN36HR3Lv6Sh_osDRh6GcYYqU0edGImwYr7gXOVszBH0Oa_wPUMgjnH6KQmv01piDP6SnGItiLLR-hxH3WdK9WNRuhLYAHXiZERvFH8jYTneT-rAK0140M5zvHMOJ6nWk/s320/MISSIONARIO.jpg


No momento dado, impotente o freio moral para conter a. rebelião dos apetites, o instinto mais forte, o menos nobre, assenhoreara-se daquele temperamento de matuto, disfarçado em padre de S. Sulpício, Em outras circunstâncias, colocado em meio diverso, talvez que padre Antônio de Morais viesse a ser um santo, no sentido puramente católico da palavra, talvez que viesse a realizar a aspiração da sua mocidade, deslumbrando o mundo com o fulgor das suas virtudes ascéticas e dos seus sacrifícios inauditos. Mas nos sertões do Amazonas, numa sociedade quase rudimentar, sem moral, sem educação... vivendo no meio da mais completa liberdade de costumes, sem a coação da opinião pública, sem a disciplina duma autoridade espiritual fortemente constituída... sem estímulos e sem apoio... devia cair na regra geral dos seus colegas de sacerdócio, sob a influência enervante e corruptora do isolamento, e entregara-se ao vício e à depravação, perdendo o senso moral e rebaixando-se ao nível dos indivíduos que fora chamado a dirigir.

        Esquecera o seu caráter sacerdotal, a sua missão e a reputação do seu nome, para mergulhar-se nas ardentes sensualidades dum amor físico, porque a formosa Clarinha não podia oferecer-lhe outros atrativos além dos seus frescos lábios vermelhos, tentação demoníaca, e das suas formas esculturais, assombro dos sertões de Guaranatuba.

        Dera-se tão bem com aquele modo de viver no sítio da Sapucaia, que o futuro não o preocupava um só instante naqueles rápidos três meses. Passaria naturalmente o resto da existência ao lado da neta gentil de João Pimenta, gozando os inesgotáveis deleites duma vida livre de convenções sociais, em plena natureza, embalado pelo canto mavioso dos rouxinóis e acariciado pelo doce calor dos beijos da sertaneja.

        Se alguma vez, no meio daquele torpor delicioso, um sobressalto o apanhava de repente, acordando a ideia do inferno, que lhe atravessava o cérebro como um relâmpago, logo recaia na apática tranquilidade que era a sua situação normal, adiando - com o movimento impaciente de quem enxota um inseto importuno - o arrependimento que lhe devia remir as culpas, e que reservava para ocasião própria, como o mergulhador que se aventura às profundezas do abismo, confiando na corda que o há de chamar à tona da água na ocasião do perigo.

        [...]

SOUSA, Inglês de. O missionário. São Paulo: Ática, 1991. Fragmento.

Fonte: Português – Literatura, Gramática e Produção de texto – Leila Lauar Sarmento & Douglas Tufano – vol. 2 – Moderna – 1ª edição – São Paulo, 2010, p. 136-137.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Ascetismo: doutrina que considera a disciplina e o autocontrole indispensáveis ao desenvolvimento espiritual.

·        Açulava: provocava, incitava.

·        Subjugar: dominar.

·        Padre de São Sulpício: padre pertencente à Sociedade de São Sulpício, ordem religiosa fundada na França em 1645.

·        Fulgor: resplendor, luminosidade.

·        Inauditos: de que nunca se ouviu falar, fora do comum, extraordinários.

·        Coação: pressão, constrangimento.

·        Apática: sem ação, indiferente.

·        Remir: expiar, reparar.

02 – Qual a principal motivação para a queda moral do Padre Antônio de Morais?

      A principal motivação é a natureza ardente e apaixonada do padre, que, reprimida pela disciplina do seminário, encontra na jovem Clarinha uma oportunidade de saciar seus desejos. Além disso, a falta de uma sociedade com valores sólidos e a influência do meio em que vive contribuem para sua queda.

03 – Que papel a hereditariedade e a educação desempenham na formação do caráter do padre?

      A hereditariedade é vista como um fator determinante, com a influência do pai devasso e da educação superficial do seminário moldando o caráter do padre. A educação, embora extensa, é considerada restrita e incapaz de controlar os instintos mais básicos.

04 – Qual a crítica social presente nesse fragmento?

      O fragmento critica a hipocrisia da sociedade, a falta de valores morais e a influência do meio sobre o indivíduo. A figura do padre, que deveria ser um exemplo de virtude, acaba sucumbindo aos prazeres carnais, revelando a fragilidade da moralidade humana.

05 – Como a natureza influencia o comportamento do padre?

      A natureza exuberante e selvagem dos sertões do Amazonas, com sua beleza e sensualidade, exerce um fascínio sobre o padre, contribuindo para sua perda de valores e sua entrega aos prazeres carnais.

06 – Qual a visão do autor sobre o livre-arbítrio e a responsabilidade individual?

      O autor parece apresentar uma visão complexa sobre o livre-arbítrio. Por um lado, ele mostra como a hereditariedade e o meio influenciam as escolhas do indivíduo. Por outro lado, ele sugere que o padre tem a capacidade de resistir às tentações e escolher um caminho diferente.

07 – Que papel a religião desempenha na vida do padre?

      A religião, inicialmente um guia moral, torna-se um fardo para o padre, que se sente conflito entre seus desejos e os preceitos religiosos. A culpa e o arrependimento demonstram a força da fé, mesmo que momentaneamente abalada.

08 – Qual o significado da imagem do mergulhador no final do fragmento?

      A imagem do mergulhador simboliza a decisão do padre de adiar o arrependimento e mergulhar nos prazeres carnais. A corda que o puxará de volta representa a esperança de redenção, mas também a consciência de que um dia terá que enfrentar as consequências de seus atos.

 

 

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