Texto: Uma aventura no rio Xingu
Vito D’Alessio
O
Xingu é um dos mais fascinantes rios da Amazônia. Em suas margens e ilhas,
cobertas de florestas, vivem índios, caboclos e muitos animais selvagens.
Dois rapazes, Vito D’Alessio e Renato
Dutra, viajaram mais de 1.400 quilômetros pelo Xingu. Sabe de que jeito? De
caiaque!
Na primeira noite da viagem, eles
estavam dormindo numa pequena ilha no meio do rio, quando Vito, ao sair da rede
para reacender a fogueira, teve uma “surpresinha”...
Despertei às nove e quarenta e dois,
antes do relógio. Através da rede, não vi a claridade avermelhada do fogo. A
fogueira já era. Me preparei pra sair e reacende-la. Enquanto abria o zíper da
rede, observei pela malha do mosquiteiro a lua branca e brilhante. Tudo é
silêncio, magia e mistério. Foi com os olhos grudados no brilho da lua que
coloquei meio corpo para fora. [...] A dois metros de onde estou, a mansidão
das águas nas margens da ilhota foi trocada pelo brilho frio e vermelho de
dezenas de pares de olhos. Uma cordilheira de sombras negras recortadas no
clarão da noite. São jacarés. Essa imagem causa sensações inéditas e
indescritíveis. Não sei dizer se o que sinto é medo ou a grande emoção de
sentir que o risco é a mais clara manifestação da força da vida.
Jacarés... Imediatamente se acende em
minha memória a imagem dos índios e seu “hino” profético: “Jacaré vai comê
caraíba... Jacaré vai comê caraíba...”. As palavras dançam em minha cabeça em
ritmo acelerado, acompanhando as batidas do meu coração. Desde o primeiro
momento, a prudência me fez acreditar nas palavras dos índios; mas eu não
esperava que isso acontecesse tão cedo.
A tensão é forte. Por segundos fico
completamente estático, apenas observando nossas visitas, ou melhor, nossos
anfitriões, pois ali no meio da Amazônia os hóspedes somos nós. É preciso fazer
alguma coisa, e rápido. Sem desviar o olhar daquele mundo de olhos um só
minuto, fui tateando a rede às minhas costas até alcançar a lanterna e o
revólver. Feito isso, passei a chamar Renato. Preocupado em não ser o centro
das atenções – se já não era –, minha voz mais parecia um sussurro. Diante da
diferença de meu companheiro, envolvido em sono profundo, inconscientemente
ergui a voz. Imediatamente houve uma leve movimentação na água, o que àquela
altura tinha o efeito de um terremoto. Controlando minha ansiedade, disse:
-- Abra sua rede devagar e olhe para
fora...
Eu não podia vê-lo, mas a tensão me fez
acompanhar seus movimentos pelos ruídos. Quando o zíper da rede cessou seu
trajeto, fez-se um tempo de silêncio até que ouvi sua voz assustada:
-- Meu chapa!...
Pelo timbre, imaginava sua expressão de
espanto. Renato também buscou sua arma e, lentamente, saímos juntos da rede.
Nos encontramos de costas e chegamos a um consenso. O primeiro passo seria
afugentar os animais. Depois, acender o fogo. Atirei para o alto. O estrondo
seco foi seguido por incontáveis mergulhos e rabadas na água, por toda a nossa
volta. Temporariamente estávamos mais uma vez a sós. [...]
A pouca lenha nos obriga a administrar
muito bem cada graveto. O silêncio é brutal e qualquer ruído leva a um estado
de alerta. Um leve som vem do casco de nossos barcos. A imaginação me faz crer
que são filhotinhos de jacaré. O sono tenta me vencer, mas a tensão é muito
mais forte. Ilumino com a lanterna os barrancos próximos. Centenas de olhos me
miram atentos. Talvez estejam apenas esperando eu dormir para atacar. Foram
horas intermináveis de tensão. Quando o último graveto foi absorvido pelas
chamas, as primeiras luzes começavam a raiar. Traziam com elas a mansidão e a
segurança da manhã, o que nos garantiu algumas horas de sono tranquilo.
Começamos o segundo dia com a lentidão
de uma noite maldormida. Depois do café da manhã, arrumamos nossas coisas nos
caiaques e nos preparamos para sair. Consultando os mapas, descobrimos que a
pequena ilha em que estamos tem o nome de ilha do Natal, o que não tornava
nossa manhã mais festiva. Ironicamente, Renato comentou:
-- Ilha do Natal!... Por pouco não
viramos ceia...
Barcos na água, iniciamos mais uma
jornada.
Vito D’Alessio. Pelas
veias da selva. São Paulo, FTD, 1992.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 233-7.
Entendendo o texto:
01 – Esse texto é um relato
de uma aventura.
a)
Resuma, em no máximo dez linhas, os fatos
narrados.
Vito e Renato, viajando pelo Xingu, param em uma ilha para dormir e
acordam no meio da noite cercados por jacarés. Procuram deixar os bichos longe
e esperam amanhecer para seguir viagem.
b)
Quem conta os fatos é um narrador ou é um
narrador-personagem? Justifique.
É um narrador-personagem. Vito conta os fatos dos quais ele
participou.
02 – Releia o terceiro
parágrafo (“A tensão é forte...”) e responda.
a)
Por que Vito afirma, inicialmente, que os
jacarés eram visitas?
Porque ele e Renato já estavam na ilhota, quando, à noite, os
jacarés foram até ela.
b)
Por que ele se corrige e diz que os jacarés
eram os anfitriões
(anfitrião: dono da casa, aquele que recebe as visitas)?
Vito diz que ele e o amigo estão temporariamente na Amazônia fazendo
uma visita ao lugar. Como os jacarés vivem lá, os bichos é que estão
“recebendo” os dois visitantes, isto é, são os anfitriões.
03 – Ainda em relação ao
terceiro parágrafo.
a)
Ao acordar Renato, Vito tentou “não ser o
centro das atenções”. Explique o que ele quis dizer com isso.
Ele tentou não fazer barulho, nem se mexer muito, para evitar que os
jacarés percebessem que ele estava ali.
b)
Por que Vito afirma que a leve movimentação
na água teve o “efeito de um terremoto”?
Porque o pequeno movimento dos jacarés apavorou muito o rapaz, tanto
quanto um terremoto o assustaria.
04 – “O estrondo seco foi
seguido por incontáveis mergulhos e rabadas na água, por toda a nossa volta”.
a)
O que foi o “estrondo seco”?
Foi o tiro dado por Vito para espantar os jacarés.
b)
Por que aconteceram os “mergulhos e rabadas”?
Porque os jacarés se assustaram com o barulho do tiro e fugiram,
mergulhando e batendo a cauda na água.
c)
Transcreva, desse trecho, o adjetivo que
indica que os jacarés eram em grande número.
Incontáveis.
05 – Releia o final do
primeiro parágrafo.
“Não
sei dizer se o que sinto é medo ou a grande emoção de sentir que o risco é a
mais clara manifestação da força da vida.” Explique o que o
narrador-personagem quer dizer com “o risco é a mais clara manifestação da
força da vida”.
O narrador-personagem
quer dizer que é nas situações de perigo que descobrimos o quanto realmente
gostamos de viver.
06 – Releia o oitavo
parágrafo e indique se as afirmações que seguem constituíram fato real ou
suposto (imaginado) por Vito.
a)
Vito e Renato tiveram que economizar lenha
para que o fogo durasse a noite toda.
Fato real.
b)
Filhotes de jacaré faziam barulho no casco do
barco.
Fato suposto.
c)
Os barrancos estavam cheios de jacarés.
Fato real.
d)
Os jacarés estavam esperando que os dois
rapazes dormissem para ataca-los.
Fato suposto.
e)
Quando a lenha acabou, o dia estava
começando.
Fato real.
f)
Depois que amanheceu, Vito e Renato
conseguiram dormir um pouco.
Fato real.
07 – De manhã, Vito e Renato
consultaram os mapas e descobriram que a ilhota em que haviam passado a noite
chamava-se “ilha do Natal”. Explique a brincadeira que Renato faz com o nome da
ilha, ao dizer “Por pouco não viramos ceia...”.
Ele se refere ao
fato de que as pessoas costumam fazer ceia no dia de Natal e eles quase viraram
“ceia” (comida) dos jacarés.
08 – Esse texto narra uma
aventura que aconteceu na realidade.
a)
Na sua opinião, por que muitas pessoas gostam
de ler esse tipo de narrativa?
Interesse em saber como são os lugares em que as aventuras acontecem
e como os seus participantes enfrentam as situações. É também um modo de
“viver” um pouco o que é relatado.
b)
Você gostaria de ter participado dessa
aventura no rio Xingu? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
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