Conto: Piratas sem piedade
Voltando das ilhas do Caribe, o pirata
francês Jean-Thomas Dulaien comandava seus dois navios, que se chamavam Sem
rumo e Sem piedade.
Na altura da linha do Equador,
desviou-se rapidamente da rota programada e veio dar nas costas do Maranhão.
-- Que sorte! – exclamou de repente. –
[...]. Não acredito no que estou vendo. Vou procurar imediatamente um bom local
para lançar âncora. Esta era a grande oportunidade que eu esperava na vida....
O que tanto encantava Dulaien era, na
verdade, uma visão macabra. A poucas milhas do litoral, mas fora do alcance da
vista de quem estivesse em terra, uma nau portuguesa, com a cruz de malta
estampada em suas velas, estava adernada a estibordo. Com certeza, tinha sido
atingida à noite por forte tempestade: seus mastros estava partidos, o velame
rasgado, o timão quebrado e, boiando no mar, nas proximidades do barco, havia
corpos de marinheiros mortos.
Tudo isso, porém, não estava
interessando a Dulaien: seus olhos brilhavam porque, do alto da gávea de seu
barco, onde estava pendurado, ele já a imaginava com o carregamento da nau:
sacos e arcas abarrotados, de moedas e lingotes de ouro, dos quais poderia se
apossar.
Tudo seria seu! Bastava chegar à nau
antes que afundasse de vez e ordenar a seus homens que, cuidadosamente, a
saqueassem.
E Dulaien estava certo. O feixe de luz
que se espalhou ao se abrirem as portas dos porões do navio fez refulgir o
ouro, que transbordava de sacos e mais sacos e se espalhava pelo chão.
– Vamos, molengas, vamos ao saque! –
gritou, animando seus homens. – O lucro é bom. Mas façam depressa, antes que
esta banheira afunde!
Muito
experientes em pilhagens, os piratas de Dulaien esvaziaram a nau em menos de
uma hora. Quando a embarcação afundou, o Sem piedade já estava cheio de ouro,
conforme as ordens do capitão.
– E agora, meus caros, vamos festejar!
Tragam para este navio toda a comida e toda a bebida que houver no Sem rumo. A
festa hoje vai ser aqui, ao lado de nossas riquezas.
– Mas é mesmo para levar tudo, capitão?
Temos suprimentos para toda a viagem de volta à França. É muita coisa, senhor.
– Não ouse contrariar minhas ordens, se
não quiser ser trancado no porão a pão e água!
Os homens fizeram o que Dulaien mandou
e, logo em seguida, os dois navios piratas rumaram para as proximidades de uma
ilha. Ao cair da noite, os festejos a bordo: mais beberam do que comeram,
fazendo tinir as moedas de ouro sobre a tosca madeira da grande mesa
improvisada no convés.
Alta hora da madrugada, Dulaien
sugeriu:
– Vamos todos para a terra! Quero que
meus homens descansem ao ar livre... [...]
Sem condições de discutir nada, os
homens saíram nos botes, remando lentamente. O capitão pirata ia à frente: ao
contrário de seus comandados, parecia sóbrio, forte, sem sono.
Duas horas depois, quando todos já
dormiam, cobertos pelas estrelas e embalados pelo vinho, um barquinho
afastou-se sorrateiramente da ilha, rumo ao Sem piedade: era Dulaien, que só,
com todo o ouro, bem escondido nos porões, fugia para a Europa. [...]
No dia seguinte, por volta do meio-dia,
ao acordar, os marinheiros não tiveram outra opção.
Voltaram ao Sem rumo e procuraram o
porto brasileiro mais próximo. Para não morrer de fome e para poder voltar à
Europa, tentaram saquear a cidade, mas foram presos imediatamente e
trancafiados na mais subterrânea e escura masmorra.
E é bem provável que tenham morrido lá,
pois quem iria salvá-los?
Suely Mendes Brazão.
Contos de piratas, corsários e bandidos. São Paulo: Ática, 1992.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 29-32.
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Adernado: inclinado, tombado.
·
Convés: piso ou pavimento de um navio, especialmente aquele em céu
aberto.
·
Cruz
de malta: símbolo do cristianismo,
utilizado em navios portugueses.
·
Estibordo: lado direito de uma embarcação.
·
Gávea: plataforma semelhante a um cesto entalada no alto do mastro.
·
Lingote: metal fundido em forma de barra.
·
Macabro: relativo à morte; sinistro.
·
Masmorra: prisão.
·
Nau: navio de grande porte.
·
Pilhagem: roubo praticado por um grupo de pessoas.
·
Refulgir: brilhar com intensidade.
·
Saquear: roubar, apossar-se com violência.
·
Suprimento: mantimento, estoque de alimentos.
·
Timão: volante com que se manobra a embarcação.
·
Tosco: rústico, grosseiro.
·
Velame:
conjunto das velas de uma embarcação.
02 – Piratas eram
aventureiros que navegavam pelos mares para atacar navios e roubar suas cargas.
Os nomes dos dois navios fazem referência ao modo de viver e de agir dos
piratas? Justifique.
Sim. Sem rumo
indica que os piratas, procurando navios para atacar, viajavam sem destino
certo. Sem piedade indica o modo cruel como eles agiam: matavam as pessoas,
punham fogo nos navios, etc.
03 – O que havia acontecido
com o navio português que os piratas encontraram?
Ele havia sido
destruído por uma tempestade e as pessoas que estavam nele haviam se afogado.
04 – Releia a primeira fala
do capitão dos piratas.
a)
O que Dulaien quer dizer com “o diabo me
ajudou”?
Ele quer dizer que o diabo é que tinha provocado o naufrágio. O fato
de o navio estar destruído facilitaria o trabalho dos piratas de roubar o que
havia nele.
b)
Quando encontrou o navio português, Dulaien
já era um pirata realizado em sua profissão? Justifique, baseando-se na fala do
próprio pirata.
Não. Ele afirma: “Esta era a grande
oportunidade que eu esperava na vida...”,
o que permite concluir que ele ainda não havia tido a oportunidade de saquear
um navio com tantas riquezas.
05 – O que o chefe dos
piratas pretendeu:
a)
Quando ordenou que toda comida fosse levada
para o Sem piedade?
Ele quis deixar o Sem rumo sem nada para os outros piratas comerem.
Assim, eles não poderiam perseguir o Sem piedade até a Europa. Se tentassem,
morreriam de fome.
b)
Com a festa?
A festa serviu para Dulaien embebedar os piratas. Se eles não
estivessem bêbados, talvez desconfiassem dos planos dele e não aceitariam ir
para a ilha.
c)
Quando propôs aos piratas que todos fossem
para a ilha?
Ele fez isso para que os piratas, já bêbados, dormissem na ilha e
ele pudesse fugir sozinho.
06 – Resuma o que aconteceu
com os piratas assim que eles acordaram.
Eles voltaram ao
Sem rumo e, como não tinham comida, procuraram um porto brasileiro e atacaram a
cidade. Foram presos e provavelmente morreram na prisão.
07 – Responda.
a)
O que você achou do plano de Dulaien?
Resposta pessoal do aluno.
b)
Se você fosse um dos piratas, como se
sentiria ao perceber o que Dulaien havia feito?
Resposta pessoal do aluno.
08 – O texto que estudamos é
uma narrativa de aventura. Você acha que os fatos narrados são apenas uma
história de ficção (isto é, uma história inventada) ou podem ter acontecido no
mundo real?
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: No texto não tem nenhuma indicação de que se trata de um
texto impossível de ter acontecido na realidade.
Muito bom,ajudou bastante.
ResponderExcluirMuitíssimo obrigada 😃
Curiosamente, recordei-me deste texto dos tempos de minha infância/adolescência. Procurei encontrar o livro "Entre Palavras" na internet, mas claro que só existem versões físicas antigas, nada tão acessível a curto prazo. Foi então que achei justamente a história que eu procurava neste blog.
ResponderExcluirAgradeço por disponibilizá-la aqui e me permitir a nostalgia de reviver uma infância onde eu realmente amava português. Voltar a essa antiga história, ainda que curta, me fez lembrar do antigo sentimento pela matéria e obter um novo ânimo para voltar aos estudos de gramática para um certo concurso que desejo passar.
Doces palavras. Estarei vibrando boas energias pra você passar no concurso. Gratidão.
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