REPORTAGEM: A volta dos dirigíveis
Solange Barreira
Os charutos voadores retornam aos céus como anúncios
ambulantes e prometem tornar-se uma valiosa opção de transporte.
Metro a metro ele avança sobre São
Paulo. A bordo, a paisagem passa pelas janelas como um filme em câmera lenta.
Com placidez, vence o congestionamento da avenida Marginal Pinheiros, contorna
os arranha-céus e segue em direção ao verde do Parque do Ibirapuera. Em todo o
percurso, cria rebuliço: executivos apontam-no pelas janelas dos escritórios,
crianças esticam o pescoço para acompanhá-lo e os mais velhos, saudosos, logo
se perguntam: será mesmo um dirigível? Sim, os charutos voadores estão de
volta.
Nos
últimos anos, eles reapareceram nas principais cidades do mundo, fazendo
propaganda. Como na capital paulista, onde, desde maio, o Spirit of The
Americas sobrevoa a cidade exibindo a marca de pneus Goodyear e gerando imagens
de eventos para a TV Globo. Mais do que isso: os dirigíveis também estão de
volta às pranchetas dos projetistas, empenhados em reativá-los como meio de
transporte de passageiros e carga. Remodeladas e modernizadas, essas centenárias
máquinas voadoras – o primeiro protótipo de Santos Dumont acaba de completar
100 anos – prometem invadir os céus do próximo século.
Ele se
consagrou cruzando o Atlântico, mas uma tragédia interrompeu sua evolução.
Até pouco tempo, a ideia de construir
um dirigível restringia-se ao campo das excentricidades. Afinal, em 6 maio de
1937, o Hindenburg, fabricado pela empresa alemã Zeppelin, ardeu diante de uma
multidão, em Nova Jérsei, Estados Unidos. A notícia da morte de 36 pessoas e as
imagens do incêndio correram o mundo. O irmão mais velho do Hindenburg, o Graf
Zeppelin, estava sobre o Atlântico. Pousou na Alemanha dois dias depois do
acidente e nunca mais teve uso comercial.
Os poucos privilegiados que podiam desfrutar
de tal luxo sentiram-se desamparados. A aviação comercial ainda não tinha se
desenvolvido, por isso, os dirigíveis representavam a maneira mais rápida e
charmosa de cruzar o Atlântico: três dias e meio de viagem, contra dez dos
navios, em instalações confortáveis e luxuosas. Para uma nata de felizardos
passageiros, zepelim era mais que sinônimo de dirigível, representava o prazer
de voar.
Poucos anos antes, esse era o maior
desafio do homem. Um autêntico sonho conquistado em etapas: primeiro com os
balões, depois com os dirigíveis e só então com os aviões. Nessa história, dois
brasileiros escreveram capítulos importantes.
Invenção
brasileira
O primeiro foi o jesuíta Bartolomeu de
Gusmão, que demonstrou, em 1709, que um balão cheio de ar quente poderia alçar
voo. Como a experiência quase acabou em incêndio, passou despercebida. O outro
foi Alberto Santos Dumont. "Antes de conceber o legendário 14 Bis, Santos
Dumont procurou resolver o problema da dirigibilidade dos balões", conta o
físico Henrique Lins de Barros, diretor do Museu de Astronomia do Rio de
Janeiro, estudioso da vida do inventor. "Seu primeiro dirigível data de
setembro de1898, mas só em 1901ele se consagrou pioneiro no domínio dessa
tecnologia." A outra figura que gravou seu nome nessa galeria foi o conde
alemão Ferdinand von Zeppelin. Contemporâneo de Santos Dumont, Zeppelin era um
visionário.
Gastou sua fortuna na criação de
dirigíveis com estrutura rígida para transporte de passageiros. Em 2 de julho
de 1900, fez o voo inaugural do LZ-1, às margens do lago Constança, no sudoeste
da Alemanha. Mas a glória durou pouco: o tecido que cobria a estrutura de
alumínio do balão se rompeu no pouso. Nem por isso o milionário desistiu. Já
estava na bancarrota quando, em 1908, ganhou fama com o LZ-4, ao cruzar os
Alpes, numa viagem de 12 horas, sem escalas. Daí por diante, Zeppelin pôde
contar com o dinheiro do governo alemão em suas façanhas e seus dirigíveis se
transformaram em orgulho nacional. Em 1910, ele inaugurou linhas regulares na
Europa. Mas só em 1928 o Graf Zepelin ficou pronto e partiu para uma volta ao
mundo. Daí até a tragédia do Hindenburg, em 1937, foi quase uma década de
absoluto sucesso. Como o conde morreu em 1917, não viu seus veículos cruzando
oceanos.
Várias empresas no mundo gastam milhões de dólares para
reviver os áureos tempos.
Os
novos projetos (de dirigíveis), tocados em várias partes do mundo, também
herdaram características dos modelos originais. Mas são, de longe, máquinas
muito mais avançadas, dignas do próximo milênio. A primeira providência que
todas as empresas tomam é usar hélio no lugar de hidrogênio. A outra é
incorporar os avanços tecnológicos dos aviões, como os modernos instrumentos
computadorizados de orientação de voo. "Os dirigíveis dessa nova geração
são verdadeiros extintores de incêndio voadores", afirma John Walker,
presidente da Airship Technologies, empresa britânica que está construindo dois
modelos para transporte de passageiros, um para 5 e outro para 52 pessoas.
A própria Zeppelin também resolveu
investir numa nova linha de dirigíveis no início dos anos 90. Em setembro do
ano passado, realizou o voo de seu primeiro protótipo, o LZ N07. Seguindo a
tradição da fábrica, o corpo do balão tem estrutura rígida, que combina tubos
de alumínio com fibra de carbono, mas é bem menor que os do passado, com 68
metros de comprimento. A cobertura foi concebida com a ajuda de um computador e
a gôndola de passageiros lembra a cabine de um jatinho, mas com muito mais
espaço entre as 12 poltronas de passageiros.
Transporte
pesado
Mas o projeto mais ambicioso é, sem
dúvida, o do Cargolifter CL 160. Com 242 metros de comprimento, ele poderá
carregar 160 toneladas e peças de até 50 metros de comprimento, numa imensa
gôndola de carga. Com isso, resolverá problemas como o transporte de uma
turbina de hidroelétrica, sem paralisar o tráfego nas rodovias. O alemão Carl
von Gablenz, de 46 anos, é o mentor desse megaprojeto. Especialista em
logística e professor na universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos,
Gablenz percebeu há alguns anos a necessidade de uma alternativa para o
transporte pesado. Ele mostra, por exemplo, que para carregar um gerador de 160
toneladas da Alemanha para a Índia um dirigível pode levar cinco dias, ao custo
de 650 mil reais. O velho sistema caminhão-navio-caminhão consome a mesma soma,
em 74 dias de viagem. O CL160 oferece, ainda, outras vantagens.
Impulsionado por cinco motores diesel,
consome a quarta parte do combustível de um jato de carga. É claro que os jatos
superam em muito sua velocidade de cruzeiro, que varia de 80 a 135 km/h. Mas
nenhum transporte termina no aeroporto. Então, computando-se o tempo de
retirada da carga para embarcar num caminhão ou trem, o CL 160 ganha a corrida.
"Ele pode descarregar seus volumes com um guindaste, no espaço de um campo
de futebol, pairando a 100 metros de altura", observa Gablenz.
[Se esses grandes projetos de
dirigíveis forem em frente], o céu do século XXI não terá discos voadores, como
previam os escritores de ficção científica, mas fantásticos charutos voadores.
Revista Galileu. São Paulo,
Globo, dezembro de 1998.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 104-8.
Entendendo o texto:
01 – Esse texto, publicado
em uma revista, é constituído por três partes, cada uma iniciada por uma frase
apresentada em letras azuis.
a) Do ponto de vista do conteúdo informativo do texto, para que servem essas frases?
Servem para resumir o conteúdo do parágrafo que aparece depois dela.
b) Do ponto de vista do aspecto visual do texto, para que elas servem?
Esse recurso gráfico visa a tornar mais leve e mais atrativa a
apresentação visual do texto na página. Além disso, serve para que o leitor
descanse um pouco entre uma parte e outra da leitura.
c) Há, no texto, outro recurso gráfico que também tenha função semelhante à referida nos itens anteriores?
São “Invenção brasileira” e “Transporte pesado”.
02 – Depois de ler o
primeiro parágrafo, você sentiu mais vontade de continuar ou de parar a leitura
do texto? Por quê?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – No primeiro parágrafo
da primeira parte, que palavras ou expressões permitem ao leitor antecipar que
o texto vai tratar de algo que já existiu em outros tempos?
“Saudosos” (alguém só pode ter saudade de
algo que já existiu) e “estão de volta” (voltar pressupõe ter estado em um
lugar e depois estar novamente no mesmo lugar).
04 – A segunda parte do
texto é formada por quatro parágrafos separados por um intertítulo.
a) Identifique o intertítulo e explique a que fato ele se refere.
“Invenção brasileira”. Refere-se ao fato de ter sido o brasileiro
Santos Dumont quem solucionou o problema da dirigibilidade dos balões.
b) Você acha que o fato de a reportagem ser destinada a leitores brasileiros influenciou na escolha desse intertítulo? Por quê?
Sim, porque é um recurso sutil, que explora o patriotismo do leitor,
estimulando seu interesse em continuar a leitura.
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