terça-feira, 29 de setembro de 2020

CONTO: A PISCINA DO TIO VICTOR - ONDJAKI - COM GABARITO

 Conto: A piscina do tio Víctor

            Ondjaki

     Para o tio Víctor que nos dava prendas-do-dia. Para a "Buraquinhos"

  Quando o tio Víctor chegava de Benguela, as crianças até ficavam com vontade de fugar à escola só para ir lhe buscar no aeroporto dos voos das províncias. A maka é que ele chegava sempre a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas.

        Então era em casa, à hora do almoço, que encontrávamos o tio Víctor. E o sorriso dele, gargalhada tipo cascata e trovão também, nem dá para explicar aqui em palavras escritas. Só visto mesmo, só uma gargalhada dele já dava para nós começarmos a rir à toa, alegres, enquanto ele iniciava umas magias benguelenses.

        -- Isto vocês de Luanda nunca viram - abria a mala onde tinha rebuçados, chocolates ou outras prendas de encantar crianças, mais o baralho de cartas para magias de aparecer e desaparecer o ás de ouros, também umas camisas posteradas que nós, "os de Luanda", não aguentávamos.

        À noite deixávamos ele jantar e beber o chá que ele gostava sempre depois das refeições. Devagarinho, eu e os primos, e até alguns amigos da rua, sentávamos na varanda à espera do tio Víctor. É que o tio Víctor tinha umas estórias de Benguela que, é verdade, nós os de Luanda até não lhe aguentávamos naquela imaginação de teatro falado, com escuridão e alguns mosquitos tipo convidados extra.

        Eu já tinha dito ao Bruno, ao Tibas e ao Jika, cambas da minha rua, que aquele meu tio então era muito forte nas estórias. Mas o principal, embora ninguém tivesse nunca visto só uma foto de admirar, era a piscina que ele disse que havia em Benguela, na casa dele:

        -- Vocês de Luanda não aguentam, andam aqui a beber sumo Tang!

        Ele ria a gargalhada dele, nós ríamos com ele, como se estivessem mil cócegas espalhadas no ar quente da noite.

        -- Nós lá temos uma piscina enorme – fazia uma pausa dos filmes, nós de boca aberta a imaginar a tal piscina. – Ainda por cima, não é água que pomos lá – eu a olhar para o Tibas, depois para o Jika:

        -- Não vos disse?

        O tio Víctor continuou assim numa fala fantasmagórica:

        -- Vocês aqui da equipa do Tang não aguentam..., a nossa piscina lá é toda cheia de Coca-Cola!

        Aí foi o nosso espanto geral: dos olhos dos outros, eu vi, saía um brilho tipo fósforo quase a acender a escuridão da varanda e assustar os mosquitos, nós, as crianças, de boca aberta numa viagem de língua salivada, outros a começarem a rir de espanto, de repente todos gargalhámos, o tio Víctor também, e rebentámos numa salva de palmas que até a minha mãe veio ver o que se estava a passar.

        Agora já ninguém me perguntava nada, falavam diretamente com o tio Víctor, queriam mais pormenores da piscina e ainda saber se podiam ir lhe visitar um dia destes.

        -- Vai todo mundo – o tio Víctor riu, olhou para mim, piscou-me o olho. – Vem um avião buscar a malta de Luanda! Preparem a roupa, vão todos mergulhar na piscina de Coca-Cola, nós lá não bebemos desse vosso sumo Tang...

        -- Ó Víctor, para lá de contar essas coisas às crianças – a minha mãe chegou à varanda. Ele piscou-lhe o olho e continuou ainda mais entusiasmado.

        -- Não tem maka nenhuma, pode ir toda malta da rua, temos lá em Benguela a piscina de Coca-Cola! Os cantos da piscina são feitos de chuinga e chocolate!

        Nós batemos palmas de novo, depois estreámos um silêncio de espanto naquelas quantidades de doce.

        -- A prancha de saltar é de chupa-chupa de morango, no chuveiro sai Fanta de laranja, carrega-se num botão ainda sai Sprite... – ele olhava a minha mãe, olhos doces apertados pelas bochechas de tanto riso, batemos palmas e fomos saindo.

        Quando entrei de novo em casa, fui lá para cima dizer boa noite a todos. Passei no quarto do tio Víctor, ele tinha só uma luz do candeeiro acesa.

        -- Tio, um dia podemos mesmo ir na tua piscina de Coca-Cola?

        Ele fez assim com o dedo na boca, para eu fazer um pouco-barulho.

        -- Nem sabes do máximo... No avião que vos vem buscar, as refeições são todas de chocolate com umas palhinhas que dão voltas tipo montanha-russa!, lá em Benguela há rebuçados nas ruas, é só apanhar! e ficou a rir mesmo depois de apagar a luz, até hoje fico a perguntar onde é que o tio Víctor de Benguela ia buscar tantas gargalhadas para rir assim sem medo de gastar o reservatório do riso dele.

        Fui me deitar, antes que a minha mãe me apanhasse a conversar àquela hora. No meu quarto escuro quis ver, no teto, uma água que brilhava escura e tinha bolinhas de gás que faziam cócegas no corpo todo. Nessa noite eu pensei que o tio Víctor só podia ser uma pessoa tão alegre e cheia de tantas magias porque ele vivia em Benguela, e lá eles tinham uma piscina de Coca-Cola com bué de chuínga e chocolate também. Vi, também no teto, o jeito dele estremecer o corpo e esticar os olhos em lágrimas de tanto rir.

        Foi bonito: adormeci, em Luanda, a sonhar a noite toda com a província de Benguela.

                                                                            Tribuna de Minas, 11 mar. 2016. Disponível em: www.tribunademinas.com.br/noticias/cidade/11-03-2016/temporal-alaga-diferentes-pontos-da-cidade.html.

Acesso em: 14 jul. 2018.

Entendendo o conto:

01 – Releia o trecho a seguir:

        “Eu já tinha dito ao Bruno, ao Tibas e ao Jika, cambas da minha rua, que aquele meu tio então era muito forte nas estórias.”.

a)   A palavra cambas se refere a quem?

Refere-se a Bruno, Tibas e Jika.

b)   Com base no contexto da frase, qual é o significado da palavra?

Cambas significa “amigos, colegas, camaradas”.

c)   O que significa dizer que o tio “era muito forte nas estórias”?

Significa que o tio contava bem histórias, que sabia muitas histórias e as contava de modo interessante.

d)   Quais são as personagens do conto citadas ou presentes nessa passagem?

O tio Victor, os meninos da turma e o narrador, que é um dos meninos.

02 – Marque a alternativa que apresenta o sinônimo da expressão destacada no trecho. “A maka é que ele chegava sempre a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas.”

a)   A solução.

b)   O problema.

c)   A alternativa.

d)   O melhor.

03 – Em: I, a seguir, há um trecho do conto lido e, em: II, uma notícia publicada em um jornal brasileiro. Observe as palavras destacadas e compare seus usos.

I – “-- Vocês aqui da equipa do Tang não aguentam..., a nossa piscina lá é toda cheia de Coca-Cola!”.

II – “[...] O espaço é completamente inadequado para nos receber, pois não tem estrutura para aguentar uma chuva um pouco mais forte. Estamos esperando a reforma da nossa sede para podermos estudar tranquilamente”, afirmou uma estudante, que preferiu não se identificar”.

a)   Em II, sobre o que é o depoimento da estudante?

Sobre as consequências da chuva em sua escola.

b)   No português do Brasil, qual é o sentido de aguentar?

Suportar.

c)   No conto de Onjaki, qual é o sentido de aguentar? Se precisar, consulte o dicionário.

Imaginar.

04 – O conto é uma narrativa que se desenvolve a partir da chegada de uma personagem importante.

a)   De onde vinha tio Victor? Os sobrinhos costumavam visita-lo? Como se pode saber disso?

Vinha de Benguela. Os sobrinhos não o visitavam. Eles ficavam sempre fascinados com a descrição fantasiosa do tio Victor e, como não conheciam Benguela, acreditavam nas histórias.

b)   Em que cidade se passa a narrativa?

Em Luanda, capital de Angola.

c)   Releia o primeiro parágrafo. Os verbos chegava, ficavam e deixava localizam as ações em que tempo? Por que é usado esse tempo verbal?

No passado, no pretérito imperfeito. É usado para localizar a história no tempo, fazendo a descrição de ações habituais no passado.

05 – Como você caracterizaria o tio Victor?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Tio Victor parece ser alegre, divertido, criativo, cheio de imaginação, bom contador de histórias.

06 – Foco narrativo é o modo como a narrativa é contada. Identifique-o respondendo aos itens a seguir.

a)   O narrador observa a história ou também faz parte dela? Quem é ele?

O narrador faz parte da história; ele é um dos meninos que ouvem as narrativas do tio. Era na casa do menino que o tio se hospedava quando vinha a Luanda.

b)   Em que pessoa do discurso ele narra? Justifique sua resposta transcrevendo do texto duas passagens que a comprovem.

Em 1ª pessoa. Exemplos: “A Maka é que ele chegava sempre a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas”; “Então era uma casa, à hora do almoço, que encontrávamos o tio Victor”.

07 – Que história contada pelo tio deixa os meninos espantados?

      A história da piscina de Coca-Cola.

08 – Que imagem as crianças fazem do tio Victor?

      As crianças admiram o tio, ele é um ídolo que vive em um lugar cheio de diversões e fantasias.

09 – E qual é a ideia que o tio Victor tem dos meninos, ao descrever a casa dele com piscina de Coca-Cola, chuveiro de Fanta e outras fantasias?

      Ele vê nos meninos ingenuidade, considera que são cheios de imaginação e têm gosto pelas coisas simples e divertidas, além de apreciarem guloseimas.

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