CRÔNICA: CHEGOU O OUTONO
Rubem Braga
Eu havia tomado o
bonde na Praça José de Alencar; e quando entramos na Rua Marquês de Abrantes,
rumo de Botafogo, o outono invadiu o reboque. Invadiu e bateu no lado esquerdo
de minha cara sob a forma de uma folha seca. Atrás dessa folha veio um vento, e
era o vento do outono. Muitos passageiros do bonde suavam.
No Rio de Janeiro faz
tanto calor que depois que acaba o calor a população continua a suar
gratuitamente e por força do hábito durante quatro ou cinco semanas ainda.
Percebi com uma rapidez espantosa que o
outono havia chegado. Mas eu não tinha relógio, nem Miguel. Tentei espiar as
horas no interior de um botequim, nada conseguindo. Olhei para o lado. Ao lado
estava um homem decentemente vestido, com cara de possuidor de relógio.
– O senhor pode ter a gentileza de me dar as
horas?
Ele espantou-se um pouco e, embora sem nenhum
ar gentil, me deu as horas: 13:48. Agradeci e murmurei: chegou o outono.
Chegara o outono. Vinha talvez do mar e,
passando pelo nosso reboque, dirigia-se apressadamente ao centro da cidade,
ainda ocupado pelo verão.
As folhas secas davam pulinhos ao longo da
sarjeta; e o vento era quase frio, quase morno, na Rua Marquês de Abrantes. E
as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava, e o bonde roncava.
[...] Era iminente a entrada em Botafogo;
penso que o resto da viagem não interessa ao público. [...] O necessário é que
todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13:48 horas, na Rua Marquês de
Abrantes, e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos.
BRAGA, Rubem. 200 crônicas escolhidas. Rio de
Janeiro: Record, 2004.
VOCABULÁRIO:
folhinha – expressão popularmente usada para se
referir ao calendário impresso, com meses e dias de um ano. Pode-se dizer que
se trata de uma “expressão de antigamente”, uma vez que, atualmente, quase não
é usada para se referir a calendário.
ESTUDO DO TEXTO
1) O gênero do texto é:
a) Editorial
b) Artigo de opinião
c) Reportagem
d) Crônica
2) O trecho que expressa uma opinião do
narrador é:
a) “Muitos passageiros do bonde suavam”. – 2º
parágrafo.
b) “...penso que o resto da viagem
não interessa ao público.” – último parágrafo.
c) “Sei que estava com Miguel em um reboque do
bonde Praia Vermelha”. – 1º parágrafo
d) “Tentei espiar as horas no interior de um
botequim, nada conseguindo”. – 4º parágrafo.
3) No 1º parágrafo, o termo que expressa a dúvida
do narrador sobre o dia em que se passou o fato narrado é
(A) “Não”.
(B) “exatamente”.
(C) “neste”.
(D) “Antes”.
(E) “Talvez”.
4) No
3º parágrafo, a palavra “gratuitamente” foi usada com o sentido de
(A) sem motivo.
(B) por gratidão.
(C) com espanto.
(D) de brincadeira.
(E) de graça, sem valor.
5) Pela
leitura da crônica e observando trechos como “E as folhas eram amarelas, e meu
coração soluçava, e o bonde roncava.”, no penúltimo parágrafo, e “Em vista do
que, ponhamo-nos melancólicos.”, no final da crônica, percebemos que uma
característica marcante do narrador é ser
(A) apressado e
inquieto.
(B) desatento e
desligado.
(C) irritadiço e
impaciente.
(D) sentimental e
desligado.
(E)
sentimental e emotivo.
6) O trecho do texto que contém uma
personificação, ou seja, o recurso de atribuir a objetos ou a seres não humanos
ações ou emoções que são próprias dos seres humanos, é
(A) “... dia em que o
outono começou no Rio de Janeiro...” – 1° parágrafo
(B) “No Rio de
Janeiro faz tanto calor (...).” – 3º parágrafo
(C) “... um homem
decentemente vestido (...).” – 4º parágrafo
(D) “As
folhas secas davam pulinhos ao longo da sarjeta (...).” – penúltimo parágrafo
(E) “Em vista do que,
ponhamo-nos melancólicos.” – final da crônica
7) O narrador afirma
que “ponhamo-nos melancólicos” porque
(A) ele se vê triste
diante das pessoas que estão viajando no bonde.
(B) o frio do outono
o entristece porque não há mais o calor típico do verão carioca.
(C) a folha
que caiu e o frio que soprou em seu rosto o deixou saudoso de outras épocas.
(D) o homem bem
vestido com cara de possuidor de relógio o maltratou dentro do bonde.
(E) o frio o deixa
doente e saudoso por causa dos maus tratos do homem bem vestido.
8) O narrador afirma que o calor do Rio de
Janeiro frequentemente
(A)
sobrevive mesmo depois da folhinha marcar o início do outono.
(B) acaba sempre às 13:48 horas de 12 de
março.
(C) traz muito suor
ao rosto das pessoas.
(D) vem através das
horas no interior de um botequim.
(E) dirigia-se
apressadamente ao centro da cidade.
9) O narrador afirma
que “E as folhas eram amarelas, e meu coração soluçava...” o termo destacado
expressa a ideia de
(A) alegria.
(B) perplexidade.
(C) tristeza.
(D) resignação.
(E) reflexão.
10) O fato do cotidiano que levou o cronista a
escrever esse texto foi
(A) o homem ter-lhe
dito as horas de má vontade no bonde.
(B) ele estar no
bonde acompanhado de seu amigo Miguel.
(C) o bonde estar
passando pela Rua Marques de Abrantes.
(D) o narrador sentir
um frio inesperado durante seu trajeto no bonde.
(E) o
outono estar chegando à cidade do Rio de Janeiro antes do previsto.
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