sexta-feira, 11 de setembro de 2020

TEXTO: VIAGEM AO TERRITÓRIO ESPINHOSO DOS EXCLUÍDOS - MARILENE FELINTO - FOLHATEEN - COM GABARITO

 Texto: Viagem ao território espinhoso dos excluídos

            Marilene Felinto

        Não tem “errada” não. No sertão não tem frescura, não tem estágios, mal tem infância, quanto mais adolescência. Aos 14 anos, a pessoa olha para um lado, olha para outro, não há perspectiva, tudo é visto na dimensão única da superfície da caatinga plana. Tudo é seco, tudo é espinho, tudo é nada.

        Fazer o quê? No sertão não tem teste vocacional, não tem profissão, porque mal tem escola. O cara se faz homem no lombo do jegue, sem sela. A vida é na roça plantando milho, limpando arroz. É na criação tangendo gado, bode e cabra.

        Lá não tem meio-termo. Só tem sim e não, inverno e verão. O sertão fica lá para detrás daquele morros, nos buracos do Brasil. No sertão, o céu não é perto como parece daqui. O sertão está mais par as bandas do inferno, sim, senhor.

        O sertão é para conhecer, ir ver. Saber como vive a juventude do interior, de lá de dentro de um Brasil que nem aparece em jornal, nem nunca viu um. São Elcioneide, Juciela, Laiane, Marconi, Mardoni, Cleneildes, Carleusa, Clésio, Maria da Cruz, Antonia Ricarda, Francisco Salustiano e outra gente de outros nomes diferentes.

        A Folha foi, percorreu de carro 1.200 km pelo interior do Piauí e do Ceará. A viagem é uma aventura típica de rali – as rodovias do Piauí, as BRs brasileiras são de envergonhar.

        O suposto asfalto delas é pior do que a pedra e a terra das estradas e trilhas que cortam a caatinga.

        Por ali, nas fronteiras da Serra dos Cariris Velhos, vivem jovens, entre 12 e 22 anos, na pobreza bárbara da falta d’água, na escuridão do analfabetismo, do semi-analfabetismo e da falta de luz elétrica.

        Vivem da chama do fogo a lenha, alimentando sonhos curtos de conseguir um emprego de secretária, telefonista, mascate.

        Os meninos saem, migram, deixam para trás as casas de taipa cobertas de palha, ainda vão “tentar a vida em São Paulo”. Para eles, o sertão é sem chance.

        Os que ficam, como Agildo, 18, formado no 2° grau, ou José Ivanildo, 19, que só estudou até a 3ª série, ficam de noite vendo a vida passar na praça de Pimenteiras (PI).

        Agildo e Ivanildo nem mesmo se alistaram no exército. “Para quê? Aqui não tem emprego, a gente não precisa de documento”.

        Para quê? Para vestir qual farda, em defesa de qual Pátria? Os sonhos são curtos, e as distâncias ainda são medidas em léguas. Cleidir, 13, pedala 40 minutos sob o sol do meio-dia par ir à escola em São Félix do Piauí.

        Para quê? Juciela, 17, da cidade de Monsenhor Hipólito (PI), analfabeta, é mãe solteira de Laiane, 1 ano.

        Sustenta a filha ganhando R$ 40,00 por mês na casa de farinha, “raspando mandioca, lavando a massa e a goma”.

        Computador? Universidade? Não. Cacimba. Açude. O sertão quase que não existe.

          Os modernos – A moto desbanca o jegue

        A modernidade chegou ao sertão pelas duas rodas da moto, meio de transporte tão robusto e resistente quanto o ancestral jegue nas trilhas de terra e pedra da caatinga.

        A moto é uma verdadeira febre entre os jovens sertanejos de alguma posse. É o caso de Nalva, 15, filha adotiva de um fazendeiro de São Julião (PI), de quem ganhou sua Honda.

        Nalva aprendeu a dirigir moto com o vaqueiro da fazenda. Ela e suas amigas Cleneildes, 17, e Maria Joselita, 18, são o que há de mais avançado por aquelas paragens.

        Estão menos atrasadas na escola do que todos os outros jovens com quem a reportagem conversou. Nalva está na 6ª, Cleneildes, na 7ª, e Joselita, na 8ª série.

        De vez em quando, elas leem jornal – o “Diário do Povo”, da cidade de Picos – e revistas como “Veja” e “Contigo”.

        Nunca entraram em um cinema, que Nalva apenas imagina o que seja: “Um salão grande, com um televisor enorme lá na frente e lugar do pessoal sentar, para ir assistir filme com o namorado, e gente vendendo coisas para comer”.

        Namoram e são virgens. Têm mais medo do que vontade de transar, “porque dizem que dói”.

        Depois do 2° grau, querem ser bancárias ou secretárias. O passatempo predileto é jogar futebol. Nos fins de semana, vão a bares com música “brega” ao vivo, onde canta Bartô Galeno e tocam bandas de forró como Choque e Capital do Sol. (MF).

          Professora tem 14 anos

        Reprodução de exercícios passados pela professora.

                              Respostas de Maria Luzinete, 10 anos.

        “Dê que o Piauí foi colonizado?

        Através da fazenda de gado.

        Qual era os acontecimentos principal dos moradores?

        Religioso como missa, novenas, casamento.

        Qual foi a primeira capela do Piauí?

        A primeira capela do Piauí foi de Nossa Senhora da Vitória.

        E onde foi construída?

        Nas terra da fazendas Cabrobó.

        Qual foi o primeiro governador da capitania?

        João Pereira Calda”.

        Maria da Cruz, 14, é a única professora do povoado de Tucuns, distrito de São Félix do Piauí. Ela ensina aos alunos o pouco que sabe. A lição que escrevia na lousa tinha erros de todo tipo (leia acima). Ela precisa do emprego para ajudar a família. Seu pai vem todo ano para o interior de São Paulo, cortar cana como boia-fria.

        Folha – Você é formada?

        Maria da Cruz – Só estudei até a 4ª série. Queria até continuar com o meu estudo, mas como os pais desses meninos (os alunos) estavam muito aperreados, não queriam que perdessem o ano, em vim.

        Folha – Você pensa em continuar os estudos?

        Maria da Cruz – Ah, eu penso em me formar em alguma coisa. Tenho essa fé que eu consigo.

        Folha – Qual o seu salário?

        Maria da Cruz – Eu não tenho salário, por causa que eu sou de menor e o meu grau de estudo é muito pouco. Eu ganho R$ 35.

        Folha – Por mês?

        Maria da Cruz – É, por mês.

        Folha – Você gosta de das aula?

        Maria da Cruz – Gosto. Não é muito ruim, não.

        Folha – Você namora, sabe o que é fazer sexo?

        Maria da Cruz – Eu, não. Não sei, não. Não entendo sexo.

        Folha – Nem suas amigas sabem??

        Maria da Cruz – Possa que entendam, mas só que elas nunca me explicaram. Essas coisas eu não imagino com que fosse nada. (MF).

                                      Folha de S. Paulo, 15 set. 1997. Folhateen.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 119/23.

Entendendo o texto:

01 – Identifique o significado das expressões em destaque.

a)   “Não tem errada não”.

Problema, dúvida.

b)   “Para eles, o sertão é sem chance”.

Algo em que nem se quer pensar, fora de cogitação.

02 – As expressões destacadas no exercício anterior são gírias muito comuns entre adolescentes da classe média. A reportagem de Marilene Felinto foi apresentada em um caderno da Folha de S. Paulo dedicado a leitores adolescentes. Qual o efeito produzido sobre o leitor pelo uso dessas expressões?

      As expressões aproximam aluno e texto.

03 – Nos dois primeiros parágrafos, são comparadas a vida de um adolescente da classe média e a vida de um adolescente que vive no sertão. Considerando o público a que se destina o jornal em que o texto foi publicado, responda:

a)   Que efeito essa comparação poderia surtir sobre o leitor?

A comparação permite que o leitor do jornal reconhecer a existência de adolescentes que não vivem experiências semelhantes às suas.

b)   Que efeito essa comparação surte sobre você?

Resposta pessoal do aluno.

04 – “No sertão, o céu não é perto como parece daqui. O sertão está mais para as bandas do inferno, sim senhor”.

a)   Considerando o jornal em que foi publicado o texto, identifique a que lugar se refere o pronome daqui.

Refere-se à cidade de São Paulo.

b)   As palavras céu e inferno são usadas no texto em sentido conotativo. A que espécie de céu a autora se refere?

O céu seria realização profissional e pessoal, “sucesso na vida”.

c)   De acordo com o texto, por que no sertão “o céu não é perto como parece daqui”?

Porque o sertão não há perspectiva, não há possibilidade de o adolescente crescer e conquistar uma vida melhor.

d)   Por que o sertão estaria mais para as bandas do inferno?

Porque é quente, árido e é uma região em que há muito sofrimento, como o texto comprova.

05 – “O sertão é para conhecer, ir ver. Saber como vive a juventude do interior, de lá de dentro de um Brasil que nem aparece em jornal nem nunca viu um”.

a)   Após afirmar que “o sertão é para conhecer”, a autora afirma que o sertão não aparece no jornal. O que se pode concluir dessa sequência de afirmações?

Pode-se concluir que a vida no sertão não é divulgada, é escondida, e que somente indo até lá o leitor terá chance de realmente compreender como ela é.

b)   Em sua opinião, por que o sertão não aparece no jornal?

Resposta pessoal do aluno.

c)   No seu ponto de vista, em que aspectos a vida de um adolescente de uma grande metrópole poderia mudar se ele fosse conhecer o sertão?

Resposta pessoal do aluno.

06 – No quarto parágrafo, são mencionados diversos nomes.

a)   Por que a autora afirma que são nomes diferentes?

Porque são diferentes para o leitor do jornal, que vive em São Paulo, cidade em que esses nomes não são comuns.

b)   Nesse parágrafo, a autora convida o leitor adolescente a conhecer o sertão. Relacione esse convite à apresentação dos nomes.

Essa sequência desperta a atenção do leitor para pessoas que são diferentes dele até no nome, mas que são cidadãos do mesmo país.

07 – “... Na pobreza bárbara da falta d’água, na escuridão do analfabetismo e da falta de luz elétrica”.

a)   Qual o significado de bárbara no texto?

Não civilizado, atrasado.

b)   Por que o analfabetismo é comparado à escuridão?

Porque sem saber ler, uma pessoa dica excluída de todo um universo, fica “cega” para uma parte do que já foi conquistado pelo ser humano.

c)   A autora fala em barbárie, escuridão, para logo depois iniciar o parágrafo que segue afirmando que os jovens do sertão vivem da chama do fogo. O que podemos concluir a partir dessa sequência de afirmações?

Podemos concluir que, para a autora do texto, o sertão está em uma outra era, privado dos recursos sociais e tecnológicos disponíveis para os jovens paulistas de classe média, leitores do artigo.

08 – “... alimentando sonhos curtos de conseguir um emprego de secretária, telefonista, mascate”.

a)   Nos dois primeiros parágrafos do texto, a autora fala das aspirações profissionais dos leitores, adolescentes de classe média ou alta. Que aspirações seriam essas?

Eles sonham com a graduação, o diploma de terceiro grau.

b)   Considerando essa informação, por que os sonhos dos jovens do sertão são classificados de curtos?

Porque são sonhos com profissões que não exigem graduação e que têm remuneração inferior a profissões que requerem a graduação.

09 – “Para vestir qual farda, em defesa de qual pátria?” O sertanejo não tem pátria? Por quê?

      O sertanejo tem pátria, mas a pátria esqueceu ou ignorou o sertanejo.

10 – “Os sonhos são curtos, e as distâncias ainda são medidas em léguas”. A autora contrapõe extensão dos sonhos e das distâncias. Qual o efeito dessa comparação?

      Enfatizar a dificuldade da vida no sertão.

11 – Maria da Cruz é professora, embora não tenha completado a graduação.

a)   Por que ela se tornou professora?

Porque não havia ninguém para ocupar essa função.

b)   Para você, quais podem ser as consequências de não haver professores qualificados para atender a comunidade do distrito de São Felix do Piauí?

Resposta pessoal do aluno.

12 – Em sua opinião, quais podem ser as consequência de uma menina de 14 anos não ter qualquer informação sobre sexo como Maria da Cruz?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: chamar a atenção para o fato de que essa ignorância expõe a jovem à violência, a doenças sexualmente transmissíveis e à gravidez indesejada.

13 – Leia novamente o título: “Viagem ao território espinhoso dos excluídos”. Considerando as reflexões feitas sobre o texto, responda:

a)   Espinhoso está sendo usado em sentido denotativo ou conotativo? Por quê?

Conotativo, pois, embora o sertão seja um local de clima realmente árido, é espinhoso pelo fato de as pessoas que vivem ali experimentarem muitas dificuldades.

b)   Quem seria os excluídos?

As pessoas que vivem no sertão.

c)   Estariam excluídos de quê?

De todo o progresso aproveitado por algumas classes sociais.

14 – Que conclusões você elaborou a partir da reflexão sobre o texto?

      Resposta pessoal do aluno.

15 – Após responder às questões, você deve ter percebido que a escolha de cada palavra tem um significado especial em um texto. Em que essa observação pode contribuir para suas próximas redações?

      Resposta pessoal do aluno.

16 – Considerando ainda a reflexão feita sobre o sexo, responda: de que forma a preocupação com o destinatário, a pessoa a quem se dirige o texto, influencia a construção do texto?

      A preocupação com o destinatário determina o vocábulo, a estrutura e até a linha de argumentação.

 

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