quarta-feira, 16 de setembro de 2020

CONTO: CAPÍTULO ZERO E MEIO - PEDRO BANDEIRA - COM GABARITO

 Conto: CAPÍTULO ZERO E MEIO


        Pedro Bandeira

        A uma vez, há muitos, muitos anos atrás mais vinte e cinco anos, uma senhora de cabelos negros como o ébano, onde já começavam a aparecer alguns fios brancos como a neve, bem da cor da pele dela, que também era branca como a neve.

        O nome da tal senhora era Branca Encantado. Nos tempos de solteira, o sobrenome dela era "De Neve", mas, depois que se casou com o Príncipe Encantado, Dona Branca passou a usar o sobrenome do marido.

        Dona Branca estava com uma barriga enorme, esperando o seu sétimo filho, para ser afilhado do sétimo anãozinho, que vivia reclamando pelo fato de todos os outros anões já serem padrinhos de filhos de Dona Branca e faltar um para ser afilhado dele.

        Dali a uma semana ia fazer vinte e cinco anos que Dona Branca havia se casado para ser feliz para sempre. E, como você sabe, quem fica vinte e cinco anos casado com a mesma pessoa faz uma bruta festa para comemorar as Bodas de Prata.

        Feliz com tudo isso, Dona Branca tricotava um casaquinho de lã para o principezinho que ia nascer, sozinha no grande salão do castelo, forrado de mármore cor-de-rosa e veludo vermelho. Os filhos maiores estavam na escola e os menores com as amas.

        O Príncipe Encantado, como sempre, estava caçando. Foi aí que a grande porta do salão abriu-se e entrou Caio, o lacaio, anunciando:

        -- Alteza, a Senhorita Vermelho acaba de chegar ao castelo e pede...

        -- Chapeuzinho?! – interrompeu Dona Branca. – Que ótimo! Peça para ela entrar. Vamos, Caio, rápido!

        Caio, o lacaio, inclinou-se numa reverência e foi buscar a visitante.

        Chapeuzinho Vermelho era a mais solteira das amigas de Dona Branca e uma das poucas que não era princesa. A história dela tinha terminado dizendo que ela ia viver feliz para sempre ao lado da Vovozinha, mas não falava em nenhum príncipe encantado. Por isso, Chapeuzinho ficou solteirona e encalhada ao lado de uma velha cada vez mais caduca.

        Dona Chapeuzinho entrou com a cestinha pendurada no braço e com o capuz vermelho na cabeça. Dona Branca correu para abraçar a amiga.

        -- Querida! Há quanto tempo! Como vai a Vovozinha?

        -- Branca, querida!

        As duas deram-se três beijinhos, um numa face e dois na outra, porque o terceiro era para ver se Chapeuzinho desencalhava.

        -- Minha amiga Branca! Por que você tem esses olhos tão grandes?

        -- Ora, deixe de besteira, Chapéu!

        -- Ahn... quer dizer... desculpe, Branca. É que eu sempre me distraio... – atrapalhou-se toda a Chapeuzinho. – Sabe? É que eu estou sempre pensando na minha história. Ela é tão linda, com o Lobo Mau, tão terrível, e o Caçador, tão valente...

        -- Até que a sua história é passável, Chapéu – comentou dona Branca, meio despeitada. – Mas linda mesmo é a minha, que tem espelho mágico, maçã envenenada, bruxa malvada, anõezinhos e até caçador generoso...

        -- Questão de gosto, querida...

        Dona chapeuzinho sentou-se confortavelmente, colocou a cestinha ao lado dela, não largava aquela bendita cestinha, tirou um sanduíche de mortadela e pôs-se a comer (aliás, Dona Chapeuzinho tinha engodado muito desde aquela aventura com o Lobo Mau).

        -- Aceita, um brioche? – ofereceu a comilona, de boca cheia.

        -- Não, obrigada.

        -- Quer uma maçã?

        -- Não! Eu detesto maçã!

        Dona Chapeuzinho acabou o lanche e olhou para a amiga com aquele olhar que as comadres usam quando estão conversando por cima do muro do quintal.

        -- Menina, você não imagina o que aconteceu...

        Dona Branca arregalou os olhos negros como ébano:

        -- Aconteceu? O que foi que aconteceu? Ah, vamos, conta logo! Sou doida por uma fofoca. Vai ver foi aquela sirigaita da Gata que...

        -- Branca, Branca! – censurou Chapeuzinho, balançando a cabeça. – Você sabe que Cinderela Encantado detesta ser chamada de Gata Borralheira...

        -- Ah, deixa pra lá. Continue!

        Olhando em volta, para ver se ninguém a ouvia, Chapeuzinho perguntou:

        -- O Príncipe está no castelo?

        -- O Príncipe? Que Príncipe?

        -- O Príncipe Encantado. Seu marido.

        -- Ah, não está não. Foi à caça.

        -- Pois então vamos ao assunto. Eu falei com Rapunzel Encantado e ela me disse que o Príncipe...

        -- Príncipe? Que Príncipe?

        -- O Príncipe Encantado. Marido da Rapunzel.

        -- Ah...

        -- Pois é. O marido da Rapunzel encontrou-se com o Príncipe...

        -- O Príncipe? Que Príncipe?

        -- O Príncipe Encantado. Marido da Cinderela.

        -- Ah...

        A família Encantado tinha fornecido muitos príncipes para casar com as heroínas dos contos de fada. Por isso, quase todas as princesas tinham o mesmo sobrenome e eram cunhadas entre si. É claro que isso trazia uma certa confusão.

        -- Resumindo: o Príncipe da Rapunzel encontrou-se com o Príncipe da Cinderela, que tinha passado pelo castelo da Feiurinha...

        -- A Feiurinha! – exclamou Dona Branca. – Há quanto tempo não vejo minha querida Feiurinha Encantado...

        -- Pois é exatamente essa a fofoca: há muito tempo ninguém vê a Feiurinha!

        -- Ela desapareceu?

        -- Isso mesmo. O Príncipe deve estar desconsolado...

        -- Que Príncipe?

        -- O Príncipe Encantado. Marido da Feiurinha.

        -- Ah...

        -- Dona Branca interpretou à sua maneira o desaparecimento da Feiurinha.

        -- Será... será que ela abandonou o marido?

        -- E fugiu com outro? Acho difícil. A essa altura não existe mais nenhum Príncipe Encantado solteiro. Eu que o diga! Estou cansada de ser solteirona e aguentar aquela Vovó caduca. Tenho procurado feito louca, mas só encontro príncipe casado...

        Dona Branca raciocinou:

        -- Então, se Feiurinha desapareceu, isso significa que ela pode estar correndo perigo. E, se isso for verdade, será a primeira vez que uma de nós corre perigo desde que casamos para sermos felizes para sempre!

        -- Menos eu... – suspirou Dona Chapeuzinho. 

        [...]

       Pedro Bandeira. O fantástico mistério de Feiurinha. São Paulo, FTD, 1993.

Fonte: Língua Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD – São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 86-90.

Entendendo o conto:

01 – Pelo título do texto é possível prever que a história terá um conteúdo humorístico? Justifique.

      Sim. O “número” “zero e meio”, por não existir, dá uma informação absurda e antecipa, assim, a ocorrência de situações humorísticas.

02 – Logo no primeiro parágrafo, o que o narrador insinua, isto é, dá a entender de maneira indireta, a respeito da senhora de cabelos negros? Transcreva desse parágrafo trechos que confirmem sua resposta.

      O narrador insinua que ela está ficando velha. Trechos: “muitos anos atrás mais vinte e cinco anos”; “onde já começavam a aparecer alguns fios brancos como a neve” e a própria palavra “senhora”.

03 – Releia: “...Dona Branca tricotava um casaquinho de lã para o principezinho que ia nascer, sozinha no grande salão do castelo, forrado de mármore cor-de-rosa e veludo vermelho. Os filhos maiores estavam na escola e os menores com as amas.

        O Príncipe Encantado, como sempre, estava caçando.”. Ao usar a expressão “como sempre”, o narrador faz uma insinuação meio maldosa a respeito do príncipe. Explique-a.

      O narrador insinua que o príncipe não faz nada. Ele apenas se diverte, caçando.

04 – Releia este trecho do diálogo.

        “-- Minha amiga Branca! Por que você tem esses olhos tão grandes?

        -- Ora, deixe de besteira, Chapéu!”.

a)   Na história original, a quem Chapeuzinho faz a pergunta?

Essa pergunta ela faz ao Lobo Mau.

b)   Por que Branca diz para Chapéu deixar de besteira?

No diálogo com Branca, Chapéu faz uma pergunta que, na história original, ela faz ao Lobo. Como elas estão em outra história, a pergunta não faz sentido, é uma “besteira”.

05 – Releia esta passagem do texto.

        “-- Aceita, um brioche? – ofereceu a comilona, de boca cheia.

        -- Não, obrigada.

        -- Quer uma maçã?

        -- Não! Eu detesto maçã!”

a)   Quem pergunta “— Quer uma maçã?”?

Chapeuzinho pergunta a Branca.

b)   Quem responde “— Não! Eu detesto maçã!”?

Branca de Neve.

c)   O que aconteceu na história original dessa personagem que a levou a detestar maçã?

Na história original, Branca de Neve come a maçã envenenada e dorme profundamente.

06 – Chapeuzinho afirma que “Cinderela Encantado detesta ser chamada de Gata Borralheira...”. Lembre-se da história original de Cinderela e explique por que ela detesta esse apelido.

      Porque, na história original, esse apelido maldoso foi dado a ela antes de se casar com o príncipe, quando ainda era pobre e vivia sempre suja.

07 – Releia os dois últimos parágrafos e responda.

a)   O que Dona Chapéu quis dizer com “— Menos eu...”?

Ela quis dizer que ela era a única que não tinha se casado com um príncipe para ser feliz para sempre.

b)   Que sentimento Dona Chapéu revela ao suspirar?

Ela revela desânimo, decepção, frustação, etc.

08 – O narrador diz que Branca de Neve e Chapeuzinho são fofoqueiras. Releia este parágrafo.

        “Dona chapeuzinho sentou-se confortavelmente, colocou a cestinha ao lado dela, não largava aquela bendita cestinha, tirou um sanduíche de mortadela e pôs-se a comer (aliás, Dona Chapeuzinho tinha engodado muito desde aquela aventura com o Lobo Mau).” O que esse trecho permite concluir a respeito do próprio narrador? Justifique.

      Que ele também é fofoqueiro. Ele interrompe o que está contando para fazer comentários negativos sobre Dona Chapéu.

     

 

 

 

 

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