CRÔNICA: PEDRO, O HOMEM DA FLOR...
Stanislaw Ponte PretaQuando anoitece, Pedro pega a sua clássica cestinha,
enche de flores, cujas hastes teve o cuidado de enrolar em papel prateado, e
sai do barraco rumo à Copacabana, onde fica até alta madrugada, entrando nos
bares - em todos os bares, porque Pedro conhece todos - vendendo rosas.
Quando a cesta fica vazia, Pedro conta a féria e vai comer qualquer coisa no
botequim mais próximo. Depois volta para casa como qualquer funcionário público
que tivesse cumprido zelosamente sua tarefa, na repartição a que serve.
Conversei uma vez com Pedro - o homem da flor. Já o vinha observando quando era
o caso de estar num bar em que ele entrava. Vira-o chegar e dirigir-se às mesas
em que havia um casal. Pedia licença e estendia a cesta sobre a mesa.
Psicologia aplicada, dirão vocês, pois qual homem que se nega a oferecer flor à
moça que o acompanha, quando se lhe apresenta a oportunidade? Sim, talvez Pedro
seja um bom psicólogo mas, mais que isso, é um romântico. Quando o homem mete a
mão no bolso e pergunta quanto custa a flor, depois de ofertá-la à companheira,
Pedro responde com um sorriso:
- Dá o que o senhor quiser, moço. Flor não tem preço.
Como eu ia dizendo, conversei uma vez com Pedro e, desse dia em diante, temos
conversado muitas vezes. Ele sabe de coisas. Sabe, por exemplo, Que a rosa
branca encanta as mulheres morenas, enquanto as louras, invariavelmente,
preferem rosas vermelhas. Fiel às suas observações, é incapaz de oferecer rosas
brancas às mulheres louras, ou vice versa. Se entra num bar e as flores de sua
cesta são todas de uma só cor, não coincidindo com o gosto comum às mulheres
presentes, nem chega a oferecer sua mercadoria. Vira as costas e sai em demanda
de outro bar, onde estejam mulheres louras, ou morenas, se for o caso.
O pequeno buquê de violetas - quando as há - é carinhosamente arrumado pelas
suas mãos grossas de operário, assim como também as hastes prateadas das rosas.
Saibam todos os que se fizeram fregueses de Pedro - o homem da flor - que aquele
papel prateado artisticamente preso na haste das rosas e que tanto encantava as
moças foi antes um comum papel de maços de cigarros vazios, que o próprio Pedro
recolheu por aí, nas suas andanças pela madrugada.
Sei que Pedro ama sua profissão, tira dela o seu sustento, mas acima de tudo
esforça-se por dignificá-la. Não vê que seria um mero mercador de flores!
Lembro-me da vez em que, entrando pelo escuro do bar, trouxe nas mãos a última
rosa branca para a moça morena que bebia calada entre dois homens. Quando os
três levantaram a cabeça ante a sua presença, pudemos notar - eu, ele e as
demais pessoas presentes - que a moça era linda, de uma beleza comovente,
suave, mas impressionante.
Pedro estendeu-lhe a rosa sem dizer uma palavra e, quando um dos rapazes quis
pagar-lhe, respondeu que absolutamente era nada. Dava-se por muito feliz por
Ter tido a oportunidade de oferecer aquela flor à moça que lá estava. E sem
ousar olhar novamente pra ela, e disse:
- Mais flores eu daria se mais flores eu tivesse!
Assim é Pedro - o homem da flor.
Discreto, sorridente e amável, mesmo na sua pobreza. Vende flores quase sempre
e oferece flores quando se emociona. Foi o que aconteceu na noite em que, mal
chegado à Copacabana, viu o povo que rodeava o corpo do homem morto, vítima de
um mal súbito. Só depois que soube que Pedro o conhecia do tempo em que era
porteiro de um bar no Lido. Na hora não. Na hora ninguém compreendeu, embora
todos se comovessem com seu gesto, ali abaixado a colocar todas as suas flores
sobre as mãos do homem morto. Pois foi o que Pedro fez, voltando em seguida
para a sua favela do Esqueleto.
Naquela noite, não trabalhou.
ENTENDENDO A CRÔNICA
1) A personagem
Pedro vendia flores em
a) Bares de Copacabana.
b) Favelas
no Esqueleto.
c) Portarias
no Lido.
d) Repartições
públicas.
2) No
segundo parágrafo, o narrador relata o sucesso da venda de flores quando Pedro
a) Enrola
as hastes em papel prateado.
b) Enrola
as hastes das flores e sai.
c) Entra
nos bares e fica até de madrugada na rua.
d) Conta o dinheiro e vai comer.
3) O
fato que origina a crônica é a observação do narrador sobre
a) O comportamento do vendedor.
b) A disposição
das mesas do bar.
c) O mistério
das mulheres.
d) A organização
das flores no cesto.
4) O
narrador apresenta a fala do personagem na seguinte passagem.
a) “Conversei
uma vez com Pedro – o homem da flor.”
b) “Sim,
talvez seja um bom psicólogo”.
c) “Mais flores daria se mais flores tivesse”.
d) “Assim
é Pedro – o homem da flor”.
5) Do
trecho “Naquela noite não trabalhou”, pode-se deduzir que a personagem
a) Deixara
todas as suas flores no chão.
b) Era uma
pessoa cheia de amargura.
c) Estava
cansado de vender flores.
d) Ficara triste com a morte do colega.
6) O
narrador conta a trajetória profissional de seu personagem com
a) Hostilidade
e arrogância.
b) Tristeza
e arrependimento.
c) Espanto e simpatia.
d) Ironia
e desprezo.
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