Crônica: A RUA
João do Rio – fragmento
Eu amo a rua. Esse sentimento de
natureza toda íntima não vos seria revelado por mim se não julgasse, e razões
não tivesse para julgar, que este amor assim absoluto e assim exagerado é partilhado
por todos vós. Nós somos irmãos, nós nos sentimos parecidos e iguais; nas
cidades, nas aldeias, nos povoados, [...] porque nos une, nivela e agremia o
amor da rua. É este mesmo o sentimento imperturbável e indissolúvel, o único
que, como a própria vida, resiste às idades e às épocas. Tudo se transforma,
tudo varia – o amor, o ódio, o egoísmo. Os séculos passam, deslizam, levando as
coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das
gerações cada vez maior, o amor da rua. [...]
A rua! Que é a rua?
A verdade e o trocadilho! Os dicionários
dizem: "Rua, do latim ruga, sulco. Espaço entre as casas e as povoações
por onde se anda e passeia". A rua era para eles apenas um alinhado de
fachadas por onde se anda nas povoações.
Ora, a rua é mais do que isso, a rua é um
fator da vida das cidades, a rua tem alma!
A rua faz as celebridades e as revoltas, a
rua criou um tipo universal, tipo que vive em cada aspecto urbano, em cada
detalhe, em cada praça – a rua criou o garoto!
Oh! sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas,
ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas,
puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a
evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas...
Balzac* dizia que as ruas de Paris nos
dão impressões humanas. São assim as ruas de todas as cidades, com vida e
destinos iguais aos do homem.
JOÃO DO RIO. A alma
encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Entendendo a crônica:
01 – Que revelação o
cronista faz para iniciar sua crônica?
Ele revela seu
amor pela rua.
02 – Após sua revelação, o
cronista expressa a opinião de que se trata de um sentimento muito pessoal. Que
expressão ele usa para qualificar seu sentimento dessa maneira?
Que é um
sentimento de natureza toda íntima.
03 – Como o cronista
expressa aos leitores sua opinião de que se trata de um sentimento que é também
de todos os leitores a que se dirige?
Expressa que este
amor assim absoluto e exagerado é partilhado por todos vós, pois somos irmãos.
04 – Na opinião do cronista
o que iguala, irmana e une todos os habitantes de um local?
O amor da rua.
05 – Que vocábulo é
utilizado, no final do parágrafo, para se referir ao sentimento de amor pela
rua e da rua como algo atemporal e um bem que é passado como herança de geração
a geração?
Legado.
06 – Que expressão o
cronista utiliza para:
a) referir-se a seus
leitores? Vós.
b) irmanar-se aos leitores? Nós.
07 – “A rua! Que é a rua?” Pelo modo como inicia a segunda parte, que
intenção do narrador pode ser percebida, em relação ao assunto da crônica?
Usando a exclamação demonstra emoção e
entusiasmo, e depois faz uma pergunta.
08 – A que trocadilho o
cronista se refere e que verdade estabelece, a partir do trocadilho?
O trocadilho
seria Rua no sentido denotativo (dicionário) e ele estabelece o significado no
sentido conotativo quando diz que a rua tem alma.
09 – Que função tem as aspas
(abrindo e fechando), em trecho do 3.º parágrafo?
As aspas foram usadas para destacar o
significado retirado do dicionário.
10 – Em: “A rua era para eles apenas um alinhado de
fachadas...”, a que se refere o vocábulo em destaque?
Se refere ao sentido literal de uma rua.
11 – Observe os elementos
destacados nos trechos abaixo. Faça a correspondência, de acordo com a relação
de circunstância que cada elemento estabelece:
(1) “Espaço entre as casas e
as povoações por onde se anda e passeia” (3.º parágrafo).
(2) “Ora, a rua é mais do
que isso ...” (4.º parágrafo).
(3) “...ruas tão velhas que
bastam para contar a evolução de uma cidade inteira...” (6.º parágrafo)
(2) comparativa.
(3) causa e consequência.
(1) aditiva.
12 – Observe que, a partir
do trocadilho, o cronista passa a usar o recurso da PERSONIFICAÇÃO e, dessa
forma, passa a humanizar a rua. Transcreva dessa parte da crônica o primeiro
trecho que indica a personificação:
“... a rua tem alma!”.
13 – Pode-se dizer que, na
opinião do cronista, o homem faz a rua e a rua faz o homem? Justifique sua resposta
com um trecho da crônica.
Sim. “Há ruas
honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas,
depravadas, puras, infames...”.
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