Reportagem: Lençóis Maranhenses
Lu Gomes
Viajar
é, ao mesmo tempo, uma diversão e um aprendizado. Em uma viagem, sempre tomamos
contato com alguma novidade: um modo de vida diferente do nosso, uma beleza
natural ou um pouco de história.
As viagens ampliam nossa capacidade
de ver e de compreender o mundo, a vida e as pessoas. E, quando não podemos
viajar, a leitura é a melhor forma de conhecer lugares interessantes.
A pista de concreto rachado
vai chegando aos pedaços e o bimotor pousa trepidando no “aeroporto” de
Barreirinhas, no sertão do Maranhão.
[...]
Esta modorrenta cidade está atraindo
visitantes de todos os cantos do Brasil e sua fama já se propaga pelo exterior.
Deve ser enrolado para um francês pronunciar o nome Barreirinhas, mas ele
consegue e está vindo para cá. Quanto aos alemães, então, nem se fala – já
existe até panfleto turístico traduzido para a língua de Goethe. Plantada numa
curva do Rio Preguiça, Barreirinhas finalmente está entrando para o mapa
turístico nacional e o seu progresso é visível: a pista de pouso está sendo
estendida para 1.100 metros para suportar aviões de maior capacidade, a rua que
leva ao centro está em processo de pavimentação e as inevitáveis cadeiras brancas
de plástico moldado, uma verdadeira praga nos quatro cantos do planeta, já
tomaram conta da cidade – sem dúvida, um sinal de que Barreirinhas está se
globalizando, ainda que da pior maneira.
Mas ninguém vem até aqui só pelos ares
dessa cidadezinha de 25.000 habitantes. Os turistas estão chegando para
conhecer o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, um lugar único no país. Por
uma área que se estende por 70 quilômetros de litoral e avança 50 quilômetros
continente adentro, espalha-se uma peculiar formação de dunas intercaladas, na
maior parte do ano, por lagoas de água doce e cristalina. As dunas estendem-se
brancas como lençóis – daí o nome – e são formadas pela ação do vento que sopra
do mar, empurrando-as para o continente. Alcançam até 30 metros de altura. Já
as lagoas são resultado das chuvas, que caem de dezembro a julho. A água é uma
delícia: nem fria nem quente. Dá vontade de passar o dia inteiro nadando. Os
Lençóis Maranhenses podem ser interpretados como o único deserto brasileiro (afinal,
é tudo areia) ou como a maior praia do país, já que tem o tamanho da cidade de
São Paulo. Um lugar, no mínimo, especial. Não existe nada igual no Brasil.
[...]
O sol estava de rachar a moringa, como
se diz por aqui, quando saí para conhecer a Lagoa Azul, um dos passeios mais
famosos da região. Uma picape com tração nas quatro rodas me levou até lá em
menos de uma hora. O lugar estava cheia de gente (ou seja, tinha umas 40
pessoas), mas bastou atravessar algumas dunas para encontrar uma praia
inteirinha para mim. E que praia! No dia seguinte, fui visitar a ainda mais
exuberante Lagoa Bonita, um tanto inacessível, embora esteja a menos de dez
quilômetros de distância. Chega-se por uma trilha arenosa [...].
Depois de chacoalharmos por uma hora e
quinze minutos, e de cruzarmos riachos e cajueiros, chegamos ao fim da trilha e
estacionamos próximo a um imenso paredão de areia. É preciso estar em boas
condições físicas para encarar essa rampa quase vertical. Eu não estava, mas
fui assim mesmo. Uma das coisas mais admiráveis no ser humano é que somos
capazes de fazer qualquer sacrifício por um pouco de diversão.
Quase enfartei, mas valeu a pena. O
lugar estava intocado. Até onde a vista alcançava, não se via ninguém – só uma
infinita sucessão de dunas e lagoas verdes. E mesmo as próprias pegadas na
areia logo desapareceriam, apagadas pelo vento. Sozinho naquela imensidão,
parecia que eu estava num daqueles cenários surrealistas de Salvador Dalí. Só
faltavam os relógios derretendo.
Ficamos lá a tarde inteira, vendo o
planeta girar, caminhando pelas dunas e mergulhando nas tépidas lagoas [...].
Só fomos embora quando o pôr-do-sol tingiu o
céu de vermelho. Não dava para ficar mais, porque a balsa que cruza o Rio
Preguiça para de funcionar às 18h30. Já estava escuro quando chegamos à beira
do rio, meia hora atrasados. Felizmente, nosso guia havia avisado ao balseiro e
ele estava à nossa espera. Embarcamos na balsa de madeira e, enquanto ela era
puxada por uma corda, em direção a Barreirinhas, deitei-me no capô da
caminhonete. E durante os 15 minutos da travessia fiquei contemplando o céu
mais estrelado que já vi. Foi o final de um dia perfeito, desses para se
guardar na memória como um tesouro.
Dos quatro dias que passei em Lençóis,
dois foram dedicados à exploração do Rio Preguiça. O nome se deve à lentidão
das suas águas escuras – o rio é tão lento que, às vezes, nem se sabe em qual
direção está indo. A razão é a maré da praia onde o Preguiça deságua, que, de
tão forte, detém a correnteza do rio. Num dos dias, fui de lancha voadeira até
a foz do rio, a 50 quilômetros de distância da cidade. Ao longo do caminho,
dunas vão surgindo e abrindo belas praias em meio a manguezais e restingas.
Vassouras, uma delas, abriga uma aldeia de pescadores – meia dúzia de choupanas
feitas de pau de mangue e cobertas por folhas de carnaúba. O fim da linha é o
vilarejo de Atins, na margem esquerda, onde o rio preguiçoso encontra o mar
bravio. De lá pode-se ir a pé até as dunas, numa caminhada de 40 minutos.
Também na margem esquerda, um pouco antes de Atins, quase em frente ao pequeno
povoado de Caburé, fica o Farol de Mandacaru, de cujo topo (vá com calma: são
160 degraus!) se tem uma visão deslumbrante da foz do rio. O almoço acontece
nos restaurantes das pousadas de Caburé. Não há muito o que escolher: peixe,
camarão ou caranguejo – mas quem precisa de mais do que isso? E, de sobremesa,
um doce de coco de deixar cozinheiro francês salivando.
Como o passeio pelo rio leva um dia
inteiro, os pacotes turísticos da região costumam oferecer um pernoite em
Caburé, na Pousada do Paulo, que não tem nem luz elétrica. Um barulhento
gerador funciona até a meia noite – apenas o tempo necessário para gelar a
cerveja e garantir a novela das oito. Depois, silêncio total e luz de velas. A
hospitalidade é de primeira, mas as acomodações são espartanas. Como, aliás, na
maioria dos lugares dessa região belíssima, mas selvagem.
Talvez por isso, Caburé tornou-se o
posto avançado dos jovens mochileiros, que marcam seus caminhos por onde não há
nem estradas. Os mais ousados até partem de Caburé para passar a noite acampados
no parque. A novidade nos Lençóis Maranhenses, porém, é que agora já dá para
curtir as dunas, praias e lagoas da região sem precisar ser um desbravador de
fronteiras. No final de cada passeio, você sempre pode voltar para o
ar-condicionado e a comidinha caprichada
de Barreirinhas – basta combinar com o guia que o levou. E, no final da viagem,
quando estiver voando para São Luís, terá tantas histórias para contar quanto
qualquer outro explorador desse inusitado deserto brasileiro – um deserto
diferente, que tem água por todas as partes.
Lu Gomes. Revista
Viagem e Turismo. São Paulo, Abril, setembro e 2.000.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 190-6.
Entendendo a reportagem:
01 – Em relação ao conteúdo
geral do texto:
a)
Qual a finalidade, isto é, para que serve
esse texto?
O texto serve para mostrar como é um lugar, narrar o que a pessoa (o
autor) fez e o que sentiu enquanto esteve lá.
b)
Cite alguma coisa que você aprendeu ao ler
esse texto.
Resposta pessoal do aluno.
02 – Releia: “... e as inevitáveis cadeiras brancas
de plástico moldado, uma verdadeira praga nos quatro cantos do planeta, já
tomaram conta da cidade – sem dúvida, um sinal de que Barreirinhas está se
globalizando, ainda que da pior maneira.”
a)
O autor faz uma referência elogiosa ou
depreciativa (desfavorável) às cadeiras brancas de plástico?
A referência é depreciativa. Ele compara a presença desse tipo de
cadeira com uma praga, algo ruim que se espalha rapidamente pelos “quatro
cantos do planeta”, isto é, que existe em todo lugar.
b)
Globalização é um processo econômico,
comercial e de comunicação que envolve os países do mundo. Por que, segundo o
autor, Barreirinhas está se “globalizando” de uma maneira ruim?
O autor ironiza a ideia de “globalização”, dando a entender que as
cadeiras de plástico – objetos “globalizados”, já que usados em todo lugar –
são desnecessárias em Barreirinhas.
03 – Esse texto é uma relato
objetivo (racional, frio) ou subjetivo, isto é, que exprime as emoções, as
reações e o modo pessoal de o autor se referir ao lugar visitado?
O texto é um relato
subjetivo. O autor revela opiniões, reações e emoções. Ele se mostra encantado
com a beleza o lugar, com a simplicidade das coisas, com a hospitalidade das
pessoas, com o sabor da comida, etc.
04 – Em uma das páginas
iniciais da revista da qual foi transcrito o texto, há a seguinte informação:
“Viagem
e Turismo não aceita convites nem cortesias para viajar. Todas as despesas são
pagas pela revista, que também procura viajar anonimamente. Assim, nos
igualamos aos demais turistas e acrescentamos liberdade às nossas reportagens.
Exatamente como você, leitor, faria”. Por que você acha que a revista julga
importante dar essas informações aos seus leitores?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: As informações deixam claro que:
·
As análises (elogios, críticas,
etc.) apresentadas nas reportagens são imparciais.
·
Os lugares são realmente como
apresentados, isto é, não foram “preparados” para receber os repórteres e
fotógrafos.
05 – Na sua opinião, os
moradores e os comerciantes da região dos Lençóis Maranhenses ficaram
contentes, satisfeitos com a publicação dessa reportagem em uma revista de
circulação nacional? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
06 – Você gostaria de viajar
par o lugar descrito no texto? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
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