LIVRO(FRAGMENTO): O MENINO DO DEDO VERDE - CAPÍTULO SEIS
Maurice Druon
Era a primeira experiência do novo sistema. O
Sr. Papai havia julgado melhor começar por aí. Uma lição de jardim, afinal de
contas, é uma lição de terra, essa terra em que caminhamos, que produz os
legumes que comemos e o capim com que os animais se alimentam, até ficarem
bastante gordos para serem comidos...
A terra, tinha declarado o Sr. Papai,
está na origem de tudo.
"Tomara que o sono não venha!"
— dizia Tistu consigo mesmo, a caminho da aula.
O jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr.
Papai, já esperava o aluno na estufa.
O jardineiro Bigode era um velho
macambúzio, de pouca conversa, e não lá muito amável. Uma extraordinária
floresta, cor de neve, brotava-lhe entre o nariz e a boca.
Como descrever os bigodes de Bigode? Uma
das maravilhas da natureza. Nos dias de vento, quando o jardineiro passava de
pá ao ombro, era um verdadeiro espetáculo: pareciam duas chamas que lhe saíssem
do nariz para queimar-lhe as orelhas.
Tistu bem que gostava do velho jardineiro,
mas tinha um pouco de medo.
— Bom dia, Sr. Bigode — disse Tistu,
tirando o chapéu.
— Ah! Você já chegou... Vamos ver do que é
capaz. Está vendo este monte de terra e estes vasos? Você vai encher os vasos
de terra e enfiar o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha
tudo em fila, ao longo do muro. Então a gente coloca nos buracos as sementes
que quiser.
As estufas do Sr. Papai eram admiráveis
e dignas, em tudo, do resto da casa. Sob a proteção dos vidros cintilantes,
mantinha-se, graças a um aquecedor, um ar úmido e quente. Ali mimosas 27
floresciam em pleno inverno, cresciam palmeiras importadas da África, e
cultivavam-se lírios pela sua beleza e jasmins pelo seu perfume. E até
orquídeas, que não são belas nem cheiram, por um motivo inteiramente inútil
para uma flor: a raridade.
Bigode era o senhor daquele recinto.
Quando Dona Mamãe, aos domingos, trazia as amigas para ver a estufa, ele
postava-se à porta, de avental novo, tão amável e falante quanto um cabo de
enxada.
À menor tentativa de acender um cigarro
ou tocarem numa flor, Bigode saltava sobre a imprudente:
— Era o que faltava! Será que as senhoras
querem sufocar e estrangular minhas flores?
Tistu, ao realizar o trabalho que
Bigode lhe confiara, teve uma agradável surpresa: esse trabalho não lhe dava
sono. Ao contrário, dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um
cheiro gostoso. Um vaso vazio, uma pá de terra, um buraco com o dedo, e o
serviço estava pronto. Passava-se logo ao seguinte. Os vasos iam-se alinhando
rente ao muro.
Enquanto Tistu prosseguia o trabalho
com afinco, Bigode dava lentamente uma volta pelo jardim. E Tistu descobriu
aquele dia por que é que o velho jardineiro falava tão pouco com as pessoas:
ele conversava com as flores.
Vocês compreendem facilmente que
depois de cumprimentar cada rosa de um ramo, cada cravo de uma touceira, já não
há voz que chegue para distribuir "Boa noite, meu senhor!" ou
"Bom apetite, minha senhora!" ou "Saúde!" quando alguém
espirra, — todas essas coisas, enfim, que fazem os outros dizerem: "Como
ele é bem educado!"
Bigode ia de uma flor a outra,
preocupando-se com a saúde de 28 cada uma.
— Então, rosa-chá, sempre fazendo das
suas! Guarda os botões escondido para fazê-los abrir quando ninguém espera... E
você, trepadeira, está pensando que é a rainha da montanha, querendo fugir pelo
alto dos caixilhos... Veja se isso são modos!
Em seguida, virou-se para Tistu e
gritou-lhe de longe:
— Então, é para hoje ou para amanhã?
— Um pouco de paciência, professor! Só
faltam três vasos — respondeu Tistu.
Apressou-se em terminar e foi ao
encontro de Bigode, na outra ponta do jardim.
— Pronto, acabei.
— Bom, vamos ver — resmungou o
jardineiro.
Voltaram devagarinho, porque Bigode
aproveitava, ora para cumprimentar uma grande peônia pelo seu belo aspecto, ora
para encorajar uma hortênsia a se tornar mais azul... De repente, eles pararam
imóveis, boquiabertos, estupefatos, fora de si.
— Será que eu estou sonhando? — disse
Bigode, esfregando os olhos. — Você está vendo o mesmo que eu?
— Estou, Sr. Bigode.
Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos
passos, todos os vasos que Tistu enchera haviam florescido em menos de cinco
minutos!
Mas é preciso explicar: não se tratava de uma
tímida floração, hastes pálidas e hesitantes. Nada disso! Em cada vaso se
avolumavam as mais soberbas begônias. E todas formavam, alinhadas, uma espessa
sebe vermelha.
— É inacreditável! — dizia Bigode. — É
preciso pelo menos dois meses para begônias assim!
Um prodígio é um prodígio. Primeiro, a
gente o constata. Depois, procura explicá-lo. Tistu perguntou:
— Mas, se não se havia posto semente, Sr.
Bigode, de onde é que saíram estas flores?
— Mistério, mistério... — respondeu
Bigode.
Em seguida, tomou bruscamente nas suas
mãos calejadas a mãozinha de Tistu.
—
Deixe ver o polegar!
Examinou atentamente o dedo do menino, em
cima e embaixo, na sombra e na luz.
— Meu filho — disse enfim, após madura
reflexão — ocorre com você uma coisa extraordinária, surpreendente! Você tem
polegar verde...
— Verde! — exclamou Tistu muito espantado. —
Acho que é cor-de-rosa, e até que está bem sujo! Verde coisa alguma!
Olhou seu polegar, muito normal.
— É claro, é claro que você não pode ver
— replicou Bigode,.
— O
polegar verde é invisível. A coisa se passa por dentro da pele: é o que se
chama um talento oculto. Só um especialista é que descobre. Ora, eu sou um
especialista. Garanto que você tem polegar verde.
— E
para que serve isto de polegar verde?
— Ah! é uma qualidade maravilhosa —
respondeu o jardineiro. — Um verdadeiro dom do céu! Você sabe: há sementes por
toda parte. Não só no chão, mas nos telhados das casas, no parapeito das
janelas, nas calçadas das ruas, nas cercas e nos muros. Milhares e milhares de
sementes que não servem para nada. Estão ali esperando que um vento as carregue
para um jardim ou para um campo. Muitas vezes elas morrem entre duas 30 pedras,
sem ter podido transformar-se em flor. Mas, se um polegar verde encosta numa,
esteja onde estiver, a flor brota no mesmo instante. Aliás, a prova está aí,
diante de você! Seu polegar encontrou na terra sementes de begônia, e olhe o
resultado! Que inveja que eu tenho! Como seria bom para mim, jardineiro de
profissão, um polegar verde como o seu!
Tistu não pareceu muito entusiasmado
com a descoberta.
— Já vão dizer de novo que eu não sou
como todo mundo — resmungou.
— O melhor — replicou-lhe Bigode — é
não falar nada com ninguém. Que adianta despertar curiosidade ou inveja? Os
talentos ocultos, em geral, trazem aborrecimentos. Você tem o polegar verde,
está acabado. Mas guarde para você, e fique em segredo entre nós.
E no caderninho de notas, entregue
pelo Sr. Papai e que Tistu devia fazer assinar no fim de cada aula, o
jardineiro Bigode escreveu apenas:
"Este menino revela boas disposições para
a jardinagem."
ENTENDENDO O TEXTO
a) No trecho “Como descrever os bigodes de Bigode?”,
temos uma mesma palavra escrita de dois modos diferentes. Por quê?
Porque a grafia do nome próprio (Bigode) e o
bigode se refere a um substantivo, ou seja, ao vistoso bigode que o jardineiro
tem.
“Uma extraordinária floresta, cor de neve,
brotava-lhe entre o nariz e a boca.”
“...pareciam duas chamas que lhe saíssem do
nariz...”.
a) Que recinto é esse?
O recinto é a estufa, um local que absorve o
calor do sol e protege as plantas.
Compara-se aqui o jardineiro Bigode ao cabo
de uma enxada.
Foi levada em conta a característica de
Bigode: ser pouco comunicativo, assim como um cabo de enxada ou qualquer outro
objeto inanimado.
Resposta pessoal.
Macambúzio significa “tristonho,
mal-humorado”.
Ele demonstrava amor e interesse por elas,
preocupava-se com a saúde delas, animava-se com seus progressos. Seus
comentários podem ser comparados aos de responsáveis por
Crianças pequenas sobre suas travessuras.
Que opinião o menino tinha sobre sua
atividade com Bigode?
Ele gostava do trabalho e achava que a terra
tinha um cheiro bom.
5) O que significa ter um polegar verde?
Que consequências isso traria para um jardineiro?
Ter polegar verde significa ter uma ótima
capacidade para lidar com as plantas, cultivá-las, cuidar delas. Um jardineiro
com esse dom produziria linda flores, que cresceriam muito mais rápido, além de
seu cultivo dar menos trabalho.
Todos os vasos que Tistu havia enchido de
terra haviam florescido em menos de cinco minutos, e as flores eram lindas!
“Já vão dizer de novo que eu não sou como
todo mundo”.
8) O que a expressão de novo, na resposta anterior, revela?
A expressão revela que ele já havia ouvido
alguém dizer que ele não era como todo mundo.
9) No trecho “Tistu, ao realizar o
trabalho que Bigode lhe confiara teve uma agradável surpresa: esse trabalho não
lhe dava sono.” O fato de não ficar com sono, durante o trabalho solicitado por
Bigode, foi uma surpresa para o menino. O que essa surpresa indica?
Indica que, em outras situações, Tistu teria
ficado com sono, já que as atividades realizadas não lhe teriam dado prazer.
10)
Que
atitude de Bigode demonstra um profundo respeito pelo talento oculto de Tistu?
O fato de manter segredo.
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