Texto: A festa de encerramento
Sempé e Goscinny
O diretor disse que ele nos via partir
com um monte de emoções e que tinha certeza de que a gente dividia as emoções
com ele, e que ele desejava que a gente tivesse muito prazer nas férias, porque
na volta às aulas não ia mais ser hora de brincadeira, que a gente ia ter que
trabalhar pra burro, e a festa de encerramento acabou.
Foi uma festa de encerramento muito
legal. Nós chegamos de manhã na escola, com os nossos pais e as nossas mães,
que tinham vestido a gente que nem bonecos. Todo o mundo estava de terno azul,
de camisa branca de um pano que brilha como a gravata vermelha e verde do
papai, que a mamãe comprou para o papai e que o papai nunca usa pra não sujar. [...]
A gente também estava com o cabelo grudado na cabeça – eu tenho um remoinho –,
com as orelhas limpas e as unhas cortadas. Nós estávamos incríveis.
Eu e os meus colegas não aguentávamos
mais esperar a festa de encerramento. Não era tanto por causa dos prêmios, não;
isso até que estava deixando a gente um pouco preocupado, mas é que depois da
festa de encerramento a gente não vai mais para a escola, e são as férias. Faz
muitos e muitos dias que eu fico perguntando para o papai, lá em casa, se as
férias vão chegar logo e se eu vou ter que ir à escola até o último dia, porque
eu tenho alguns colegas que não vão mais e que isso não é justo, e que de todo
o jeito a gente não faz mais nada na escola e que eu estou muito cansado, aí eu
choro e o papai fala que é para eu ficar quieto, que eu vou deixar ele louco.
Teve prêmio pra todo o mundo. O
Agnaldo, que é o primeiro da classe e o queridinho da professora, ganhou o
prêmio de matemática, o prêmio de história, o prêmio de geografia, o prêmio de
gramática, o prêmio de ortografia, o prêmio de ciências e o prêmio de
comportamento. O Agnaldo é louco. O Eudes, que é muito forte e que gosta de dar
soco no nariz dos colegas, ganhou o prêmio de ginástica. O Alceu, um colega
gordo que fica comendo o tempo todo, ganhou o prêmio de assiduidade; [...],
porque a mãe do Alceu não quer saber dele na cozinha, e se não for pra ficar na
cozinha ele prefere vir para a escola mesmo. O Godofredo, aquele que tem um pai
muito rico que compra tudo que ele quer, ganhou o prêmio de elegância, porque
ele está sempre bem vestido. [...] O Rufino ganhou o prêmio de desenho, porque
ele ganhou uma caixa grande de lápis de cor de presente de aniversário. O
Clotário, que é o último da classe, ganhou o prêmio de camaradagem e eu ganhei
o prêmio de eloquência. Meu pai ficou muito contente, mas parece que ele ficou
meio desapontado quando a professora explicou que, no meu caso, o prêmio era
pela quantidade, e não pela qualidade. Preciso perguntar para o papai o que
quer dizer isso.
A professora também ganhou prêmios.
Cada um de nós deu um presente para ela, que os nossos pais e as nossas mães
tinham comprado. Ela ganhou quatorze canetas e oito caixas de talco. Ela ficou
supercontente e disse que nunca tinha ganho tantas, nem nos outros anos [...]
Nós todos saímos da escola e na calçada os pais e as mães começaram a conversar
uns com os outros. Eles diziam um monte de coisas, como: “O seu foi muito bom”
e “O meu ficou doente” e também “O nosso é preguiçoso, é pena, porque ele tem
muita facilidade” e depois “Quando eu tinha a idade desse cretino eu sempre era
o primeiro, mas hoje em dia as crianças não se interessam mais pelos estudos, é
por causa da televisão”. E aí eles agradavam a gente, davam tapinhas na nossa
cabeça e limpavam as mãos por causa da brilhantina.
[...] as mães riam muito, contando as
coisas que nós tínhamos feito durante o ano, e nós ficamos admirados, porque
quando nós fizemos essas coisas as mães não riram nem um pouco, elas até
bateram na gente.
Os colegas e eu, a gente estava falando
das coisas incríveis que nós íamos fazer nas férias e o que estragou tudo foi
quando o Clotário disse que ele ia salvar as pessoas que estavam se afogando,
como no ano passado. Eu disse que aquilo era mentira, que eu tinha visto ele na
piscina: ele não sabe nadar, e deve ser difícil salvar alguém sem largar a
prancha. Então o Clotário bateu na minha cabeça com o livro que ele tinha ganho
de prêmio de camaradagem. O Rufino começou a rir e eu dei um tapa nele, e aí
ele começou a chorar e a dar pontapés no Eudes. Todo mundo começou a empurrar e
estava muito divertido, mas os pais e as mães vieram correndo, eles iam pegando
as mãos dentro da confusão, iam puxando e dizendo que a gente era incorrigível
e que aquilo era uma vergonha. Aí cada pai e mãe pegou o colega que era dele e
todo mundo foi embora.
No caminho para casa eu fui pensando
como era tudo legal, que a escola tinha terminado, que não ia mais ter lição de
casa, nem castigo, nem recreio e que eu ia ficar um monte de tempo sem ver os
meus colega, que a gente não ia mais fazer palhaçada junto e que eu ia me
sentir sozinho toda vida.
-- Então, Nicolau, você não vai dizer
nada? – O papai perguntou – Afinal, chegaram as benditas férias!
Aí eu comecei a chorar e o papai disse
que eu ia deixar ele louco.
Sempé e Goscinny. O pequeno
Nicolau no recreio. São Paulo, Martins Fontes, 1991.
Fonte: Língua
Portuguesa. Entre palavras – Edição renovada. Mauro Ferreira. 5ª série. Ed. FTD
– São Paulo – 1ª edição – 2002. P. 64-8.
Entendendo o texto:
01 – Releia o primeiro
parágrafo.
a) Esse parágrafo permite ao leitor supor que a festa foi igual às festas comemorativas que geralmente acontecem nas escolas? Por quê?
Sim, pois o fecho da festa ficou a cargo do diretor, que fez um
discurso. Geralmente é isso que acontece nas festas tradicionais.
b) A continuidade do texto confirma ou contradiz (nega) essa suposição?
Confirma. “As crianças e os pais estavam todos com roupas novas”;
“Houve entrega de prêmios”; etc.
02 – Segundo Nicolau, ele e
seus colegas estavam vestidos iguais a bonecos.
a) O que ele quis dizer com isso?
Ele dá a entender que todos estavam iguais e com a roupa bem
arrumada. Isso os obrigava a ficar quietos, parados, para que as roupas não
amassassem nem sujassem.
b) Se você fosse a uma festa, gostaria de ir vestido como boneco? Por quê?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: não, bonecos não têm vontade
própria; não tem personalidade.
03 – Releia.
“...
como a gravata vermelha e verde do papai, que a mamãe comprou para o papai e
que o papai nunca usa pra não sujar. [...] A gente também estava com o cabelo
grudado na cabeça – eu tenho um remoinho –, com as orelhas limpas e as unhas
cortadas.”
a) O pai de Nicolau tem, em relação a roupas novas, a mesma atitude que pode ser observada em muitos adultos. Qual é essa atitude?
É comum as pessoas comprarem coisas e depois deixa-las guardadas,
evitando que se estraguem.
b) Os alunos estarem com as orelhas limpas e as unhas cortadas é um fato rotineiro na vida deles? Justifique.
Não. Se fosse rotina, o garoto certamente não faria referência a
ele. Ao dizer que tinham as orelhas limpas e as unhas cortadas, Nicolau revela
que os pais prepararam as crianças para a festa.
04 – Nicolau diz que eles
estavam ansiosos pela festa, mas, ao mesmo tempo, estavam preocupados com os
prêmios.
a) Por que eles queriam que a festa acontecesse logo?
Eles queriam que a festa se realizasse logo porque, começariam as
férias. Na verdade, eles estavam ansiosos pelas férias, não pela festa.
b) Qual dos prêmios estava realmente preocupando os alunos? Por quê?
O prêmio de camaradagem, porque ele é dado ao aluno de pior
desempenho. Quem ganhou esse prêmio foi o Clotário, que é o último da classe.
05 – Releia.
“...eu ganhei o prêmio de eloquência. Meu pai ficou muito
contente, mas parece que ele ficou meio desapontado quando a professora
explicou que, no meu caso, o prêmio era pela quantidade, e não pela qualidade.
Preciso perguntar para o papai o que quer dizer isso.”
a) O que a professora quis dizer ao pai de Nicolau ao explicar que o garotinho ganhara o prêmio de eloquência pela quantidade, e não pela qualidade?
Ela quis dizer que Nicolau fala exageradamente, mas do que ele fala
pouco é aproveitado, isto é, não tem qualidade.
b) Considerando que o narrador desse texto é o próprio Nicolau, você acha que ele mereceu mesmo o prêmio? Por quê?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, pois Nicolau é um
tagarela, fala demais.
06 – Segundo Nicolau, depois
da festa os pais e as mães ficaram conversando e alguém disse: “Quando eu tinha
a idade desse cretino eu sempre era o primeiro, mas hoje em dia as crianças não
se interessam mais pelos estudos, é por causa da televisão”.
a) Escreva as palavras que, por estarem no gênero masculino, deixam claro que foi um pai que falou essa frase.
“O” e “primeiro”.
b) O “modo de falar” dessa pessoa (a linguagem que ela utiliza) também permite supor que foi um pai que usou a frase. Por quê?
Porque normalmente os homens são mais duros / exigentes com os
filhos, indicando a expressão “esse cretino” para exemplificar esse
comportamento.
07 – No final da festa,
Nicolau e seus colegas conversavam a respeito do que pretendiam fazer as
férias; de repente, começou a confusão.
a) Como Nicolau concluiu que Clotário estava mentindo?
Ele tinha visto Clotário brincando na piscina com uma prancha e
notou que o colega não sabia nadar.
b) A atitude de Clotário foi coerente, isto é, combinou com o prêmio que ele havia recebido? Justifique.
Não. Clotário ganhou o prêmio de camaradagem. E esse título é uma
atitude d amizade, de companheirismo, e não de alguém mentiroso e briguento.
08 – É válido afirmar que
Nicolau tem, em relação às férias, um sentimento ambíguo, ou seja, duplo? Por
quê?
Sim. Por um lado,
ele está feliz com a chegada das férias, porque não terá que ir à escola; por
outro, está triste, pois sabe que ficará sozinho e sentirá falta dos colegas e
das brincadeiras de sua turma.
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