Texto: MASSACRE DE ELDORADO DOS CARAJÁS
JOSÉ SARAMAGO
No dia 17 de abril de 1996, no estado
brasileiro do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás
(Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras...), 155
soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras,
abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em
ação de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de
terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na
qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinquenta anos,
sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos
problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos
trabalhadores do campo. Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19
mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas.

Passados três meses sobre este
sangrento acontecimento, a polícia do estado do Pará, arvorando-se a si mesma
em juiz numa causa em que, obviamente, só poderia ser a parte acusada, veio a
público declarar inocentes de qualquer culpa seus 155 soldados, alegando que
tinham agido em legítima defesa, e, como se isto lhe parecesse pouco, reclamou
processamento judicial contra três dos camponeses, por desacato, lesões e detenção
ilegal de armas. O arsenal bélico dos manifestantes era constituído por três
pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou menos manejáveis. Demasiado
sabemos que, muito antes da invenção das primeiras armas de fogo, já as pedras,
as foices e os chuços haviam sido considerados ilegais nas mãos daqueles que,
obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar,
encontraram pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas,
lanças e alabardas. Ao contrário do que geralmente se pretende fazer acreditar,
não há nada mais fácil de compreender que a história do mundo, que muita gente
ilustrada ainda teima em afirmar ser complicada demais para o entendimento rude
do povo.
José Saramago. In:
Sebastião Salgado. Terra. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 11.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 19.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto, qual
o significado das palavras abaixo:
--
Alabarda: arma antiga, formada por haste de
madeira em ferro largo e pontiagudo, atravessando por outro em forma de
meia-lua.
--
Chuço: vara ou pau armado de ponta de
ferro ou de aço.
--
Simulacro: ação simulada, falsificação.
02 – Qual foi o contexto e o
motivo da manifestação dos camponeses em Eldorado dos Carajás, segundo o texto
de José Saramago?
A manifestação
dos camponeses ocorreu em protesto contra o atraso nos procedimentos legais de
expropriação de terras, parte de uma reforma agrária que, após cinquenta anos,
ainda não havia oferecido soluções significativas para os graves problemas de
subsistência dos trabalhadores rurais. Eles bloquearam a estrada como forma de
pressionar por seus direitos.
03 – Descreva a ação da
polícia militarizada contra os manifestantes e as consequências imediatas desse
confronto.
No dia 17 de
abril de 1996, 155 soldados da polícia militarizada, armados com espingardas e
metralhadoras, abriram fogo contra a manifestação pacífica dos camponeses. O
resultado imediato foi a morte de 19 pessoas e dezenas de feridos.
04 – Qual foi a alegação da
polícia do estado do Pará três meses após o massacre, e como José Saramago a critica
no texto?
Três meses após o
massacre, a polícia do Pará declarou publicamente a inocência de seus 155
soldados, alegando legítima defesa. Saramago critica essa postura ao apontar a
contradição de a polícia se colocar como juíza em uma situação em que era
claramente a parte acusada. Ele também ironiza a alegação ao contrastar o
armamento pesado da polícia com as "armas" dos camponeses: três
pistolas, pedras e instrumentos de lavoura.
05 – Segundo o texto, qual era
a principal reivindicação dos camponeses e como Saramago relaciona essa
reivindicação com a história da luta por direitos?
A principal
reivindicação dos camponeses era "pão para comer e terra para
trabalhar", ou seja, condições básicas de sobrevivência e dignidade
através do acesso à terra. Saramago relaciona essa reivindicação com a longa
história da luta por direitos, mencionando que mesmo antes das armas de fogo,
instrumentos simples como pedras e foices eram considerados ilegais nas mãos
daqueles que lutavam por necessidades básicas. Ele sugere que essa dinâmica de
opressão persiste ao longo da história.
06 – Qual a crítica geral de
José Saramago presente no texto em relação à compreensão da história e à
situação dos trabalhadores do campo?
Saramago critica
a ideia de que a história é excessivamente complexa para o entendimento do
povo, argumentando que, na verdade, a história do mundo é facilmente
compreensível, especialmente no que diz respeito à luta dos oprimidos por seus
direitos. Ele denuncia a persistente falta de atenção e solução para os
gravíssimos problemas de subsistência dos trabalhadores do campo no Brasil,
evidenciada pela lentidão e ineficácia da reforma agrária.
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